TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
O PINK FLOYD e A CRIAÇÃO DE
ATOM HEART MOTHER
Número 017 - 21/04/2019 - 27/04/2019
2
SOBRE
PASTOS VERDEJANTES
A despeito de sem qualquer noção para onde estavam indo ou do que queriam fazer, além de trabalhar pela primeira vez com um compositor de trilhas-sonoras, ‘ATOM HEART MOTHER’ deu ao PINK FLOYD seu primeiro hit número 1. TST volta à criação tortuosa de um dos álbuns mais subestimados, porém importantes de sua carreira.
E
TEXTO: MARK BLAKE | TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO: RODRIGO HAMMER
ra o Verão de 1970, e LG Wood, diretor superintendente da EMI’s Record Division, se debruçava sobre a capa do novo álbum do Pink Floyd, ‘Atom Heart Mother’. Para Wood, era política da gravadora aprovar todas as artes dos LPs, mas ali estava uma sem título, bem como o nome do grupo ausente. Ao invés disso, apenas uma vaca no pasto. Presumindo que devia haver caracteres em algum canto, Wood virou a capa, apenas para encontrar mais vacas. De acordo com uma testemunha ocular, “Ah, esses frísios” (n. do t. raça de cavalos negros da Frísia), foi tudo o que o chefão pôde resmungar. Três meses depois, ‘Atom Heart Mother’ tornava-se o primeiro álbum do Pink Floyd a chegar ao número 1 no hit parade. A própria EMI já sabia que aquela banda de caras cabeludos de som estranho, podia vender um porrilhão de discos. Na época, ao que parece, podiam fazer a mesma coisa sem incluir o título do álbum ou o nome da banda na capa. Apenas uma vaca. Num pasto. O box-set monumental de sete volumes ‘The Early Years 1965-1972’, lançado em 2016, chegou a dedicar um disco inteiro, Devi/Ation, a ‘Atom Heart Mother’ e à trilhasonora ‘Zabrieskie Point’ que inspirou a faixa-título, incluindo, também, a mais antiga gravação da suíte homônima. Mas hoje em dia, o álbum é provavelmente mais conhecido pela capa do que pela música. Revisitá-lo é como adentrar um universo paralelo habitado por suítes orquestradas e faixas criadas a partir do som de chaleiras e bacon durante a fritura.
A banda gravaria álbuns melhores, mas aquele permanece como a apoteose da fase experimental, ou como David Gilmour chegou a descrever, “nosso lance mais pirado”. Um disco que acabava seu processo de produção com uma vaca num pasto em Potters Bar, Hertfordshire, começara a ser concebido há mais de um ano antes, em Roma. O diretor italiano Michelangelo Antonioni tinha contratado a banda para a trilha-sonora de seu próximo filme, Zabrieskie Point e o quarteto chegara à cidade para começar a gravá-la em Novembro de 1969. O filme de 1968 de Antonioni, Blow-Up, tinha sido um sólido retrato da Swingin’ London, e Zabrieskie Point era, por sua vez, um drama sobre estudantes radicais norte-americanos lutando contra a polícia, fumando maconha e curtindo muito sexo. O antigo Pink Floyd abraçava o inusitado, bem como o conceito de ser, nas palavras de Nick Mason, “mais que um simples grupo pop”. Tinham parado de lançar singles após Dezembro de 1968, preferindo suceder o segundo álbum, ‘A Saucerful of Secrets’, do mesmo ano, com outra trilha para o filme de arte More. O próximo lançamento após aquele, o duplo metade em estúdio/metade ao vivo ‘Ummagumma’, de 1969, incluía o experimento de Roger Waters com Música Concreta, Several Species of Small Furry Animals Gathered Together In A Cave And Grooving With a Pict. A peça era composta de sons coletados, com seu compositor berrando em sotaque escocês.
3
Ron Geesin, colaborador em ‘Atom Heart Mother’
“Há momentos em ‘Atom Heart Mother’ que você tem um gosto do que o Pink Floyd logo logo alcançaria em ‘Meddle’ e ‘The Dark Side of The Moon’”
‘Zabrieskie Point seria o próximo estágio na jornada musical do Floyd, mas logo a banda descobriu que Antonioni era um patrão intolerável. “Produzimos coisa muito boa”, insiste Waters. Todavia, o diretor, preocupado que a música ofuscasse o próprio filme, criticava tudo: “Você alterava o que fosse que estivesse errado, e ele ainda assim ficava insatisfeito. Era um inferno.” O grupo passou duas semanas em Roma e voltou para casa. ‘Zabrieskie Point’ foi lançado em Fevereiro de 1970, logo revelando-se um fracasso retumbante. A trilha-sonora incluía apenas três faixas do Floyd, junto a canções do Grateful Dead, dentre outros. Contudo, a banda descartara out-takes que incluíam uma sequência musical em torno da qual a suíte Atom Heart Mother se desenvolveria. “Dave (Gilmour) apareceu com o riff original”, declarou Waters ao DJ Nicky Horne, da Capital Radio. “Todos na banda ouviram e pensaram ‘Puxa, isso aí é muito legal...’, mas ao mesmo tempo aquilo também soava como um daqueles temas horrorosos de Western”. Acredita-se que o Pink Floyd apresentou a primeira versão do novo instrumental a 17 de Janeiro de 1970 no Lawns Centre, em Hull. Porém, na época, ainda estavam indecisos quanto ao próximo projeto a ser levado ao estúdio. “Vamos compor a trilha para uma série em desenho animado para a TV, de Alan Aldridge, chamada Rollo”, declarou Waters ao Melody Maker. “É tipo Yellow Submarine, sobre um garotinho no espaço.” Mas Waters nunca mencionaria Rollo outra vez. Em vez disso, o Pink Floyd entrou em Abbey Road no início de Março, para começar a gravar o novo trabalho. A EMI tinha acabado de instalar os novíssimos gravadores de oito canais que usavam fita específica de uma polegada. A companhia insistia que a fita não poderia ser fatiada e usada para emendas posteriores, o que queria dizer que Waters e Mason teriam a inevitável tarefa de gravar a base para a nova faixa em único take de 23.44 min.
4
Todo sorrisos em 1971, após a conquista do primeiro N.1 com ‘Atom Heart Mother’. Da esq. para a dir: Roger Waters, Nick Mason, David Gilmour e Richard Wright “Aquilo exigiu tudo da nossa musicalidade limitada”, revelou Mason em sua biografia Inside Out. O Floyd tinha tocado a peça ao vivo por algumas semanas, modificando o arranjo nas apresentações. “Acrescentávamos, subtraímos e multiplicávamos os elementos”, afirmou o baterista. “Mas ainda parecia faltar algo essencial”. A banda, então, decidiu que os elementos ausentes eram coral e orquestra. Mas precisavam encontrar alguém para escrever a partitura. É quando entra Ron Geesin, um nativo de Ayrshire, tocador de banjo, pianista, poeta e escritor. Geesin começara numa banda de Jazz no ínicio dos anos ‘60. Por volta de 1970, compunha trilhas para a TV em seu flat/estúdio de Notting Hill.
Mason encontrara Geesin através de um amigo em comum, o tour manager dos Stones, Sam Jonas Cutler. Geesin’ não conhecia a música do Floyd, e ao ouvir um trecho, não ficou impressionado. “Chamei aquilo de devaneios astrais”, afirmou. Ele também preferia Ópera a Rock ‘n’ Roll, e levou Mason, Gilmour e Wright a ouvirem Parsifal, de Wagner, no Covent Garden. “Todos caíram no sono”, queixou-se. Geesin ra a escolha óbvia para compor a partitura. Ele e Waters já estavam compondo a trilha para o documentário The Body. Desenvolviam uma espécie de acompanhamento para instrumentos convencionais e ruídos humanos como respiração, fala e emissão
de flatos. Então, Atom Heart Mother, a faixa, ofereceria uma fusão de sonoridades comuns e incomuns. Entrevistado em 2006, Geesin declarou que o Pink Floyd tinha apenas uma vaga ideia do que queria. “Pelo que me lembro, Dave me falou sobre o tema e Rick chegou no meu estúdio, quando começamos a gravar algumas frases para a parte vocal. Aí o Floyd partiu para os Estados Unidos, me deixando a cargo da tarefa.” Geesin compôs a partitura em meio a uma onda de calor, “vestido só de cueca”, no porão de Notting Hill. E aquele escocês semi-nu, desempenharia um papel vital no próximo álbum da banda.
O começo dos anos ‘70 foi uma época difícil para músicos de estúdio - como se todo grupo de cabeludos quisesse cellos e tubas em seus discos. Primeiro os Beatles, depois o Moody Blues, o The Nice e o Deep Purple. Agora chegava a vez do Pink Floyd. Ron Geesin tinha apenas gravado um comercial de TV com membros da New Philarmonic Orchestra, e todos o tinham tratado com respeito. Mas quando ele e o Floyd se reencontraram em Abbey Road, em Junho, a EMI Pops Orchestra encarou Geesin como mais um hippie sem noção, interpondo dificuldades. Também não ajudou o fato de que um erro na partitura significou que o início estivesse ausente, tornando
a peça quase impossível de executar. “Para o regente com maior experiência, aquilo deve ter sido considerado um mostruário incomum de egocentrismo, comigo precisando ser colocado em meu lugar,” contou Geesin. “Mas eu era um iniciante, não um maestro. Você perguntava aos músicos da EMI alguma coisa e eles respondiam ‘Diga você... não entendo disso.’ Um dos trompetistas era extremamente desbocado.” Quando Geesin ameaçou esmurrar o tal músico, foi mandado que se retirasse. “Simplesmente me expulsaram,” conta. O substituto de Geesin foi o maestro John Alldis, coralista erudito respeitado. Então, os outros músicos rebelados logo entraram na linha, enquanto o coro de Alldis acabou contribuindo para a sonoridade da faixa.
5
A descrição de Waters para o movimento de abertura da suíte (mais tarde intitulada Father’s Shout) como “morno”, faz sentido. Mas três minutos depois, a tepidez se dissipa, entrando a slide guitar de Gilmour, pondo em destaque o cello harmonioso tocado pelo músico de estúdio islandês Haflidi Hallgrímisson. Em momentos como esses, dá para se ter um gosto do que o Pink Floyd, em breve, faria em ‘Meddle’ e ‘The Dark Side of The Moon’. No quarto movimento, Funky Dung, a guitarra e o órgão Hammond encadeiam um andamento sinuoso, como precursor de Any Colour You Like. Os vocais em estilo Gospel também evocam aqueles mais tarde ouvidos em Eclipse, de ‘The Dark”. Give Birth To A Smile, de Geesin e Waters, da trilha de The Body in-
6
cluída em ‘The Early Years’, também empregou vocais femininos junto ao restante de um não creditado Pink Floyd. Enquanto isso, a quinta parte da suíte, Mind Your Throats, Please, inclui a voz distorcida de Nick Mason gritando “Silêncio no estúdio!” com o som do piano de Rick Wright tocado através de um gabinete Leslie, truque mais tarde usado em Echoes. Geesin ficaria frustrado com o decorrer dos fatos. Sob a regência de Alldis, os metais tornaram-se mais suaves, menos agressivos. “Não era como eu tinha pensado”, observou, antes de relevar: “Mas consegue convencer.” A 27 de Junho, o Floyd tocaria no Bath Festival of Blues And Progressive Music, unindo-se ao co-
ral de Alldis e à Orquestra de Metais de Philip Jones. Não apresentaram a peça até a madrugada, com Waters introduzindo a nova suíte como The Amazing Pudding. “Era um som celestial,” escreveu o crítico na Disc And Music Echo. No entanto, menos celestial por um dos tocadores de tuba que escondera uma caneca de cerveja em seu instrumento antes do show. Um mês mais tarde, o Pink Floyd voltou a Abbey Road para gravar o segundo lado do álbum. A liberdade criativa que a EMI concedia a eles, seria inconcebível nos dias de hoje, quando grupos Pop são gerenciados em sistema doméstico. Mesmo com o Floyd se autoproduzindo pela primeira vez, qualquer executivo espião da EMI que aparecesse, teria pouco ou nenhum poder de interferência.
“A Hipgnosis sugeriu colocar uma vaca na capa quase como uma piada, mas a banda adorou a ideia.”
O operador de fitas Alan Parsons, mais tarde promovido a engenheiro de som em ‘The Dark Side of The Moon’, lembra-se da vez em que um deles adentrou o estúdio. “O Floyd tinha aversão geral a gente de gravadora, e foi quando um dos publicitários do selo apareceu. Roger e Ron concederam a ele, uma audição de parte do álbum. Antes da chegada do executivo, eles tinham escondido um toca-discos sob a mesa, colocando um velho 78 RPM pelos falantes. O sujeito reagiu horrorizado e deu no pé. “A gente mal conseguiu segurar o riso.” Nick Mason chegou a comentar que o “Pink Floyd jamais descartava de todo as ideias musicais que tinham.” Ron Geesin relembra as quatro faixas do segundo lado se desenvolvendo de “rascunhos que deixavam espalhados pelo estúdio.” E fãs de longa data da banda, sabem que o segundo lado contém algum tesouro escondido. São as letras, por exemplo, que fazem a balada de Wa-
O Pink Floyd como atração principal de um show gratuito no Hyde Park de Londres, 18 de Julho de 1970
ters, If, tão fascinante: “If I were a good man, I’d understand the spaces between friends”, canta. “If I were alone, I’d cry...” Era o implacável porta-voz da banda, mostrando seu lado mais terno. “Todos temos nossas inseguranças”, justificou Ron Geesin. “Acho If uma daquelas jóias mais brilhantes.” Depois de tudo, Waters, bem como o restante da banda, não havia se esquecido da partida forçada de Syd Barrett. Enquanto produziam ‘Atom Heart Mother’, o frágil guitarrista gravava seu segundo álbum solo na sala vizinha. Geesin estava por lá, no dia em que Barrett deu as caras no estúdio do Floyd. Ele sentou sobre as mãos, olhou para os antigos colegas de banda por alguns mi-
nutos e então desapareceu. “Apareceu tão rápido quanto desapareceu.” A próxima da lista era Summer ‘68, de Richard Wright, uma faixa sobre um encontro casual com uma groupie, incluindo a seção de metais pomposa da EMI Pop’s Orchestra. Uma canção bastante humana, num álbum que soa como algo de outro planeta. “No Verão de ‘68 havia groupies por todo o lado”, comentou um saudoso Wright. “Elas apareciam e cuidavam de você como uma secretária particular, logo te abandonando num estalar de dedos.” “Humana” também pode ser a definição para a charmosa Fat Old Sun, de Gilmour. “Um cântico bastante inglês às maravilhas dos “pásssaros das noites de Verão” e “gramados vicejantes” (n. do t. “Summer evening birds” e “new mown grass), sugerindo um instantâneo mais campestre para a música. “Foi incrivelmente subestimada”, declarou Gilmour, que fez questão de incluir a faixa na mesma compilação ‘Echoes’. “Fiz de tudo para entusiasmar os caras, mas eles não estavam nem aí.” O disco se encerra com Alan’s Psychedelic Breakfast, ousado instrumental aditivado pelo som do roadie Alan Styles cozinhando bacon, ovos e torradas, tudo com tratamento acústico suntuosamente quadrifônico. “Um take era anunciado como ‘Ovo Fritando, take um”, seguido por “Opa”, quando o ovo caía na frigideira”, lembra Parsons. “Alan’s Psychedelic Breakfast é bem interessante”, considera Nick Mason, que vê a faixa como a sua queridinha. “Mas de certa forma, os efeitos sonoros são a parte mais incrível.” “Foi a coisa mais expontânea que fizemos juntos”, ressalta um Gilmour cheio de menosprezo. Fãs passariam décadas conjecturando o que o concerto Prog de Atom Heart Mother, baladas Folk e ovos fritos realmente queriam dizer. Mas ninguém, incluindo o próprio Floyd, teriam bem certeza disso. Storm Thorgerson e Aubrey “Po” Powell, contratados para criar a arte da capa, também não tinham a mínima ideia. Propuseram, então, colocar uma vaca em tom de piada, mas a banda adorou a sugestão. Com a impactante capa definida, o grupo ainda precisava de um título para o disco, já que The Amazing Pudding não colara. A inspiração veio, então, do dia 16 de Julho, quando o Floyd gravou um show para o DJ John Peel (agora incluído em Devi/Ation). O antigo produtor da BBC, Jeff Griffin, estava no estúdio de cinema da emissora em Paris naquela noite. “John Peel estava distraído, lendo o Evening Standard (n. do t. jornal tradicional da Inglaterra e também um dos mais antigos no Reino Unido) e Roger olhava por sobre seu ombro”, revelou Griffin. “Aí Peely disse: e então, meu amigo, qual o nome dessa peça?” Posso apostar que você vai encontrar algo nesse jornal aqui.”
7
“Não se preocupem. Alguém vai aparecer para assistir a gente logo...”
Também presente, estava Ron Geesin, que insiste ter sido ele a pessoa a recomendar a Waters para procurar no jornal. “Eu disse: ‘Seu título está aí.’” E estava. Waters folheou algumas páginas e parou numa matéria cuja manchete era “Atom Heart Mother batizada”, sobre uma mulher de 56 anos na qual tinha sido implantado um marcapasso radioativo de Plutônio. “Roger disse: ‘É isso! Atom Heart Mother!, o que não tinha nada a ver com a música.” Griffin achou graça: “Dissemos, ‘por que?’, e a banda: ‘Por que não?’ Dois dias depois, Roy Harper, Kevin Eyers, The Edgar Broughton Band, entre outros, abriram para o Floyd num concerto grátis no Hyde Park. Ali, tocaram Atom Heart Mother, novamente com o John Alldis Choir e a Orquestra de Metais de Philip Jones. Mas Ron Geesin saiu do palco em lágrimas. “A performance dos metais foi terrível”, comentou. Ele era coautor de Atom Heart Mother, mas precisava deixar que a faixa seguisse seu próprio caminho no mundo. Steve O’Rourke, empresário do Floyd, logo o lembrou da eterna batalha entre arte e comércio. Geesin tinha dividido a partitura original em movimentos, marcados de A a Q. “Era uma necessidade prática para saber em que ponto estava a composição, mas logo decidimos que tudo seria uma faixa única.” O’Rourke o avisou que devido ao contrato da banda com o selo norte-americano, a suíte precisava ser dividida em movimentos o mais rápido
possível: “Ou então eles receberiam royalties apenas por uma faixa”. Então, entre elas, Geesin e o Floyd fatiou a peça em seis movimentos. Geesin sugeriu o título Father’s Shout inspirado por um de seus heróis, o pianista de Jazz americano Earl “Fatha” Hines. O grupo sugeriu outros títulos inspirados pela capa da vaca, incluindo Funky Dung e Breast Milky. Por razões financeiras, uma faixa tornou-se, então, seis. O álbum seria uma aposta contraditória. Lançado a 2 de Outubro de 1970, tornou-se o disco de maior vendagem do Floyd até então. A revista Beat Instrumental o descreveu como “um álbum profundamente fantástico”, enquanto a Circus, nos Estados Unidos (onde chegou ao 55º posto), o tachou de “viagem das viagens viajandonas” (n. do t. “trip trip trip, a tippy top trip”). Logo após o lançamento, o diretor Stanley Kubrick pediu para usar a suíte em seu então próximo filme, A Laranja Mecânica. Mas Kubrick queria editar a faixa, e o Floyd recusou. Ainda assim, a capa do álbum chega a aparecer numa cena. Hoje, Ron Geesin guarda sentimentos confusos acerca de seu mais famoso trabalho. Seu maior tento após AHM, foi a partitura para John Schlesinger em Sunday Bloody Sunday. Desde então, tem criado instalações de vídeo e música, além de gravar música eletrônica de vanguarda. “Quero me levantar e dizer, ‘Ei, mundo! Compus duzentas peças, algumas das quais acho melhor que AHM, mas ninguém as ouviu.”
“Os membros da banda chegaram a se mostrar críticos quanto à faixa-título: “lixo!”
5
O que também o incomoda, é não ter sido creditado como coautor no álbum. “Apesar disso nunca ter sido discutido com a banda”, acrescenta. A suíte Atom Heart Mother tornou-se número fixo do set do Floyd durante os shows de 1970 e 1971, até dar lugar ao próximo épico Echoes. Roger Waters tocou If nas suas primeiras tournées solo, e David Gilmour reprisou Fat Old Sun para a sua tour On An Island, de 2006. Todavia, os quatro sempre foram ácidos quanto à faixa-título. Water chegou a chamá-la de “lixo”, enquanto Gilmour, “lixo total”. Ainda assim, o tempo a tudo cura. O guitarrista juntou-se a Geesin para tocar a suíte no Chelsea Festival, de 2008, com a cellista Caroline Dale, um coral, metais do Royal College of Music e uma banda-tributo italiana, o Mun Floyd. Geesin também resistiu à tentação de alterar a partitura original. “É uma obra fechada”, justificou. “Não brinque muito com ela, que a coisa desmorona.” Não importa toda essa carga relativa de ingratidão quanto ao álbum, ele tornou-se um passo crucial até a conquista de ‘The Dark Side of The Moon’. Porém, é mais do que isso: ‘Atom Heart Mother’ é a celebração de um Floyd profundamente experimental. Antes de grandes hits e o dinheiro que gerou, trata-se do som de uma banda de Art Rock ao avesso, que chegou a desafiar Abbey Road, enquanto os tesoureiros se perguntavam o que diabos estavam fazendo. Como aquela citação ao cavalo Frísio a partir da capa clássica, a música no álbum desafia e confunde, mas de alguma forma lhe puxa para dentro. E próximo dos 50 anos, a “bosta maluca do Pink Floyd”, como Gilmour chegou a afirmar, nunca soou melhor.
5
TST The Sound Tribune
P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe