TST 005

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TST Rodrigo Hammer’s

The Sound Tribune

‘DEEP PURPLE’

Para sempre nas sombras O DISCO

Em 1969, Ritchie Blackmore, Nick Simper, Rod Evans, Ian Paice e Jon Lord lançaram aquele que seria o álbum mais subestimado do Deep Purple, encerrando o ciclo da formação MK I

Número 005 - 27/01/2019 - 02/02/2019


A história de um álbum

MALDITO

Ainda ignorado na Inglaterra, o Deep Purple preparou o mais obscuro dos seus discos, com a primeira mudança de formação em mente

Texto - Simon Robinson Tradução e Adaptação - Rodrigo Hammer

O Deep Purple voltou a uma fria Inglaterra de Inverno a 3 de Janeiro de 1969, já munido de uma extensa programação de shows e uma sessão de fotos marcada para bem cedo naquela manhã, no terraço do Dorchester Hotel com o objetivo de celebrar o noivado de Ritchie Blackmore e Jon Lord com suas respectivas namoradas. ‘Kentucky Woman’, a primeira escolha do selo Tetragrammaton para single retirada do segundo álbum da banda, ‘The Book of Taliesyn’, tinha sido lançado pela EMI em Dezembro do ano anterior, mas falhado em despertar maior interesse. O grupo ainda batalhava para acontecer no mercado doméstico. Fazer sucesso apelando para compactos era, para eles, como reduzir a força

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original da banda nos dois discos já lançados, e as tentativas do Purple para cobrir dois mercados fonográficos divergentes, tornavam-se cada vez mais difíceis. No entanto, para o momento, precisavam se manter em alta nos Estados Unidos. Já que as tentativas de gravar um single por lá no meio de Dezembro tinham dado em nada, a prioridade naquele retorno à Inglaterra era corrigir a rota e partir para o estúdio De Lane Lea a 7 de Janeiro a fim de registrar mais duas faixas. ‘Emmaretta’ era um tipo de homenagem de Rod Evans a uma garota do cast norteamericano do musical Hair e foi finalizada em quatro takes. Já a mais experimental ‘The Bird Has Flown’, levou mais tempo para ser concluída, mas era carta na manga do quinteto

(apesar de precisarem regravá-la noutra versão para o próximo álbum). A obscura versão original tinha sido destinada para o lado B de um compacto norte-americano e aparece na edição comemorativa do disco em CD, como faixabônus. A banda também teve de engolir as velhas declarações arrogantes acerca dos shows ingleses quanto a serem perda de tempo, embarcando numa série de apresentações Inglaterra adentro durante Fevereiro e Março. ‘Emmaretta’ foi lançada na Grã-Bretanha a fim de coincidir com as datas dos shows, acompanhada por ‘Wring That Neck’, do segundo disco (ainda inédito nos Estados Unidos).

Da esquerda para a direita, o Blackmore (guitarra), Nick Si Aquilo seria a primeira vez que um disco da banda era lançado primeiro na Inglaterra, demonstrando um pouco mais de atenção para com o mercado doméstico. Durante as poucas folgas na tournée, algumas sessões de gravação foram

agendad para o e Lea. Alguma foram e duas registra Fevereir ‘April’, um úni mês ( ‘Lalena’


auge da MK I em 1969: Rod Evans (vocais), Jon Lord (keyboards), Rithcie imper (baixo) e Ian Paice (bateria)

das novamente de Março seria gravada estúdio De Lane uma nova versão, mais longa, para ‘The Bird as das datas Has Flown’ que de uma esquecidas, mas forma ou de outra faixas foram completava o LP junto adas em 17 de às váriadas inserções ro daquele ano: orquestradas também finalizada em para ‘April’. ico dia daquele Na mesma época, a (28) junto a pronta repercussão do ’, enquanto a 18 sucesso pelos Estados

Unidos começava a transparecer na Imprensa britânica e com a banda em casa por pelo menos algum tempo, algumas entrevistas e matérias começaram a surgir. “Devemos ser o único grupo esquizofrênico do mundo”, declarou Jon Jord a um repórter.

“Se tocamos alguma vez na Inglaterra, dá para ganhar 150 libras. Nos Estados Unidos, a mesma coisa renderia umas 2.500. “ Perguntado por quê a banda ainda tinha pouca repercussão em sua terra, Lord para tentar explicar: “Já que não temos hits por aqui,

acho que o público mais underground tende a nos menosprezar. Os americanos têm a mente mais aberta quanto a esse negócio de lançar compactos.” Outros jornais aproveitaram para especular quanto a banda

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estaria ganhando na América, e manchetes como “O Purple não vai passar fome por um ideal” e “Eles perdem 2.350 libras por noite vivendo na Inglaterra” surgiam durante os primeiros meses de 1969 à medida em que a história se espalhava. ‘Emmaretta’ era abertamente comercial, e uma tentativa da banda recuperar o terreno perdido, mas ainda assim falhou em convencer o público inglês comprador de discos. Nos Estados Unidos tinham conseguido com ‘Hush’ preencher o vácuo entre os artistas mais cotados nas paradas de sucesso e a

cena underground, mas se tratava, sobretudo, de contrabalançar estratégia de marketing com o tipo certo de lançamento fonográfico. ”Parece que conseguimos preencher o espaço entre as duas coisas. Queremos continuar assim”, explicou Lord à época, “porque é no underground onde os superstars são forjados”. Com as sessões para o terceiro álbum finalizadas em Março, o Purple aportou novamente em terras norte-americanas no início de Abril de 1969 para a segunda tournée que durou aproximadamente dois meses no total. Assim que

desembarcaram, perceberam que a situação na gravadora estava saindo de controle. O novo disco tinha sido concluído, mas a Tretragramatton não havia conseguido prensá-lo a tempo da excursão. Na verdade, o selo estava financeiramente nas últimas. Tinham gastado dinheiro como água no primeiro ano de atividade com escritórios caros e campanhas promocionais sofisticadas (cinco compactos de um mesmo artista lançados num mesmo dia) para novos projetos, mas pouco de suas duas dúzias de álbuns ou singles haviam vendido

Blackmore, Lord e respectivas noivas, de volta à Inglaterra para os últimos acertos conjugais

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razoavelmente bem. Mesmo o Deep Purple, que havia se mostrado um nome promissor em termos de vendagem, não tinha sido capaz de repetir o sucesso inicial com ‘Hush’, além de se mostrar incapaz de suprir a Tetragramatton com hits que dessem continuidade àquilo. Como resultado, a companhia debatia-se para sobreviver. O projeto de uma tour como banda de abertura para os Rolling Stones falhara em se materializar e o grupo – que esperava o melhor da tournée – tinha dois meses puxados pela frente, cruzando o país da Costa Oeste à Costa Leste , bem como se aventurando pelo Canadá (onde seus discos tinham sido licenciados para a Polydor). A banda podia sentir para onde o vento estava soprando e numa tentativa de aliviar a situação, decidiu pedir ao empresário John Coletta – que estava em excursão com eles – para voltar à Inglaterra a fim de economizar em contas de hotel. Se a Tetragrammaton se atrasara com o álbum, ‘Emmaretta’ tinha sido agendada para se encaixar à tour norte-americana com ‘Bird Has Flown’ no lado B, mas fracassou em galgar as paradas dos Estados Unidos e a tour prosseguiu sem nada para a banda mais promover, a não ser os dois únicos

p m g s fo a e m c m m c n ‘L D á s d a ta p m d d s fo u s m L n c e d q b lo o d B b r q s te b e b m d


primeiros LPs. Ironicamente, a despeito disso, o grupo ao menos conseguira progredir na perormance de palco como algo realmente promissor, e toques do direcionamento pesado que decidiam trilhar já se mostravam evidentes no material mais alto. Isto era contrastado no palco por números mais lentos como Lalena’ (um cover de Donovan retirado do álbum que estava para sair), no qual praticamente dá para ouvir um alfinete ao chão, tendo como resulado um conjunto de faixas pesadas e dinâmicas, mesmo com a maior parte daquelas remanescentes da tour anterior ainda sendo executadas. A perormance hesitante de Outubro de 1968 tinham sido substituídas por shows mais sólidos e coesos. Longe do palco, contudo, nos dois meses de excursão, insatisfações com a equipe e com as dificuldades na estrada do tipo que afetam qualquer banda numa tour mais onga, começou a polarizar os integrantes. Os fundadores, Lord e Ritchie Blackmore, queriam ver a banda numa direção mais rocker, mas não sentiam que o vocalista Rod Evans se enquadrava bem ao maerial mais pesado. Também não estavam encarando muito bem o baixista Nick Simper, e comentando à boca pequena durante as horas na

estrada, decidiram trazer músicos que os substituíssem. Estavam mais que satisfeitos com a presença de Ian Paice no grupo, e ficaram mais ainda ao descobrirem que a visão do baterista combinava com ambos em relação aos novos planos. O empresário da banda, apreensivo quanto à possibilidade da tournée se encerrar na metade, pediu que esperassem até à volta à Inglaterra antes da comunicação a Evans e Simper quanto à decisão. No final, seria um passo que levaria mais tempo do que o pretendido para ser dado. Depois dos prazos da Tetragrammaton cumpridos à risca em relação aos dois primeiros álbuns, o terceiro finalmente estava pronto para ser lançado nos Estados Unidos ao início de Junho de ’69 – poucos dias após o grupo retornar à ilha. Musicalmente, provou-se outro mosaico criativo, igualmente intenso. Algo da fragilidade ouvida em ‘Taliesyn’ havia se desvanecido, substituída por uma pegada mais hard que refletia algo dos shows realizados no mesmo período. Tudo fortalecido pela produção encorpada (mais uma vez cortesia de Derek Lawrence), tendo como resultado um álbum realmente progressivo, no qual a banda começava a forjar seu próprio direcionamento musical.

O LEGADO DE ‘DEEP PURPLE’ À parte da já mencionada faixa de Donovan (bem executada, porém carente de personalidade), o restante era autoral, indo da percussiva Chasing Shadows (finalmente revelando o talento de Ian Paice como baterista) ao dramático phaser em backward (n. do. t. trecho gravado com a fita em sentido reverso) de Fault Line e à conclusão épica da semisuíte April acompanhada por um quarteto de cordas. Também gravaram uma versão mais longa e pesada de Bird Has Flown, assim como para Why Didn’t Rosemary, Blackmore – tendo mostrado seu lado mais calmo em relação ao último álbum – começava a deixar sua marca em estúdio como um soberbo guitarrista de Rock. A Tetragrammaton lançou o LP numa suntuosa capa dupla que trazia uma reprodução do tríptico O Jardim das Delícias Terrenas, de Bosch. Pensava-se no original em cores, como na pintura original, mas um mal-entendido terminou por deixar a impressão em preto-e-branco. Apesar de considerada obra-prima exposta no Vaticano por muitos anos, há relatos da recusa de algumas lojas de discos se recusarem a expor o LP devido à inclusão de cenas “imorais” na pintura. Talvez em razão do selo ter perdido o bonde e lançado o álbum após a tour, ‘Deep Purple’ fracassou em termos de vendagem em relação aos dois anteriores, apenas alcançando o posto 162 na parada da Billboard. Os problemas habituais com a Tetragrammaton não ajudaram, com a campanha publicitária afundando em função disso.

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De volta a Inglaterra...

Lord e Blackmore começaram a procurar substitutos, embora sem revelar o intuito a Simper e Evans. No momento em que tiraram folga, Blackmore entrou em contato com o antigo colega do Outlaws, o baterista Mick Underwood, a ele explicando o problema. Nesse mesmo ínterim, continuaram a excursionar com Simper e Evans, ao passo em que os empresários faziam os últimos acertos em torno de uma grande apresentação da banda acompanhada por orquestra no Royal Albert Hall, cujo agendamento, soubera o Deep Purple, se daria no final do ano. Aquilo era resultado da progressiva fascinação de Lord com a ideia de Rock associado a música orquestrada. A 4 de Junho, ele e Blackmore,

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sob sugestão de Underwood, foram assistir ao Episode Six em ação, especificamente para checar o vocal, Ian Gillan. Nesse ponto da história, a cronologia torna-se bastante confusa. O segundo álbum da banda havia saído no Reino Unido no mesmo mês com o slogan “...e assim o Deep Purple progride.”, quase 10 meses após o lançamento oficial nos Estados Unidos. A EMI também removera o grupo para seu novo selo, “Harvest”, dedicado a Progressivo, o que significava maior ambição gráfica através de uma vistosa capa dupla e mais propaganda (a revista Disc escalara John Peel para redigir uma crítica acerca). (N. do t. famoso DJ e figura influente da Imprensa Musical Britânica à época).

Mesmo com o lançamento do segundo álbum da MK I lançado em terras britânicas, Blackmore, Paice e Lord já estavam de volta ao estúdio no dia 7 de Junho, gravando um novo single sem Evans e Simper. Ian Gillan assumira os vocais e seu colega de Episode Six, o baixista Roger Glover, juntara-se à mesma sessão, tendo impressionado os outros a ponto de ser convidado a assumir o posto de forma permanente. Assim, a MK II nasceu em meio a uma discreta comemoração. Não apenas Evans e Simper permaneciam no limbo, mas Gillan e Glover cuidavam de manter sigilo para o próprio empresário, a fim de não arcarem com sanções legais acerca da nova adesão.

Os empresários alugaram u espaço para ensaios à band que lá instalou o equip mento em 16 de Junho 1969. Oito dias depois, a 24 Junho, a MK I despediacom uma última aprese tação na BBC. Simper ouvi rumores da verdadeira sit ação, e quando eles se tran formaram em notíci publicadas no Internation Times, percebeu o que de fa havia acontecido. Uma r união no escritório da HEC nalmente confirmou se temores, e junto a Eva ouviu que seus serviços n mais seriam necessário Evans não se preocup muito com a situação, rece temente noivo com uma mu her americana e ten decidido deixar a Inglater para se fixar em definitivo n Estados Unidos. Em pouc meses, juntar-se-ia a out grupo daquele país chama Captain Beyond. Simper, p sua vez, não se convencera correção da manobra, proce sando o Purple num caso q acabou julgado fora da cor antes de unir-se a outra band o Warhorse. As próximas semanas deram como período de tra sição. A faixa que havia gravado com Evans e Simp Hallelujah, cujo lado B era um versão de April editada, ser lançada simultaneamente pe Tetragrammaton nos Estad Unidos e na Europa aos úl


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SIMPER & EVANS: FELIZES ESCOLHAS mos dias de Julho. Em Setembro, a EMI finalmente se igualou ao mercado norteamericano, lançando o terceiro álbum (mais uma vez pela Harvest), a fim de se adequar o cronograma à apresentação junto à Orquestra Filarmônica de Londres. Apesar do último lançamento em álbum da MK I ter passado praticamente despercebido tanto nos States quanto no Reino Unido (na verdade, muito tendo a ver com todo o imbróglio referente à mudança de formação, para descontentamento de Gillan e Glover, eles tiveram que autografar as primeiras cópias de ‘Deep Purple’ como brindes no show do Albert Hall.

O Warhorse no auge: dois álbuns excelentes e Nick Simper à esquerda, junto aos companheiros

A super b anda Cap ta com o pé direito n in Beyond: Rod E os Estad vans com os Unido eçando s

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