TST 008

Page 1

TST Rodrigo Hammer’s

The Sound Tribune

Pelos caminhos do

Cinco décadas depois de ‘Mr. Fantasy’, Dave Mason conta tudo

TRAFFIC Número 008 - 17/02/2019 - 23/02/2019


Vivendo a FA

Depois de uma fenomenal estreia com a obra-prima ‘Mr. Fantasy’, de 196 apesar do culto a um som que, para muitos, foi a trilha-sonora de toda um na banda e fora dela

H

á quase 51 anos, Dave Mason estava enfurnado com os colegas de banda Steve Winwood, Jim Capaldi e Chris Wood no Olympic Studios, em Londres. Lá, gravavam o segundo álbum como Traffic, seguindo-se ao disco de estreia de um ano antes, ‘Mr. Fantasy’, no qual haviam cristalizado a versão britânica do Psicodelismo no Verão do Amor. O guitarrista compusera o maior hit do

2

O Traffic em 1968: Jim Capaldi, Chris Wood, Steve Winwood e Dave Mason

disco, Hole In My Shoe, que os outros cogitavam descartar, e logo abandonaria o grupo. Tinha regressado após um tempo de férias numa ilha grega, trazendo consigo a faixa Feelin’ Alright que se tornaria mais um sucesso, dessa vez como parte do autointitulado ‘Traffic’. A faixa autoral de Mason chegou a ganhar versões de Joe Cocker e os americanos do Three Dog Night, mas já na época, o eterno out-

sider do grupo já se mandara de novo. Hoje, Mason mora numa casa na Ilha de Maui, Havaí, onde se deleita ao informar que o sol, na metade da manhã, já brilha no azul celeste. Refugiou-se nos Estados Unidos, seguindo-se à segunda e forçada saída do Traffic, fixando-se inicialmente em Los Angeles e vindo a morar em definitivo naquele país desde então. Isso explica bem as nuances do sotaque, mistura da

bossa tiva idade décad toda O Tr 1967 Spen gênio numa com rante culo A cu verda “tent resol tada n Fanta estab músi de Fo toque por p sagem ele ap Alon cand que e parti do pe Stone de G Na m enco sons, sentá 70. D


ANTASIA

68, o Traffic percorreu uma história de instabilidade nas formações, ma geração. Aqui, o guitarrista Dave Mason narra a sua vida

a californiana com o cantar da fala nada sua Inglaterra. Tem 72 anos de e, mas o riso franco faz com que pareça das mais jovem, elemento colocado em a sua vida musical. raffic surgiu no final da Primavera de 7, quando Winwood desembarcara do ncer Davis Group - já com o status de o adolescente prodígio – inserindo-se a colaboração muito mais proveitosa três músicos locais que encontrara due quilométricas jam sessions no minúsclube Elbow Room, de Birmingham. urto prazo, o Traffic já encorajara um adeiro êxodo de bandas inglesas a tar a sorte no país” quando o quarteto lveu mudar-se para uma chácara afasna rural Berkshire, desenvolvendo ‘Mr. asy’ por diversas jams. Aos poucos se beleceriam como aventureiros na ica e virtuosos, a sonoridade variando olk, Prog e Blues, a floreados de Jazz e es do Oriente Médio. Mason retornaria pouco tempo para uma terceira pasm pelo Traffic em 1971. Entrementes, presentara o amigo Jimi Hendrix a All ng The Watchtower, de Bob Dylan, too na incendiária versão do americano está em ‘Electric Ladyland’, também cipando de mais dois álbuns seminais eríodo: ‘Beggar’s Banquet’, dos Rolling es e ‘All Things Must Pass’, o salto solo George Harrison pós-Beatles. mesma sessão com os Stones, Mason ntrou e fez amizade com Gram Par, posteriormente satisfeito ao apreá-lo à elite do Rock em L.A. dos anos Depois, excursionaria com o Delaney

Bonnie & Friends. Eric Clapton estava entre os “Friends”, depois convidando-o a juntar-se ao Derek And The Dominos. Lobo solitário, Mason só permaneceria com a banda por um show. Depois disso, lançou-se numa carreira solo que resultou em 13 álbuns de estúdio recheados de colaborações preciosas, como Mama Cass, Stevie Wonder, Michael Jackson e cada um dos integrantes do Crosby, Stills & Nash. Nos anos 1990, passou uns dois anos substituindo Lindsay Buckingham no Fleetwood Mac antes de voltar a assumir-se como artista solo. Hoje, excursiona regularmente com a Dave Mason Band, acumulando umas 100 apresentações por ano. “Gravar discos hoje em dia, não passa, para mim, de um exercício de futilidade”, afirma, a voz relaxada competindo com o latido do cachorro ao fundo. “Não sobrou nada do antigo negócio da música e a vendagem de álbuns já era, daí, felizmente não me preocupar mais com esse tipo de coisa.”

MR. FANTASY (1968)

Para uma das mais celebradas estreias da História do Rock, o Traffic preparou um banquete psicodélico onde sobressai a técnica extrema de cada integrante do quarteto, a começar pela arte percussiva de Jim Capaldi. Tendo a companhia iluminada de Steve Winwood e um invejável naipe instrumental, ‘Mr. Fantasy’ contém uma série de números calcados em Folk, Blues e baladas de extremo requinte. Ainda no clima do Verão do Amor de 1967, ano anterior ao disco, faixas como Berkshire Poppies, Coloured Rain e a própria Mr. Fantasy dão ao disco o sabor único de algo que o Traffic perderia com o tempo, gradativamente substituindo o lirismo original, por uma irrefreável tendência a quilométricas jam sessions. Colecionadores ou audiófilos exigentes condenam a edição norte-americana do álbum, cuja matriz traria uma mixagem inferior às cópias inglesas, bem como a capa menos criativa. O que importa se o CD traz esta ou aquela versão? Curta-o de olhos fechados e aproveite cada segundo desta maravilhosa viagem. RH

3


NOBRES ORIGENS

“Cresci em Worcester, nos anos 1950, e

cantava no coral da escola, mas pra mim foi o mesmo que houve com tanta gente na época: Bill Haley e Rock Around The Clock, Buddy Holly e todo o resto. Aí, fui para os Estados Unidos visitar minha irmã quando tinha 11 anos. Ela morava em San Diego, e por lá havia tanta música – tanta coisa acontecendo! Enquanto na Inglaterra só tínhamos um canal de TV em preto-ebranco. Desde o início da minha adolescência, meu sonho tinha sido entrar na RAF (n. do t. a Força Aérea Inglesa), mas as minhas habilidades em Matemática não permitiam muita coisa. A música e todas aquelas bandas estavam começando a acontecer para mim, então, decidi que preferia tocar guitarra. Foi como a mão e a luva. Jim Capaldi morava perto da minha casa em Evesham. Robert Plant a 12 quilômetros, e Mick Ralphs também próximo dali. Jim tocava numa banda chamada The Sapphires. Era o vocal e tipo imitador de Elvis. Nós dois acabamos formando algumas juntos, o Hellions uma delas. Tocávamos em bailes, pubs e clubes de Birmingham - a cidade indus-

4

trial que daria grupos mais tarde célebres, como Black Sabbath e outros nem tanto, caso do Indian Summer, só reconhecido nos círculos underground - esse tipo de loucura. Claro que éramos fãs do Spencer Davis Group e daquele cara de 15 anos, Winwood, mas foi no Elbow Room que formamos um tipo de sociedade de apreciação musical. Chris Wood estudava Artes, e nós quatro basicamente circulávamos, nos chapávamos e ouvíamos som. Steve acabou se cansando de ser apenas o “jovem Ray Charles” junto com o Spencer Davis, e foi assim que o Traffic surgiu. A nossa rotina na época da chácara, era ótima. Só queríamos nos isolar e focar noutras coisas, porque não sabíamos o que diabos íamos fazer com o Traffic. A banda era provavelmente uma daquelas coisas alternativas. Éramos um grupo de jams antes mesmo que o termo fosse cunhado. Eu era o cara que dizia, ‘Vamos começar e ver o que sai daí’. Nunca tinha composto nada antes. Tinha sido criado numa família inglesa da classe média alta e não sabia o que rolava nas ruas.”

TST - Como você descreveria o desenvolvimento enquanto mús DM - A maioria das mi primeiras composições, olho trás e vejo, são um tanto ingên Mas a coisa estranha é que a prim faixa que compus, foi Hole In Shoe, e aquilo se tornou o maio do Traffic. E também ali foram p tadas as sementes da minha saíd banda.

TST – E você percebeu o quant outros caras invejaram aquela fa DM – Nada ficou aparente até pois do segundo álbum. Apenas távamos tudo e qualquer c naquele primeiro disco. Era o te de experimentar. Tudo parecia sível naquela época, e fazíam mesmo em relação ao nosso esti vida. Saí depois do primeiro d não por qualquer desentendim com a banda, mas não conse lidar com o sucesso que fizemo modo como as atitudes muda não era normal para mim.

TST – Voltar ao grupo com Fe Alright não lhe pareceu como confirmação disso? DM – Novamente, com o segu álbum, tudo o que compus foi e hido para entrar nos singles, e aq foi a gota d’água. Mais tarde, S faria uma declaração de que eu mais era que um estranho no ni Sempre encarei as nossas difere como o ponto crucial que nos nava tão bons, mas as coisas nã cariam nisso. Os três caras resta deixaram claro que eu não me caixava mais na banda que eu me começara. O próprio nome fomo e Jim que criamos. Parecia estra que alguém com tanto talento f capaz de tomar dizer uma c daquelas. Compus algumas cois não sou bem o melhor dos i pretes delas. Feelin’ Alright sem


o seu sico? inhas para nuas. meira n My or hit planda da

to os aixa? é des tencoisa empo posmos o ilo de disco, mento eguia os. O aram,

eelin’ uma

undo escolquilo Steve nada inho. enças s torão fiantes e enesmo os eu anho fosse coisa sas, e ntérmpre

tocou por aí, mas porque Joe Cocker ao inferno e fui embora. Também, os Todos nós estávamos morando na cantou. Quando ouvi a versão dele, impostos estavam em 19 shillings a casa dele, e os dias se passavam sem fiquei impressionado. libra (95 por cento). Loucura. Você que produzíssemos nada. Aí de repodia fazer mais dinheiro como free pente eu disse, ‘Sabe de uma coisa? TST – Onde você encontrou Hen- lancer do que trabalhando oficial- Está muito bom, pessoal, mas estou drix pela primeira vez? mente. Fodam-se, então, estou indo voltando aos States’. Quando voltei, para o Oeste, cara. Peguei uma mala, acabou sendo melhor para todo DM – Numa noite em um clube de enchi de roupas e me mandei. Ainda mundo. Eles chamaram Duane AllLondres, o Blazes. Estava sentado havia hippies em Sunset Boulevard man e gravaram ‘Layla’, um grande sozinho, aí fui lá, cheguei e comecei quando cheguei por lá. Não tinha álbum. a conversar com ele. Ele era fã do ideia do que ia acontecer, mas enconTraffic, e claro que eu mais ainda trei o empresário do Delaney & Bon- TST – E você também toca em ‘All dele. Por mais que existam guitarris- nie e através deles assinei com a Blue Things Must Pass’, de George Harritas tão bons por aí hoje em dia, não Thumb Records. Assim gravei meu son. há nenhum como Hendrix. Ele foi primeiro álbum solo, ‘Alone To- DM – Eu tipo conhecia George. simplesmente único, e como cos- gether’, com uma porção de músicos Tinha ido a algumas sessões do Sgt. tumo fazer em relação a outras de Tulsa do D&B. O álbum também Pepper’s e saído tanto com ele coisas, sempre quero me acompanhar tem Leon Russell e Rita Coolidge. Ao quanto com Paul em dias diferentes. dos melhores para aprender com mesmo tempo, Clapton e Steve fun- Nas gravações do George, eu me ineles. Saímos muito juntos. Chegou davam o Blind Faith, e o Delaney & cluo entre vários outros músicos, e se determinada hora em que eu ia tomar Bonnie acabou virando a banda de você me perguntar agora em quais o lugar de Noel Redding no Experi- abertura para a maior parte da faixas eu toco, não vou conseguir ence, porque houve um desentendi- tournée norte-americana deles dizer. Toco violão em duas ou três, mento na banda comigo na guitarra. Foi como Eric mas não sei quais. encontrou a TST – Você é creditado por ter to- maior parte dos cado shehnai, uma espécie de oboé caras que indiano, em Street Fighting Man, dos foram com ele Stones. Como é essa história? para o Derek DM – Naquela época havia muito And The disso. Não havia tantos estúdios, e Dominos. todo mundo se encontrava de repente em algum ponto de Londres, aí TST – Você esvocê topava com as pessoas. Chris teve com a Blackwell (chefe da Island Records) banda em apetinha trazido Jimmy Miller dos Esta- nas um show, dos Unidos para produzir o Traffic, no London’s e Jimmy também acabou gravando os Lyceum TheStones. Eu também já conhecia Brian atre e depois Jones pessoalmente. Aconteceu de eu saiu. Por que? estar na mesma sessão e foi tipo DM – O prob‘quer sentar ali, soprar isso e bater lema é que Jim em alguns tambores?’. ‘Claro. Por Gordon era o que não?’. Era o estilo da época. baterista. O Você não sabe que está fazendo mesmo cara história quando a está fazendo. que viciou Eric em heroína. TST – Aí você foi morar em LA. Eric estava apeDM – Quando ficou óbvio que o nas começando Traffic já era pra mim, mandei tudo com aquilo. Com Mama Cass Elliot em 1971

5


lá, fazendo tipo a mesma na época da chácara. Ch sobre eu entrar no proj Stephen tentamos gravar tou em nada.

TST – E como Stevie W gaita em The Lonely O 1973, ‘It’s Like You Neve DM – Os dois caras que ‘Innervisions’, do S Margouleff e Malcolm C bém estava trabalhando n has gravações às vezes seg aí eu ia para o estúdio ass dia, simplesmente pergun numa faixa do meu. Ele c resolveu tudo em dois tak um verdadeiro gênio.

TST – O que te fez decidir voltar ao Traffic em 1971 e por que a reunião com a banda só durou seis shows? DM – Achava que aquilo podia ser o recomeço de algo e que talvez todo mundo já tivesse se acalmado. Havia dois novos caras na banda – Rich Grech no baixo e Jim Gordon de novo – mas nada havia mudado. Os shows pareciam legais, mas era óbvio que aquilo não iria a nenhum lugar. Ou ao menos era o que me parecia.

TST – De volta a LA, você gravou um disco com Mama Cass. DM – Foi uma participação estranha, vamos considerar assim. Aconteceu, porque quando Gram Parsons me levou para conhecer a cidade, levou-me à casa de Cass. Ocorre que uns dois amigos meus de Londres estavam morando lá, então passei a maior parte do Verão de ’69 na casa dela. As pessoas faziam isso na época. Quando gravei aquele disco em 1971, o The Mamas And The Papas já não rolava, e por eu ter passado tanto tempo com ela, decidi gravar algo. Cass podia ter sido outra Sophie Tucker, tinha um incrível senso de humor. Mas nunca trataram ela como merecia

6

TST – Alguém a quem v ticipar num disco seu já l DM – O Traffic!

no Mamas And The Papas. Ficou rotulada TST – Quais as suas mem como a gorda da voz bonita, e era muito mais Mac? DM – A banda cover do F que isso. que dizer? Eu conhecia M uma experiência interessan TST – Cass, Parsons, Hendrix e Brian Jones já tinham morrido em 1974. Como isso afetou tante turbulenta, porque e você no sentido de enxergar o tipo de coisa em diferentes, então durava que trabalhava e o seu próprio estilo de vida? conseguir alguma coisa DM – Ah, não acho que pensava tão diferente álbum – ‘Time’, de 1995 – do que já pensava antes, para ser honesto. soube que existiu e que a W Perder aqueles talentos tão jovens era obvia- tamente não promoveu; a mente lastimável, mas ia chegar a hora de par- Europa e pelos Estados U tirmos mesmo. É a razão de todos estarmos Não foi um dos tempos m aqui, e você encara a vida assim, e toca o barco. em dia, Mick é meu vizinh estamos juntos. Gosto mu TST – Vamos falar sobre outros que tocaram em seus álbuns. Cada um do Crosby, Stills & TST – Olhando para o seu periências incríveis, dá pa Nash aparece nos seus discos dos anos ’70. DM – Já conhecia Graham Nash. Eu e ele tín- mento de destaque em pa hamos tentado compor alguma coisa na DM – Puxa, é difícil, porq Inglaterra, quando ele ainda estava no The Hol- Acho que se tivesse que es lies. Quando me mudei para LA, Graham es- seria quando sentei-me di tava se juntando Stephen e David. Estive com carando-o com meu vio eles durante todo esse período. Os três tinham perto, enquanto graváva alugado a casa de Peter Tork, dos Monkees, no Watchtower. Aquilo se so topo de Mullholland Drive. Viviam juntos por


a coisa que o Traffic hegaram a comentar jeto no início. Eu e r algo, mas não resul-

Wonder veio a tocar One do seu álbum de er Left’? estavam produzindo tevie, eram Bob Cecil, e Malcolm tamno meu disco. As minguiam-se às do Stevie, sisti-lo trabalhar. Um ntei se ele topava tocar concordou na hora. E kes. O caro é incrível,

Da esquerda da outra página, para a direita, no sentido horário: decorrer da carreira-solo nos anos 1970; atualmente, durante apresentação em Londres; com Steve Winwood após retornar ao Traffic e Jimi Hendrix em estúdio. Mais abaixo, como sempre, curtindo a independência.

você pediu para parlhe disse não?

mórias do Fleetwood

Fleetwood Mac, você Mick Fleetwood e foi nte, mas também baseram três empresários uma eternidade para a. Gravamos aquele – que ninguém nunca Warner Brothers ceralgumas tournées pela Unidos, e fim de papo. mais produtivos. Hoje ho em Maui e sempre uito dele.

u trabalho e tantas exara escolher um moarticular? que houve muita coisa. scolher um momento, iante de Hendrix, enolão, Mitch Mitchell amos All Along The bressairia.

7


TST The Sound Tribune

P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.