TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
JETHRO TULL: A AVENTURA DE ‘STAND UP’
Número 010 - 04/03/2019 - 10/03/2019
Comprovadamente o primeiro álbum de Rock Progressivo a alcançar o n. 1 nas paradas, ‘Stand Up’ faz aniversário de 50 anos. De um suposto encontro com Elvis a compor hits em compasso 5/4, Ian Anderson conta acerca do processo de gravação de um dos mais representativos trabalhos do Jethro Tull.
Texto – Dave Everley Tradução e Adaptação – Rodrigo Hammer
uando Elvis Presley chamava, você atendia. Era Agosto de 1969, e o Rei do Rock ‘n’ Roll se encontrava no meio de uma lucrativa sucessão de quatro shows no International Hotel, em Las Vegas, onde recebia hordas de visitas antes e depois das apresentações. Ninguém dizia “não” a uma audiência com Elvis. Ninguém, exceto Ian Anderson. “Estávamos tocando em Vegas, por volta da época de ‘Stand Up’, e fomos arrastados pelo pescoço para algum cassino onde ele estava”, conta Anderson, acerca de 50 anos atrás. “Nunca tinha sido muito fã dele, mas suponho
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que as duas primeiras faixas que ele lançou, fizeram parte da minha fascinação na infância por música.” Anderson não ficou nada impressionado com o que viu. “Fiquei horrorizado com o comercialismo e a banalidade daquilo. E ele estava claramente deslocado de tudo. Cuspia as palavras, parecia não saber onde estava, e era capaz até de mandar a banda parar no meio da música. Não era a forma adequada de assistir a Elvis.” Mas o Rei ouvira que uma certa banda de Limey, com um sujeito maluco de flauta, estava na plateia, e quis se encontrar com ele. Ou ao menos foi o recado que Anderson ouviu da equipe
de Elvis. “Eles falaram que ele queria me encontrar no camarim. Respondi que seria uma grande honra estar por lá naquela noite, mas respondi que teríamos um show no dia seguinte, que estávamos cansados e que precisávamos dormir cedo. Aí responderam que não: Elvis nos queria ver nos bastidores, no camarim. Pensei: “Então, isso não é um convite, é a porra de uma ordem.” Anderson pode ser qualquer coisa, menos submisso. Era tão seguro de si, que nem a Máfia de Memphis poderia convencê-lo a encontrar o Rei em sua corte.
“SEMPRE AFIRMEI QUE A FORÇA MOTRIZ POR TRÁS DO PROGRESSIVO, É O TÉDIO. É O QUE EMOCIONA AS PESSOAS QUE SE CHATEIAM COM APENAS TRÊS ACORDES.”
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“Acho que alguns membros da banda ficaram putos, mas na verdade eu estava constrangido pela situação dele e não queria tornar as coisas ainda piores. E claro que ele não tinha a mínima ideia de quem nós éramos, não importa o que dissessem.” Foi uma típica reação andersoniana. Ele foi alguém que construiu a carreira na base de expectativas confusas, indo mais pela esquerda que pela direita, andando num ritmo que só era dele. Um estilo que lhe foi bastante útil por mais de cinco décadas com o Jethro Tull. E nada mais necessário para reafirmar essa postura, que o segundo álbum da banda, ‘Stand Up’, um disco transformador e ponto-chave na jornada de meio século do grupo, como aquele que marcou o início da banda conforme a conhecemos hoje. Estamos agora há muitos quilômetros de Las Vegas. É uma manhã de Inverno enregelante enquanto Anderson e a reportagem se acomodam numa sala ampla na mansão de Wiltshire que ele e a mulher, Shona, chamam há décadas de lar. 2019, contudo, não marca exatamente o aniversário de 50 anos do Tull. A banda foi formada em 1967 e o álbum de estreia de Blues Rock, ‘This Was’, lançado em 1968. Anderson decidiu homenagear o álbum com uma tour de aniversário que começou em 2018 e transcorre até o momento. “Cheguei a pensar em me esconder debaixo da cama e não sair de lá por 12 meses”, resmunga. Mas fato é, que 2019 é também um ano marcante, já que assinala meio centenário de um de seus álbuns mais fundamentais. Lançado em Julho de 1969, ‘Stand Up’ foi um verdadeiro divisor de águas para a banda, aquele que a posicionou na vanguarda do então florescente movimento de Rock Progressivo, tornando-a como estrela ascendente a seu próprio modo. No fim de 1968, o Jethro Tull aparentemente não precisava mudar em nada. ‘This Was’ os havia colocado no meio das grandes promessas do Blues Inglês junto ao Savoy Brown, Chicken Shack e
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Fleetwood Mac. Além disso, tudo aquilo indicava que a estreia ‘This Was’ já sinalizava para uma mudança do som inicial, antes mesmo que o disco chegasse finalmente às lojas. E o vocalista também já se sentia ten-
Abaixo: o Jethro Tull com o empresário Terry Ellis no show de Elvis Presley em 1969
tado a alargar os horizontes da banda. “Na época eu tinha ido ver no Marquee Club o King Crimson e os primeiros shows do Yes”, conta Anderson. “Isso me deu confiança de que também poderia ser mais ousado, ao menos se tivesse a capacidade musical para tanto. Claro, eu não tinha tanta capacidade. Precisava passar um pouco mais de tempo estudando para tocar um pouco melhor e compor faixas que também fossem mais elaboradas.” Anderson já estivera compondo para o álbum seguinte nesse sentido, antes mesmo que ‘This Was’ fosse lançado. Chegou a apresentar algumas daquelas ideias para o guitarrista Mick Abrahams, que se mostrou desinteressado. “Não é que estivesse desinteressado ou de que fosse incapaz de tocar aquilo. Apenas era algo que estava fora da sua zona de conforto. Mick era um cara apaixonado por Blues e R&B. Ele queria mais seguir uma
“Tenho sorte de ter feito algo tão icônico...”
O designer James Grashow descreve a capa do álbum James Grashow era um jovem estudante de Artes em Nova York, se especializando em entalhamento, quando recebeu uma ligação do empresário do Jethro Tull, Terry Ellis, perguntando se estaria interessado em desenhar a capa do segundo álbum, ‘Stand Up’. “Honestamente, nunca tinha ouvido falar deles. Um amigo meu da escola conhecia Terry e disse a eles que eu era brilhante. Já tinha feito coisas para revistas e propaganda, mas nunca uma capa de disco.” Ellis e Ian Anderson realmente gostaram da ideia e mandaram uma limusine buscar Grashow, levando-o do apartamento, até New Haven, Connecticut, onde a banda estava tocando. “Estava tão animado, nunca tinha entrado antes numa limusine.” Disseram a ele que queriam que o desenho da banda saltasse da capa quando ela fosse aberta. “Até hoje, acho que Terry Ellis e Ian Anderson discutiam a ideia de ter aquele popup no centro da capa, mas pensei em fazê-los sentados na capa frontal, de pé no centro e saindo pela contracapa.” Grashow afirma que o processo consumiu, ao todo, uns dois ou três meses de trabalho. Anderson chegou a aparecer em seu apartamento certo dia. “E ali estava aquele cara inglês, em calça vermelha de couro, cabelo crespo, parecendo totalmente deslocado.”Há um elemento na capa, que chama atenção. No desenho Anderson tem 11 dedos ao invés de 10. “Eu entalhei aquilo e não percebi,” revelou Grashow.
linha tradicional nessa área. Queria que fizéssemos algo do tipo ‘This Was Pt. 2’. Ainda assim, o líder conseguiu convencer o amigo a gravar uma faixa extra, Love Story, para um single. A canção trocava o antigo R&B por Folk Rock galopante. No lado B, A Christmas Song ainda se mostrava mais arrojada: uma balada incendiária com mandolin e clima festivo, que acabou sendo marco para que Abra-
Acima: o Jethro Tull com o troféu de Melhor Grupo no Melody Maker Pop Poll em 1969
hams se sentisse tão desestimulado, que nem chegasse a gravá-la. “Fui eu que precisei botar as cartas na mesa para Mick. Ele ficou um tanto irritado e chegou a fazer algumas ameaças veladas. A ponto de que pus ao lado a flauta e o violão e disse ‘Certo, vamos decidir isso agora, de homem para homem’, tendo noção de que ele era mais um grande blefador e que na certa recuaria. O que estava certo, apesar de que ter o dobro do meu tamanho.” Punhos abaixados, Abrahams retirou-se da sala e da banda. O Jethro Tull pode ter perdido seu melhor músico, mas ganhou um futuro promissor. Love Story começou a galgar o Top 30, fazendo justiça à nova visão de Anderson, mas surgira o problema de precisar encontrar um novo guitarrista.
‘STAND UP’ É O PRIMEIRO ÁLBUM PELO QUAL ME SENTI CRIATIVAMENTE RESPONSÁVEL. TIPO UM SONHO ERÓTICO QUE ENVOLVIA ALGUÉM MAIS AO MESMO TEMPO.
Um deles era Davy O’List, até então recentemente integrante do grupo proto-prog The Nice. Anderson era fã da banda e então convidou-o a sua casa no Norte de Londres, para testar algumas ideias. “Começamos a conversar, mas eu devia parecer um cara tão estranho para ele, quanto ele parecia para mim. Na verdade, aquilo não chegava nem a ser um contato. Ele parecia um tanto voador e esquisito, nada capaz de desenvolver um diálogo razoável. Não acho que ficou à vontade comigo, e vice-versa.” Bem mais convincente pareceu outro jovem guitarrista de Birmingham chamado Tony Iommi, que integrava uma banda de Blues pesado chamada Earth. Anderson gostou dele, que parecia mais mente aberta que Mick Abrahams. “Ele era muito mais propenso a ideias novas. Não percebi que havia perdido as falanges de vários dos dedos num acidente de trabalho, e apresentou certa dificuldade em tocar algumas das coisas que passei para ele. Precisava simplificar aquilo de forma a que não prejudicasse a música, mas os outros caras não concordavam.”
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Iommi chegou a integrar o Tull por pouco tempo, o bastante para aparecer no filme Rock And Roll Circus, do Rolling Stones, onde a banda toca o single de 1968, A Song For Jeffrey, além de um novo número, Fat Man. Mas por volta do meio de Dezembro, o guitarrista retornava a Birmingham e à sua antiga banda, o Earth, que logo trocaria de nome para Black Sabbath. “Ele tomou a decisão certa, sem dúvida que sim”, admite Anderson. Um dos guitarristas que chegaram para ser testado, foi Martin Barre, cuja banda Gethsemane já tocara com o Tull num show em Portsmouth. A audição de Barre foi, contudo, um desastre: o amplificador não funcionou e o músico estava extremamente nervoso. Ainda assim, Anderson percebeu uma centelha de potencial ali, em meio ao fracasso técnico e pessoal do futuro amigo. “Convidei para que voltasse para outra sessão mais reservada, com menos pressão que aquela”, recorda-se. A dupla se reencontrou no apartamento do vocal. Barre novamente começou a tocar, dessa vez sem amplificador. Logo depois, ambos foram comer numa birosca próxima a Highgate Road. “Lembro de ter pensado em como ele era um cara legal, e interessado no mesmo tipo de coisa que eu, além de não ter uma formação tão sólida na época, como a minha, daí poderíamos aprender tudo juntos”, reconhece. O que também ajudou, é que Barre estava a léguas de distância do temperamento de Mick Abrahams. “Mick tinha uma personalidade forte, mas era inseguro. Provocava as pessoas, testando todo mundo. Era um cara traiçoeiro. Martin, não. Só queria ficar sozinho a maior parte do tempo. Sua concepção de Rock ‘n’ Roll era sair mais cedo com um sanduíche e um livro de Agatha Christie, o que estava a milhas de distância da minha.” Na virada de 1969 para 1970, Barre já tinha se tornado guitarrista fixo da banda. E a repaginação do Tull ainda desconhecida.
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Entretanto, se o músico só queria um in- O Tull em 1969: da para a diregresso sutil no mundo do Tull, acabou se esquerda ita, Martin Barre, Ian surpreendendo. Os primeiros meses do Anderson, Clive novo ano se tornaram um redemoinho. Bunker e Glenn Em Janeiro, o grupo ingressou numa Cornick tournée inglesa de três semanas, dali embarcando para os Estados Unidos, onde passariam boa parte dos três meses seguintes dividindo o palco com todo mundo: do faiscante MC5, de Detroit, ao Led Zeppelin. “Sabíamos que rolava muita loucura ali, pelo menos em parte da banda. Claro que havia diferença entre o comportamento do sempre quieto John Paul Jones e Jimmy Page, aquele cara mais agitado e sorridente, que sempre estava querendo dividir a mesma foto com você. Fotos normalmente envolvendo carne nova...” Foi nos States que o Tull compôs e gravou a faixa fundamental na transição de Blues para Prog. Anderson recordase que estava num hotel do Meio Oeste, O Tull no Top of The Pops em ‘69
quando de repente o empresário da banda, Terry Ellis o abordou, impondo que precisava criar um single de sucesso. Aí perguntei se a ideia era aquela mesmo, de ir correndo para o meu quarto e de repente sair com um compacto pronto para acontecer. Ele confirmou. Desafio aceito, Anderson se isolou. Louco como era, optou por compor em 5/4, claramente o tipo de compasso não adotado em hits imediatos. Apesar de tanta ousadia, Living In The Past deu ao Tull o primeiro sucesso, que atingiu o Top 3 em Junho de 1969. Na época, o grupo já começara a gravar Stand Up no Morgan Studios, Norte de Londres. Também tinham testado ao vivo um punhado de faixas novas na tour norteamericana, entre as quais Back To The Family, For A Thousand Mothers e a fortíssima A New Day Yesterday. Soavam, então, pouquíssimo semelhantes a ‘This Was’. “Sempre afirmei que a força-motriz por trás do Prog, é o tédio. É o que estimula as pessoas, cansadas daquela história dos três acordes e das coisas repetitivas. Elas querem algo mais. Seus limites podem tornar-se um tanto baixos e você terminar se sentindo tipo ‘já fiz isso antes’. É preciso, então se arriscar mais.” E foi o que a banda fez em ‘Stand Up’. Toda a influência Folk que sempre estivera em segundo plano, finalmente foi trazida ao primeiro em Back To The Family; a transgressora Look Into The Sun brilhava com tintas psicodélicas, enquanto Reasons For Waiting possuía aquilo que Anderson hoje descreve como “algo evocativo, de modo muito discreto, a Música Sacra. Foi com ela que cresci em Edimburgo.”
“Nossas cabeças estavam
na guilhotina.” MARTIN BARRE lembra do dia em que se juntou ao Jethro Tull e da gravação de ‘Stand Up’
Como você acabou entrando na banda entre ‘This Was’ e ‘Stand Up’? A conexão foi através da flauta, já que eu e Ian éramos muito provavelmente as duas únicas pessoas na Inglaterra que tocávamos o instrumento no estilo do Rock. Já tinha ouvido falar nele, porque conhecia gente da música que tinha ido assistir ao Tull no Marquee, bem como em outros lugares, e tinham me falado com o maior entusiasmo sobre alguém que era capaz de fazer a mesma coisa que eu, só que melhor! Aí minha banda, o Gethsemane, foi abrir para o Tull num clube em Plymouth. Vimos que tínhamos muito em comum, ouvimos a banda, eles nos ouviram. E a coisa se encaixou quando eu soube que Mick Abrahams havia saído e que eles estavam procurando um novo guitarrista.
Foi você que se aproximou da banda ou o contrário? As duas coisas. Buscavam opções, mas tinham esquecido meu nome e o nome da minha banda, então não tinham como entrar em contato comigo. Ouvi então sobre um anúncio no Melody Maker, mas fiquei sem coragem de ligar, aí desisti. Foi quando no último show do Gethsemane que toquei antes de acabarmos, aquele cara se aproximou do palco e disse: ‘Você é o Martin, não é? Eu sou Terry Ellis. Dá pra me ligar amanhã de manhã?’ Aí me entregou um cartão e fiquei tipo ‘Caramba’. Foi super emocionante. Se ele não tivesse me abordado naquele último show, provavelmente não teria mais me encontrado.
Deu para perceber que você estava se juntando a uma banda em ascensão? Claro. Era tudo o que eu sonhava. Tinha passado os últimos três anos com a minha banda tentando fazer sucesso, e aí desistimos. Para mim, foi como se uma porta tivesse se aberto para um novo mundo. Finalmente, havia um modo de seguir com a música. E eu não era bem um músico estudioso. Ainda estávamos aprendendo a tocar nossos instrumentos.
Mas ali havia o entusiasmo de finalmente ter a oportunidade de tocar algo bom, de se apresentar com uma grande banda. Pelo que via, era algo que mudaria a minha vida em poucas semanas, alguns meses ou talvez em um ano. Algo muito emocionante.
“Achavam que éramos velhos, por causa da capa de ‘This Was’ e pensavam que a fotografia era de verdade. ‘Puxa, pensávamos que tinham uns 60 anos...”
Você chegou a se surpreender com isso? Nunca pensei que daria tão certo. Os primeiros shows que fizemos foram mesmo muito ruins. A plateia esperava algo de Blues Tradicional, como já tinha ouvido no primeiro disco. E quando sacaram algumas das faixas compostas para ‘Stand Up’, não gostaram nada daquilo. Foi uma resposta muito negativa. Pensamos se a coisa iria funcionar mesmo. Ian estava muito nervoso quanto ao passo radical que estava dando em termos de composição, e meu pescoço estava na guilhotina, já que se não gostassem, eu estaria fora.
Quando foi o momento da virada? Um show na Universidade de Manchester. Todos os anteriores haviam sido na base da receptividade morna, e naquele ponto já estávamos ficando nervosos. Mas naquela noite, eles adoraram. Lembro de ter saído do palco sorrindo, Ian também. Aí vimos que funcionara. E no próximo, já estávamos abrindo para Hendrix na Europa.
Do que você lembra das gravações de ‘Stand Up’? As faixas eram novidade, o direcionamento
e não tinha mais ninguém tocando aquele estilo de som. Todos tínhamos elementos de ingenuidade, aprendendo juntos a tocar aquele tipo de música e tentando nos aprimorar. Uma verdadeira descoberta para nós.
Deve ter sido interessante quando abriram para o Led Zeppelin nos Estados Unidos. Ah, foi sim. Mas só como observadores. Como se um repórter com um bloquinho ficasse por perto admirado, tipo ‘Não, não é possível...’. Era hilariante. Víamos toda a curtição, mas não entramos no negócio.
Além do lado financeiro, o que mudou? O álbum me deu liberdade. O que significa ouvir música e tocar quando eu quisesse. Mas ainda não parávamos de excursionar, o trem a todo vapor. Mesmo com uma casa que eu tinha em Londres como base, nunca parava por lá. Não dava tempo para respirar e pensar sobre as coisas que estavam rolando. Havia pressão constante para melhorarmos porque estávamos tocando com todo garoto prodígio e toda banda fantástica no mundo – Jeff Beck, Jimmy Page, Hendrix, Paul Butterfield, o Chicago. Aquilo me pressionava, porque eu queria melhorar, precisava sobreviver.
E como você vê isso hoje? Vou entrar numa tour de aniversário de 50 anos de carreira com Clive Bunker junto. E vamos ter outro músico importante da banda, que é segredo. Para mim, ‘Stand Up’ está no centro de tudo. Aquelas faixas são poderosas, é o século XXI e aqui estamos nós, tocando For A Thousand Mothers. Isso ainda funciona.
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Ainda mais interessantes, foram Bourée e Fat Man. A primeira, uma atualização ousada do original de Bach – Bourrée in E Minor – enquanto a última incorporava percussão de tablas e floreios de World Music do tipo popularizado pelos Beatles dois anos antes em Within You Without You. Fat Man, por si, tinha sido encarada como uma citação a Mick Abrahams. Anderson nega, antes de mudar de assunto. “Bom, de fato virou uma piada em função da própria noção de Mick acerca do peso. Ele acumulava gordura, porque bebia muita cerveja e adorava uma bela torta. Tive a ideia enquanto dividi com ele uma cabine num ferrry boat quando voltávamos de uma viagem à Dinamarca. Eu tinha comprado um mandolim numa loja de penhores. Não sabia como afinar aquilo e Mick começou a ficar aborrecido comigo esticando as cordas. Inspirado pelo episódio, dei o nome de I Don’t Want To Be a Fat Man (n. do. t. Não Quero Ser Um Gordo) que acabou deixando ele mais irritado ainda, porque achou que eu estava simplesmente implicar. O que era e não era verdade.” Anderson é um tanto reticente acerca de outras inspirações que usou. Ele rejeita totalmente a teoria de que We Used To Know – destaque para Martin Barre com um toque de nostalgia amarga pelos “tristes dias de outrora” – ter sido baseada em fatos da sua vida. Na verdade, ele detona a hipótese de que suas composições eram autobiográficas. “Bom, dificilmente alguma faixa de minha autoria é realmente sobre determinada pessoa ou relacionamento. Alguém como Roy Harper podia compor músicas bem pessoais que naturalmente tinham surgido da experiência pessoal dele em termos emocionais ou mesmo sexuais. Mas nunca desejei que qualquer um pensasse dessa forma, porque de certo modo, pareceria traição.” Ainda assim, ele admite que For A Thousand Mothers teria sido em parte influenciada pelo próprio relacionamento com os pais. “Baseei aquilo nas minhas experiências de infância, mas não apenas as minhas, já que todo mundo sabe o que significa ter pessoas dizendo o que se deve ou não se deve fazer. Meus pais devem ter ouvido aquilo e pensado: ‘Será que ele nos odeia tanto que compôs baseado em nós?’. A banda terminou de gravar ‘Stand Up’ no dia 01 de Maio de 1969. Dois dias depois, já estava de volta à estrada no Reino Unido, antes de embarcar novamente em mais uma travessia do Atlântico para uma tour pelos Estados Unidos.
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John Peel pode não ter aprovado o novo direcionamento da banda, mas os fãs, sim.
Antes de partir, o Jethro Tull tocou no clube Van Dike, de Plymouth. Era o típico território deles, e foi quando também se juntaram ao mitológico DJ da Radio 1, John Peel, grande apoiador da banda durante os primeiros dias. “Depois da apresentação, eu perguntei para ele o que achava das nossas músicas. E ele respondeu que não gostava delas. E que eu nunca deveria ter tirado Mick Abrahams do grupo, que deveria ter continuado a fazer o que fazia.” Anderson ficou arrasado: “Pensei que iria gostar, porque usei mandolins, balalaicas e todo tipo de coisa maluca nas faixas. Mas ele não curtiu. Foi como uma punhalada no coração. E ele nunca mais falou comigo.” No final das contas, a opinião de Peel não importava. ‘Stand Up’ foi lançado em Julho de 1969. Acondicionado numa suntuosa capa dupla, trazia uma intrincada caricatura da banda, produzida pelo entalhador norte-americano James Grashow e um recorte 3D em pop-up que de fato fazia jus ao título do álbum.
A banda também já estava nos States, quando soube que o disco atingira o número 1 das parada de sucessos. Anderson não consegue se lembrar bem onde estavam, mas tem certeza de que Joe Cocker se encontrava presente na ocasião. “Lembro de estar no café da manhã, quando ele me disse a novidade, que ‘Stand Up’ tinha atingido aquela colocação. Aí comentei: ‘Oh, wow. Que legal. Não acho que você vai conseguir terminar com todo esse banco, vai, Joe? Se não for comer, posso pegar um pedaço?” Essa também é uma típica reação de Anderson. Não haveria festa de comemoração, sequer o espocar de uma garrafa de Champagne ou algo mais potente. Mesmo como um cara cabeludo de 20 e poucos anos, parecia um sujeito totalmente fora de sintonia com seus contemporâneos: apenas um sujeito enfiado numa jaqueta do exército, mais observador à distância, que participante ativo da cena.
FUI VER O KING CRIMSON NO MARQUEE CLUB, E OS PRIMEIROS SHOWS DO YES. ISSO ME DEU CONFIANÇA PARA SER MAIS AVENTUREIRO.
Quando a Contracultura chegou batendo à sua porta, ele se escondeu atrás das cortinas e fingiu que não era com ele. “Tive pouca participação naquilo. Lembro de ir aos clubes e todos estarem chapados, brindando com as canecas cheias, os copos de conhaque e tudo mais. Não bebia e não me drogava. Sentia-me sinceramente por fora de tudo aquilo.” E não parece se arrepender disso. Ao invés, cita Jimi Hendrix como exemplo para os aspectos mais perigosos do estilo de vida ligado ao Rock ‘n’ Roll. A dupla se cruzou quando o Jethro Tull abriu para o guitarrista em Estocolmo, no começo de 1969. “Só falei com ele uma vez, quando estávamos fumando num corredor antes de uma coletiva de imprensa que ele não queria fazer. Ele estava dando um tempo tranquilo, sozinho. Parecia claramente alguém que estava se sentindo desconfortável com o que estava se tornando.” Seis meses mais tarde, o Tull se reencontraria com Hendrix em um grande festival nos Estados Unidos. “Estava cercado por uma falange de groupies, traficantes, guarda-costas e o que mais aparecesse. Gente nociva. E sabemos como tudo terminou.” O que Anderson na verdade tinha em comum com ele, era o mesmo senso de showman. Sob esse ponto de vista, a primeira imagem gravada ao atacar a flauta numa perna só, se daria no Rock And Roll Circus, gravado no fim de 1968. Mas à medida em que os palcos ficavam maiores e a autoconfiança crescia, começou a assumir o papel do cara alucinado, girando feito louco com a flauta na mão. “O que acontece, é que você acaba se desligando no palco, aí depois vê as as fotos e as pessoas falando sobre você. Aí pensa em se transformar no personagem. O que eu faço tanto para ficarem falando que devo tomar anfetaminas ou que sou maluco? E aí,de repente, já está de calça apertada, colete, tocando flauta.” Chocante para alguns ou não, funcionou. O perfil do Jethro Tull começou a crescer na Inglaterra e nos Estados Unidos, a reboque do papel de banda de abertura para o Led Zeppelin durante o Verão de 1969, que desfrutava do sucesso do primeiro álbum que trazia futuros clássicos responsáveis pelo fortalecimento do Hard. Anderson até que poderia ser perdoado por relaxar na base do “missão cumprida”, mas sempre sobrevinha alguma expectativa negativa pela frente.
Look into the sun
Ian Anderson sobre o que o futuro reserva...
Foi um Ian Anderson relutante que decidiu embarcar na tour de 50 anos do Jethro Tull. “Fico constrangido com esse tipo de coisa”, afirma. “Queria me esconder debaixo da cama e não sair de lá por 12 meses.” A tournée também significa que ele precisava pôr seu primeiro álbum solo desde ‘Homo Erraticus’, de 2014, na geladeira. “Acho que é preferível dar um tempo até ver o momento de apertar novamente o botão de partida.” Antes de pisar na estrada, Anderson e sua banda de apoio compuseram e gravaram sete músicas, pondo os canais de vocais e flauta em duas delas. “Tentamos fazer tudo do modo mais ao vivo possível”. O vocal afirma que o disco deverá contar com 12 faixas. “O intuito é que sete delas sejam puro Rock, e as outras cinco, mais acústicas, apenas voz e violão. Gosto da variedade e dos extremos dinâmicos ao fazer algo acústico, espartano, paralelamente ao restante do material com os outros membros da banda.” Mostrou-se contudo, relutante sobre detalhes específicos. “Ah, não, até o estágio onde estou trabalhando na concepção gráfica da capa, ou talvez até a hora do lançamento, é melhor ficar de boca fechada. No momento em que começa a citar os títulos das faixas, título do álbum ou os temas das letras, você acaba de mãos atadas. Cheguei a pensar em sair com três EPs lançados em intervalos pontuais. Será que isto seria mais interessante para os fãs que para mim?” DEV
Abaixo, um anúncio bastante modesto para ‘Stand Up’ em 1969
“Se eu achava que já era famoso o bastante? Achava. Podia até ser na Melody Maker, mas certamente não era na Itália, na Espanha, no restante da América do Norte ou em qualquer outro lugar do mundo. E pode ser que aquela seja a última vez em que irá conseguir isso. Toda hora somos lembrados dos velhos onehit wonders que acontecem e somem do mapa. Em retrospectiva, é considerado como o ponto onde Ian Anderson assumiu de vez o controle da banda que ajudara a fundar há, então, dois anos antes. Ainda um argumento que não aceita de todo. “Não era uma questão de de assumir o controle. Acho que a coisa começou mesmo democrática. Mas não estamos tratando de um problema simples de relacionamento. Não houve discussão mais ou menos exasperada. Suponho que como tudo progredia, havia mais da minha parte em termos de impulsionar o grupo. Mas não propriamente ‘controle’, como chegou a ver, aí sim, enentre 1974 e 1975.” Ditatorial ou não, a postura funcionou. O Tull chegou ao fim de 1969, de vento em pôpa, vento que os levaria a gra-
var o próximo disco, ‘Benefit’ e os impulsionaria, quem sabe, até ‘Aqualung’, álbum que os elevariam à categoria de superstars. Mas tudo isso estaria no futuro. Após o início de indefinição com ‘This Was’, ‘Stand Up’ providenciou um marco significativo na longa carreira do grupo. Hoje, Anderson olha para tudo com satisfação. “A verdade é que hoje, ainda vejo aquilo tudo como se fosse atrás de lentes cor-de-rosa, mas quando me perguntam qual meu álbum favorito do Jethro Tull, ‘Stand Up’ sempre se coloca entre os dois ou três que menciono. O motivo, é que ele foi o primeiro pelo qual senti-me criativamente responsável. Foi tipo um sonho erótico vivido com outra pessoa ao mesmo tempo. Seria um erro dizer que não prosseguiríamos se ele não tivesse existido, mas as coisas teriam sido bem diferentes.” ‘The Ballad of Jethro Tull’, livro a ser lançadopela Rocket 88 Books no segundo semestre de 2019, traz fotos inéditas e itens da coleção particular de Ian Anderson acerca desse período da História do Tull.
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