TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
Virtuosismo a toda prova:
a saga monumental do
GREENSLADE
Número 012 - 17/03/2019 - 24/03/2019
Caminhos já percorridos O auge do Greenslade pode ter durado pouco, mas com o catálogo da banda entrando agora em reedição, está sendo descoberta a história por trás de seu som cerebral, da escolha controversa em dispensar as guitarras aos parceiros excêntricos de tournée e o que o futuro ainda pode reservar... Texto – Mike Barnes Tradução e Adaptação: Rodrigo Hammer
2
“Depois de todo esse tempo, vamos ser um sucesso relâmpago.” Dave Greenslade
“
Depois de todo esse tempo, vamos ser um sucesso-relâmpago” - “Vou te dizer o que é realmente incrível – que já faz 47 anos desde o primeiro álbum do Greenslade, e só agora eles estão sendo relançados mundo afora”, diz Dave Greenslade. Depois de todo esse tempo, vamos ser um sucesso-relâmpago.” O Greenslade esteve em ação por um período relativamente curto, do Outono de 1972 até o último show no Barbarella, Birmingham, em Dezembro de 1975. O grupo chegou a gravar por um selo grande, a Warner Brothers, e ‘Spyglass Guest’ (1974) chegou ao número 34 nas paradas de sucesso inglesas. Aquele disco foi recentemente remasterizado e relançado pela Cherry Red/Esoteric junto à estreia da banda de 1973, ‘Greenslade’ e ‘Bedside Manners Are Extra’, que saiu naquele mesmo ano, enquanto ‘Time And Tide’, de 1975, no último dia 22 de Fevereiro. Se a banda
banda não chegou a ter o destaque merecido, as novas edições duplas – que incluem o Sounds of The Seventies, sessões da BBC In Concert, um DVD com vídeos promocionais e o conhecido filme do Old Grey Whistle Test – ajudam a reequilibrar as coisas. “Não vinha ouvindo a nossa música por muito tempo, então encarei tudo renovado, com muito orgulho desse material”, afirma Dave Greenslade. “Tive sorte
O Greenslade no auge: da esq. para a dir: Dave Greenslade, Tony Reeves, Andy McCulloch e Dave Lawson
de formar a banda com aqueles caras. Fizemos uma grande combinação. E era uma banda bem estranha na época – sem guitarra e dois tecladistas.” Greenslade tinha tocado teclados no Colosseum, e quando a banda se desfez em 1971, foi deixado com um determinado número de composições inéditas. Então, procurou formar um novo grupo. Primeiramente recrutou o baixista ToTony Reees, também do Colossesseum, que entrou em contato com o tecladista e vocal Dave Lawson, ex-integrante do Samurai e Web. Por sua vez, ele falou com o bateterista Andy McCulloch, que tocara com o Fields e o King Crimson. Podem-se ouvir semelhanças dessas bandas com a música do Greenslade, parti-
3
Greenslade, particularmente no álbum de estreia e na monumental Valentyne Suite, do Colosseum, composta em grande parte pelo tecladista, mas com um feeling diferente. Mas será que Dave Greenslade tinha intenção de replicar o tipo de som que fazia no novo grupo? “Não foi uma coisa proposital, só o desenrolar das coisas. Nunca disse, ‘vamos lá, caras, formar uma banda de Progressivo!’. Isso nunca passou pela minha cabeça. Então, de repente, nós quatro nos reunimos e começamos a ensaiar e compor – eu, muita coisa. Nos divertimos bastante, e assinamos com um empresário.” O fato de que o Greenslade não contava com guitarrista, e sim dois tecladistas, deu à banda um certo charme à época, mas para alguns, aquele tipo de formação parecia uma má ideia. “Quando anunciei que estava formando uma banda sem guitarra – nunca tive nada contra guitarristas, mas só havia a ideia de dois tecladistas tocando uma porção de instrumentos – disseram: ‘Isso nunca irá funcionar.’ Bom, estavam errados. Clem Clempson, originalmente do Colosseum e Humble Pie, toca guitarra em duas faixas de ‘Spyglass Guest’, mas, à parte disso, tudo era com os teclados. Dave Lawson se recorda de como, sob uma perspectiva neutra, a escolha pelo instrumental contribuiu para o tipo de som particular e o approach da banda. “Não pensamos em guitarras na época”, admite. “Apenas ensaiamos com dois teclados ao mesmo tempo e a coisa funcionou.” Com uma guitarra, você tem uma arma nas mãos, você a vira de lado e é algo muito poderoso, dinâmico, enquanto um teclado, não.” Dá até para fazer o mesmo com um clavinete, porque há falantes nele, e também alguns sintetizadores poderosos, mas não da mesma forma que uma guitarra.” “Era um caldeirão de influências, porque eu estava trazendo algumas coisas do Samurai e do Web, e Dave tinha as músicas compostas para o Colosseum. Além disso, faixas que ele tinha criado integralmente, com progressões de acordes. Eu providenciava uma linha melódica e a letra, até darmos o formato final a partir dali.” Greenslade considera ‘Bedside Manners Are Extra’ como talvez o melhor álbum, mas concorda que o álbum de estreia – ‘Virgin Greenslade’, conforme o denomina – tem algo especial de frescor. “Há uma seleção interessante de material naquele primeiro disco; eu nunca tinha ouvido nenhuma outra banda tocar daquela forma”, admite. Mas apesar de toda a complexidade rítmica e melódica, sob o ponto de vista técnico, a perícia individual de cada um dos quatro músicos, sempre serviu ao material executado, como pode se ouvir no instrumental cheio de reviravoltas An English Western. E embora MacCulloch não seja mencionado com tanta frequência quan-
4
Dave Greenslade ontem e hoje: legado ao Prog
to os colegas mais famosos de sua geração, sua velocidade, destreza e ritmo impecável, tornaram-no um dos mais talentosos bateristas de sua geração. “Bom, Dave Lawson foi e ainda é um músico fabuloso, e tudo é uma questão de você ter afinidade com os músicos com os caras com que você toca.” Musicalmente, nos encaixávamos como num quebra-cabeça, as peças certas. Apesar de não parecermos, éramos na verdade uma banda ao vivo. Curtíamos muito mais tocar no palco, que no estúdio. Podíamos ensaiar o material, gravar muito bem e então partir para a estrada por seis meses... uau. Seríamos capazes de tocar tudo aquilo de novo, o que pode ser ouvido nesses próximos lançamentos.” Mas representava algum problema não ter um frontman fixo no palco? Greenslade responde: “Eis a questão. Tínhamos, sim, alguém na linha de frente. O mais improvável de todos, o baixista, Tony Reeves. E ele era mais que um baixista: se você prestar atenção no trabalho dele, verá que as linhas de baixo que tocava eram quase fraseados de guitarra, e deixávamos que seguisse esse direciona-
mento, porque era muito bom nisso.” “Cada um de nós tocava pelo menos três tipos de teclados. Devia ser um pesadelo para os caras da equipe, nossos roadies – seis teclados numa banda – e olha que não eram pequenos, nem portáteis naquela época, muitíssimo pelo contrário: Hammond e Mello trons gigantescos. Eu usava o Hammond bastante, além de um Fender Rhodes (piano). Aí comprei um RMI, um piano elétrico americano, e um sintetizador ARP. Dave tinha outro incrível, e compúnhamos para todas aqueles tons.” “Era um tipo de banda intelectual”, confirma Lawson. “Tínhamos uma porção de fãs cabeça, porque era algo meio filosófico, e eu era um tanto original por escolher tocar um ARP. Depois do show, aqueles caras formavam filas para autógrafos em calças boca de sino e camisetas apertadas, sem ninguém de minissaia no meio deles, exceto, talvez, por algum escocês.” Mas quando a banda se afastava daquele pequeno grupo fiel, entusiasmo não era algo garantido. Lawson lembra de quando apareceram num programa de TV ao vivo. “A plateia, na maioria formada por meninas adolescentes, tinha sido subornada por camisetas e todo tipo de coisa para aplaudir, porque o Slade também tinha sido convidado. Era algo
marim.” As críticas foram legais ao nosso respeito, enquanto as deles, nem tanto. Aí, fomos convidados a cair fora da tour.” Já em ‘Spyglass Guest’, parece que os dois Daves se encaminhavam para a separação, já que gravaram suas composições aparte, isoladamente, embora as tocassem juntos ao vivo. Mas isso foi algo despropositado, já que os prazos de lançamento do álbum eram apertados e qualquer folga fora dos shows demandava tempo para novas composições. “Eu tinha o estojo do meu Fender Rhodes em casa, além de um gravador de rolo Revox”, explica Lawson. “Quando fiz Doldrums, gravei e pensei que tudo estava ok e que não repetiria aquilo no estúdio. Não precisaria repetir nada, já estava lá quando precisasse.” Depois de lançar ‘Time And Tide’ em 1975, a vida da banda foi interrompida bruscamente. Estavam, na época, numa firma que também cuidava da carreira de artistas como Rod Stewart, e as coisas não estavam funcionando. “Sempre tínhamos sido tratados pelos empresário como algo peculiar, porque não compreendiam a nossa música”,
realmente confuso.” Apesar de Lawson reconhecer que o Greenslade era visualmente interessante – “um pouco discreto, na realidade” – por volta de 1975, Bambi, a mulher do crítico Robin Denselow, chegou a confeccionar trajes para a banda. Lawson vestiu um número menor, com corte diamanté, e McCulloch, que vivera um tempo no Japão, vestido em estilo japonês, enquanto o baixista convidado Martin Briley usava um macacão de esqueleto (n. do t. como a célebre vestimenta de John Entwistle no Festival da Ilha de Wight). “Dave estava com algo no estilo russo, mais adequado para o circo de Billy Smart. Era o mais próximo que
Dave Lawson antes e depois: reconhecimento
iria excursionar junto ao Kraftwerk. “Naquela época, o som era produzido muito mais do que com o apertão de um botão”, explica Lawson. “Num ARP Odissey, pense num painel com toneladas de botões de fader, e todos devidamente afinados, então você precisava estar por dentro do negócio. Quando eu entrava no palco, um dos caras da equipe do Kraftwerk – ou a própria banda – tinha zerado todas as frequências, então os solos que fiz devem ter sido a coisa mais estranha do mundo, já que eu precisava fazer a afinação ao mesmo tempo em que tocava. Cheguei a mencionar isso para o
“Seria fantástico fazer algo hoje em dia, mas a praticidade da coisa... é uma possibilidade.” Dave Lawson
podíamos chegar ao Genesis”, ironiza. E noutra ocasião, o arsenal de teclados da banda atraiu a atenção indesejada de um típico arranjo inadequado em termos de tournée, já que o grupo
nosso roadie, um ex-marine chamado Lurch grandão, uns dois e pouco de altura. Lurch quis dar um toque para o Wolfgang (Flür), mas o Kraftwerk ficava trancado o tempo todo no ca-
“Pode soar arrogante, mas não tinham ideia do que fazer ou vontade de levar a coisa adiante. Quando tomei a decisão de sair da banda, já estávamos mal das pernas, não tínhamos mais nem veículo de transporte, a infraestrutura desmoronava e eu não via mais futuro naquilo.” Greenslade não chega a dar muitos detalhes, mas observa que os companheiros ainda só permaneciam juntos por razões contratuais, então, o que poderia fazer, era ver se dava para aluga-los à parte, o que estava além das suas possibilidades. Foi quando recebeu um convite dos produtores da série de TV da BBC Gangsters, que já estava no ar há três anos, prosseguindo na composição de trilhas sonoras junto uma carreira intermitente de discos solo que começou em 1979 com o ambicioso ‘The Pentateuch of Cosmogony’, uma espécie de álbum conceitual multimídia com ilustrações do artista gráfico Patrick Woodroffe. Enquanto permaneceu no Greenslade, Lawson, por sua vez, foi convidado a se tornar músico de estúdio, inicialmente para o álbum do Stackridge, ‘Mr. Mick’. Ele também se tornou o “cara a quem você recorre quando o assunto é trilha-sonora de sintetizador”. Compôs a música que pode ser ouvida na famosa “cena da cantina” de Star Wars (Episódio IV), além de trabalhado para superproduções como Frankenstein de Mary Shelley, O Cristal Encantado, além da série de TV da BBC, Planeta Azul.
5
TST The Sound Tribune
P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe