TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
KEN SCOTT
O mito responsável pelo som dos Beatles, Supertramp, Procol Harum, VDGG, Elton John, Warhorse, David Bowie e tantos outros em estúdio, conta (quase) tudo
Número 014 - 01/04/2019 - 07/04/2019
O homem po Sem ele, provavelmente a sonoridade de clássicos como ‘Transformer’, ‘A Salty Dog’, ‘Pawn Hearts’ e ‘Ziggy Stardust’ não teria o mesmo brilho. Conheça Ken Scott por ele mesmo Texto: John Mills - Tradução e adaptação: Rodrigo Hammer
TST – Você tomou conta da mesa de som em Abbey Road, com os Beatles, na fase mais psicodélica da banda. Assim como as composições estavam mudando, a produção e a engenharia de som também iam no mesmo rumo. Quais são as suas melhores lembranças daquela época? KS – De Paul tocando Let It Be só pra mim. Era qualquer coisa, menos óbvio. E de poder ter conhecido George melhor. Por conta do relacionamento que acabou sendo desenvolvido entre a gente. De ter trabalhado com a única banda no mundo que tinha poucas limitações de tempo e que nunca pretendia que nada soasse igual. Ali aprendi meu ofício.
TST – E quanto ao single Apples And Oranges/Paintbox com o Pink Floyd? O que lembra de Syd Barrett? KS – Não tenho lembrança específica dele com o Floyd nas sessões. Minha principal recordação vem de uma sessão solo. Ela tinha sido agendada para um sábado, e apesar das coisas já estarem mudando na EMI, as sessões ainda eram marcadas na velha estrutura do cronograma, das 14h30 às 17h30 e das 19h às 22h. Meu engenheiro de som assistente e eu chegávamos às 14h para os ajustes, mas o prontuário não dava detalhes sobre no que estávamos trabalhando ou que músicos estariam envolvidos, então, sentávamos e esperávamos por Syd ou qualquer outro músico chegar. Antes de sairmos, o segurança veio me dizer que pouco tempo depois, um homem chamado Syd tinha vindo me procurar e que voltaria mais tarde. A espera continuou até as 22h, e mais uma vez ninguém apareceu, aí eu meu assistente voltamos para casa. Quando cheguei para trabalhar na segunda-feira, fui informado pelo mesmo segurança, que Syd retornara por
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volta da meia-noite no sábado, mais uma vez pergu tando por mim. É a única sessão da qual me lemb em particular, mas já soube por aí, que a Impren chegou a divulgar que eu teria gravado com ele.
TST – Tendo assumido as gravações dos Beatles lugar de Geoff Emmerick depois que ele se recuso continuar gravando o ‘Álbum Branco’ (Back In T USSR foi gravada com McCartney na bateria dep que Ringo Starr partira), você já declarou que a ten não era tão alta como se diz. Mas Ringo parece ter aborrecido mesmo. Como era mesmo o clima e co você lidou com ele? KS – Realmente, Back In The USSR tem Paul, Joh George na bateria. Paul gravou o primeiro canal, outros dois acrescentaram partes de bateria e jun mos tudo. Já afirmei antes, que as desavenças n eram tão graves como já chegou a ser descrito. Par meu livro, Abbey Road To Ziggy Stardust, cheq esse detalhe com mais outros dois que estiveram muitas vezes: o assistente de George Martin, Ch Thomas, e o meu, John Smith. Ambos concord comigo. A melhor coisa quanto a Giles Martin (n. t. filho de George Martin responsável pela ediç comemorativa do ‘Album Branco’) ter fuçado os o takes, é que ele também passou a concord Aparentemente, já tinha ouvido o que o pai com tava sobre as sessões, mas depois de horas escutan horas dos Beatles em estúdio, acabou surpreend por todo o papo descontraído que rolava e de co as coisas eram conduzidas. Ok, havia momentos discordância e algumas vezes irritação, mas tudo parte do temperamento artístico normal nesse am ente, tudo logo resolvido em pouco tempo.
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TST – Outro ponto debatido, é que no disco, cada Beatle teria trabalhado isoladamente, mas há tantos momentos que parecem traduzir um grupo fantástico de Rock, que esse argumento parece ser um tanto equivocado. A banda parece coesa, e algumas faixas soam mais altas e espontâneas em comparação ao que acabou entrando no disco. Por exemplo, Helter Skelter. Mais tarde você trabalhou com os Stones no Trident, mas no ‘Álbum Branco’ os Beatles não parecem mais como uma banda de Rock ‘n’ Roll sem frescura? KS – Primeiramente, só esclarecendo: o que fiz com os Stones, foi apenas uma sessão de mi-
xagem e os overdubs orquestrados, com arranjos de Paul Buckmaster em Moonlight Mile e Sway. Em segundo lugar, poucas faixas foram de fato gravadas isoladamente por cada beatle. O motivo de terem por vezes gravado separadamente, é que pela primeira vez precisavam cumprir um deadline. O primeiro lançamento produzido especificamente para o selo deles, Apple Records. Agora, o ponto principal: a banda tinha a habilidade, o talento, o tempo e o dinheiro para fazer praticamente tudo o que quisesse. Quando queriam detonar, podiam e certamente o faziam, assim como se quisessem gravar uma música tipo “Disneylândia”.
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LADO A LADO COM GEORGE
TST – Trabalhar com George Harrison em ‘All Things Must Pass’, deve ter sido prazeroso. Você acha que ele merecia ter tido mais poder nos Beatles? KS – Detesto hipóteses. As coisas simplesmente davam certo para George. Talvez se os Beatles tivessem gravado algumas faixas de ‘All Things Must Pass’, o álbum não tivesse saído tão bom como é, e não tivesse sido o mais vendido dos álbuns-solo deles.
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TST – Como era Phil Spector? Um touro indomável? KS – Não tive muito entrosamento com ele, provavelmente, por sorte, em ‘All Things Must Pass’. Ele trabalhou com George enquanto gravavam as bases na EMI com Phil McDonald, e dali voltou aos Estados Unidos enquanto fazíamos os overdubs. Quando chegou a hora da mixagem, eu e George escolhemos como deveria ser, e Spector chegava para opinar sobre o que devia passar e o que não devia. Eu e George finalizámos a mixagem, às vezes levando em conta os comentários, às vezes não.
TST – Se houvesse uma faixa do ‘Álbum Branco’ que você pudesse remixar ou pôr a mão como produtor para fazer diferente, qual seria? KS – Li em algum lugar que o ‘Álbum Branco’ foi o disco que mais vendeu nos anos ’60, e também o mais vendido da banda. Quem sou eu então para questionar os Beatles, George Martin e, o mais importante, o público que comprou o disco? Para citar Mr. McCartney, “É ótimo, vendeu, é a porra do ‘Álbum Branco’ dos Beatles, então, cala a boca!”
TST – Dá para contar um pouco sobre quando ouviu David Bowie pela primeira vez e a sua impressão? KS – Fomos apresentados logo depois que fui trabalhar no Trident e ele chegou lá para gravar um single num sábado com Gus Dudgeon na produção e Barry Sheffield como engenheiro de som. Era ‘Space Odd-
ity’, e que o gravad álbum nheiro Toft e Tony V como Music Bowie do LP, e acab que D mente talento Mercu álbum estreia Deram conti e gravar Sold seguid e a mix Da pró
com ele, foi quando chegou ao Trident para produzir um single com um amigo dele, Freddie Burretti, e aconteceu de coincidir com a minha decisão de partir para a produção. Durante uma das pausas para o chá, mencionei aquilo para David, e ele me comunicou que acabara de assinar com um novo empresário, que queriam gravar mais um disco a fim de irem em frente. Também disse que produziria o álbum sozinho, mas não tinha certeza se conseguiria, e aí me propôs que eu o coproduzisse com ele. Aproveitei a chance de estar alinhado a um artista que provavelmente nunca seria ouvido, e aí, umas duas semanas depois, ao revisar algumas demos, saquei que havia muito mais em relação a Mr. Jones do que eu jamais percebera. Ele poderia facilmente se tornar um superstar e então tremi nas bases ao perceber que se aquela seria a minha primeira adorei aquilo da primeira vez produção, era melhor que eu acerouvi. Foi um sucesso, e a tasse em cheio. Acho que não me saí dora, a Mercury, já queria um tão mal... m inteiro dele. Outro engeo de som do Trident, Malcolm TST – Como você passou de engee eu, gravamos o disco com Visconti produzindo. Seja lá for, ‘Man of Words, Man of ’, ‘Space Oddity’ ou ‘David ’, com Tony de fora na versão , ficou diferente do compacto ou fracassando. Na época, via David era um cara extremalegal, obviamente com certo o, mas nunca um superstar. A ury decidiu por um segundo m (de fato um terceiro, já que a a ‘David Bowie’ saíra pela m, em 1967), e então Tony Vise David foram para o Advision r as bases para ‘The Man Who The World’, voltando em da ao Trident para os overdubs xagem comigo. Outro fracasso. óxima vez que me encontrei
nheiro de som a produtor e o que o levou a essa decisão? KS – É interessante, porque havia três engenheiros no Trident à mesma época: Roy Thomas Baker, Robin Cable e eu. Decidimos, ao mesmo tempo, tomar essa decisão. No meu caso, por conta de duas coisas: em primeiro lugar, não estava conseguindo aprender mais tanto assim como engenheiro de som. Já tinha feito experiências com todo tipo de microfone e com o posicionamento deles, conhecia todas as frequências que gostava de mexer, e já estava se tornando um pouco chato. A segunda coisa, era relacionada a algo que muitos engenheiros enfrentam. Você está sentado à mesa de som, próximo ao produtor, e de repente tem uma “ideia artística”. Aí explica a ele, que decide testá-la. Se funciona, ele fica com o crédito, e se não, “foi ideia do Ken. Sabia que não iria funcionar, mas não queria contrariá-lo.” Queria, oficialmente, ter mais controle artístico, arcando com as consequências. Foi quando Mr. Jones entrou na minha vida.
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TST – Você trabalhou com Elton John em ‘Honky Chateau’ e ‘Don’t Shoot Me...’, no que deve ter sido uma convivência idílica em relação às gravações do ‘Álbum Branco’. A banda ou o músico em si chegam a afetar o modo como você trabalha ao mixar um disco, ou você tenta se manter alheio a isso? KS – Cara, estou de saco cheio com a crença de que as sessões do ‘Álbum Branco’ teriam sido insuportáveis. Depois de tudo o que foi escrito, acho difícil acreditarem no contrário, mas rolava muita diversão, assim como nas gravações com Elton. O clima, às vezes, era tipo Os Goons (n. do t. humorístico da BBC com o futuro elenco do Monty Mython), já que todo mundo, nos dois casos, era fã deles. E rolava, então, muita bobagem nessa linha.
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TST – Você gravou cinco álbuns com David Bowie, primeiro como engenheiro de som, depois produtor de ‘Hunky Dory’ em diante. Qual é o seu favorito? KS – Na verdade, cinco discos. Dois como engenheiro e quatro como engenheiro e coprodutor. Não tenho um preferido em particular. Minha fase favorita foi a de ‘Hunky’, ‘Ziggy’ e ‘Aladdin Sane’. Para mim, ‘Ziggy’ se mantém como o melhor deles, mas também acho que há faixas boas nos outros dois. ‘Pin Ups’ foi algo mais estranho em termos de trabalho. Pouco depois que David tinha demitido a banda, e estava óbvio que pretendia mudar para algo diferente.
acontecia na fase em que você lhou com ele? KS – Nunca fiquei sabendo de quer tipo de prazo para os qua buns que coproduzi com Da coisas mais próxima que um line teve a ver com ele, tem com ele de saco cheio no es Todos sabíamos que precisáv correr, senão, David já queria para outra. Mas acho que qua tratava de gravar 95% dos voc um único take, sem af eletrônica, sem copiar e colar, a a velha e boa performance ao ele tinha todo o direito de se recer com quem demorava.
TST – Você também copro ‘Crime of The Century’, do S TST – Já foi dito que quanto mais tramp, que foi e ainda é reconh apertado era o prazo, mais produ- por sua sonoridade distinta e tivo Bowie se tornava. Era o que tura. Também levou muito
ê traba-
e qualatro álvid. A deadm a ver stúdio. vamos a partir ndo se cais em inação apenas vivo – e abor-
oduziu Superhecido estrutempo
em relação a outros discos da mesma época. Como você foi capaz de conseguir tanta liberdade para trabalhar com a banda que ainda era desconhecida? O advento de uma tecnologia de gravação mais avançada lhe deixou satisfeito? KS – Não sabia do que se tratava, mas que o álbum tinha de ser excepcional e acreditava que a banda seria capaz de se tornar grande. Comecei com isso em mente e trabalhei assim do primeiro ao último dia. Foi um dia e meio para conseguir que a bateria soasse como eu queria. Ridículo. Devíamos ter um monte de faixas-base prontas na época, mas precisávamos economizar o máximo de tempo possível. Por volta de uma semana e meia das gravações, quando mal tínhamos começado o processo, recebemos uma ligação da A&M (Records) avisando que Jerry Moss, o “M” do selo, estava na cidade vindo ouvir o que estávamos fazendo. “Não dá. Estamos num ponto em que não há condição.”. Tínhamos algumas bases com poucos overdubs gravados. Mas ele veio. Sentou, ouviu o que estávamos fazendo, disse tchau e foi isso. Pensamos que tudo estivesse
acabado, porque ouvimos no dia seguinte que ele tinha achado ridículo e o álbum seria cancelado imediatamente. Mas quando terminamos tudo, veio de novo, ouviu e foi conquistado. Jerry adorou o que tocamos pra ele, entendeu tudo, concordou com o que buscávamos e nos deu carta branca. Pegamos ele pela palavra e nos demos bem. Pelo que me recordo, tudo isso foi antes da tecnologia realmente entrar em cena. É, tínhamos mudado para a gravação em 24 canais, mas isso era a única comodidade moderna. As mesas ainda eram as mesmas, os microfones também, o equipamento, tudo aquilo.
TST – Você e a sua mulher voltaram para a Inglaterra alguns anos atrás, depois de viverem nos Estados Unidos desde a metade dos anos ’70. Quais as diferenças, positivas ou negativas, que enxerga hoje entre esses dois mercados? KS – Estive no olho do furacão de 1964 a 1974, dos Beatles a Bowie. A Inglaterra parecia o centro do universo para tudo, da música às artes e a moda. Comecei a trabalhar mais em Nova York e Chicago, pre-
cisando deixar por vezes a minha família sozinha. Quando o Supertramp decidiu começar outro álbum em LA, trouxe todo mundo comigo e foi tão bom que decidimos nos mudar para lá, isso em 1976. Para mim, a Inglaterra estava em declínio naquele ponto. Depois dos primeiros dez anos, tudo parecia monótono, sem vida, embaçado, completamente o oposto de LA. Sol, sol, sol e diversão, diversão, diversão. Tudo tem um dia para acontecer, e a cidade começou a naufragar. Aí comecei a trabalhar de novo na Inglaterra, e me senti revitalizado, as pessoas felizes de novo. TST – E quanto à recente remixagem de Giles Martin para ‘Sgt. Pepper’ e o ‘Álbum Branco’? KS – Só ganhei as versões atualizadas, um dia desses, por isso ainda não posso dizer nada sobre o trabalho dele. Não tenho problema com remixagens, já que as originais sempre ainda estão disponíveis. Meu medo é que em função do excesso de streaming desse material, acabem não conseguindo mais distinguir uma coisa da outra.
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P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe