TST Rodrigo Hammer’s
The Sound Tribune
Número 019 - 05/05/2019 - 10/05/2019
A
A LUA E UM CAMELO
última vez que o Reino Unido teve um Verão tão quente, o Camel era uma das maiores bandas do país. Na crista da onda após o imenso sucesso do ano anterior graças à extravagância conceitual ‘The Snow Goose’, o grupo formado pelo guitarrista Andy Latimer em 1971 chegara ao topo das fileiras no Rock Progressivo e estava, na ocasião, pronto para mais um hit. O próximo movimento seria, portanto, o mais inteligente de sua carreira: 43 anos depois, o quarto trabalho do grupo é considerado o seu ponto alto, sem contar o índice de popularidade. Lançado em Março de 1976, no auge daquele Verão que entraria para a História, ‘Moonmadness foi o mostruário ideal para a formação clássica de Latimer, Peter Bardens (keyboards), Doug Ferguson (baixo) e Andy Ward na bateria. Avançando até 2018, e o line-up atual se encontrava em tournée novamente, revisitando o álbum integralmente no palco. Como resultado, Latimer e seus companheiros atuais passaram um bom
2
Durante sua última tour, o CAMEL decidiu tocar ‘MOONMADNESS’ na íntegra. O guitarrista Andy Latimer descreveu para a TST o processo criativo que em 1976, deu ao mundo um dos maiores clássicos da História do Rock Progressivo Texto - Dom Lawson Tradução e Adaptação: Rodrigo Hammer
Na página oposta, o Camel em 1972: da esquerda para a direita, Peter Bardens, Andy Ward, Andy Latimer e Doug Ferguson
tempo refletindo e dissencando aquele que, para muitos fãs, melhor define a sonoridade do Camel. Voltando àqueles tempos cabeça da fase pós-’Snow Goose’, Latimer admite que não havia um plano determinado sobre o que fazer, após a banda se dedicar ao projeto que sucederia o disco conceitual. “Ainda estávamos meio que perplexos sobre aquilo”, sorri. “Por conta do sucesso de ‘Snow Goose’, era um pouco tipo ‘E agora? O que a gente vai fazer no próximo?’ Provavelmente porque ainda não tínhamos noção
completa da coisa, só conseguimos comentar que gostaríamos de gravar algo totalmente diferente. Podíamos muito bem ter feito algo como ‘Son of Snow Goose’ (n. do t. “O Filho do Snow Goose”), mas em vez disso, decidimos realizar algo totalmente diferente.” Na realidade, a pressão começava a incomodar a banda no sentido de precisar produzir outro hit. A Decca, então gravadora da banda, ficara surpresa pelo sucesso instantâneo de ‘The Snow Goose’, álbum sobre o qual demonstravam preocupação antes de ser lançado. “Sempre éramos pressionados pelo empresário e pela gravadora para fazermos algo que pudesesm vender”, lembra-se Latimer. “Então, quando entregamos ‘The Snow Goose’, principalmente nos Estados Unidos, mas na Inglaterra também, ficaram horrorizados com uma peça de música sem intervalos, já que seria impossível tocá-la no rádio.” Então, éramos pressionados, mas continuávamos resistindo, de fato.”
3
“Éramos muito arrogantes. Queríamos que se ferrassem e pronto. Acontece que os caras da Decca não eram tão maus. Permitiam que fôssemos independentes até certo ponto, mas sempre persistia aquela pergunta do ‘e como é que vamos vender isso?’ Decididos a não se repetirem, Latimer e Bardens começaram a organizar as ideias para o próximo álbum. Satisfeito ao lembrar um período para o grupo como um todo, Latimer observa o intenso fluxo criativo pelo qual a banda passava na época, impulsionado pelo sucesso então recente. Esforçando-se para ignorar a pressão para que lançassem outro disco de sucesso, Latimer e Bardens desapareceram nas brumas de Surrey para darem início ao processo de composição. Mas nada seria como o planejado.
“Começamos a pensar sobre a relação entre lua e loucura, e foi assim que o título do álbum surgiu. Muita coisa estranha acontecia mesmo por ali.”
“Estávamos compondo perto naquele lugar perto de Dorking. Era tipo um celeiro bem legal, incrível para trabalhar, mas um tanto estranho”, recorda-se Latimer. “As pessoas de lá eram esquisitas. Você não percebia quando se aproximavam, e de repente estavam lá. Eu e Pete começamos a ter umas visões, quando acordávamos e achávamos ter fantasmas na sala. Também ouvíamos algo arranhando na janela. E foi ficando cada vez mais estranho. Parece que toda vez em que havia lua cheia, acontecia. Então, começamos a pensar sobre a relação entre lua e loucura, e foi assim que o título do álbum surgiu. Muita coisa estranha acontecia mesmo por ali.” Interferência sobrenatural a parte, Latimer relembra o que considera como o ponto alto de sua parceria em termos de composições com Peter Bardens. Num tempo em que bandas de sucesso tinham liberdade para concretizar as mais extravagantes ideias, a confiança mútua entre os dois levava ao mesmo sentimento dos outros como grupo no mais amplo sentido. Por consequência, a banda, em si, se tornaria o foco do material que estava sendo elaborado.
4
Bardens, Latimer, Ferguson e Andy Ward brindam com cerveja num circo da Alemanha
“Nos dias em que estivemos por lá, a sensação era idílica. Podíamos sair para um giro em alguma chácara no meio do nada, então era muito divertido”, acrescenta Latimer. “Eu e Pete mantínhamos um ótimo relacionamento criativo. Não é algo fácil de se conseguir. No passado, até tentei algo do mesmo nível com outras pessoas, mas é difícil. É simplesmente algo que acontece quando você está num grupo de caras como aquele, mas na época, havia muito diálogo, e tentávamos basear o álbum nos quatro indivíduos da banda.”
“Nosso produtor, Dave Williams, que Deus o tenha, era um cara incrível, mas sem tato. No meio da gravação, perguntou: ‘Quem vai cantar? Porque nenhum de vocês consegue!”
“Cuidávamos de nós, e, claro, Andy Ward e Doug Ferguson eram os mais tranquilos. Doug tão firme e direto, de certo forma, enquanto Andy uma alma livre. Daí, eu e Pete. É sempre difícil escrever sobre si mesmo, mas depois de tanto debate, acho que sacávamos a essência individual de cada um.” Duas decisões foram tomadas no território do Camel, assim que partiram para aquele quarto disco. Latimer e Bardens comporiam uma faixa para cada membro da banda, focando em sua
personalidade, identidade musical e pontos fortes. Em segundo lugar,determinados a fazerem algo diferente do voo instrumental de ‘The Snow Goose’, ‘Moonmadness’ deveria ser um álbum repleto de vocais e melodias baseadas em voz. “Queríamos entrar de cabeça no canto”, observa Latimer. “Era um desafio, porque nenhum era um grande vocal. Não tínhamos confiança depois do que havíamos tentado no primeiro álbum (‘Camel’, de 1973). Nosso produtor, Dave Williams, que Deus o tenha, era um
“No que diz respeito a ‘Moonmadness’, esse nível de confiança era restrito, daí que precisávamos ser realmente criativos a fim de que tudo desse certo.” “A saída era disfarçá-los de muitas maneiras, colocando efeitos de caixas Leslie, phasers e tudo mais, tomando cuidado para não mixá-los num volume muito alto. Acho que foi isso que deu um certo estilo ao disco. Muita gente aprovou o tratamento que demos às vozes, não sabendo que fizemos aquilo para encobri-los...” “Moonmadness” foi gravado no Basing Street Studios, de Londres, entre Janeiro e Fevereiro de 1976, com o experiente engenheiro de som Rhett Davies (Genesis, Brian Eno, Roxy Music) assumindo os controles. Municiado com um lote de material novo que sentiam instintivamente ser o melhor passo à frente, o Camel se firmava como uma unidade altamente focada. Vivendo juntos, tocando juntos e dedicando todo o tempo à banda, Latimer e os três amigos podiam não ter confiança quanto às habilidades vocais coletivas, mas tournées extensas acabaram conferindo maior entrosamento elevado a um estado de quaseperfeição - algo pelo qual estavam ansiosos para capturar no novo álbum. “Naquele estágio, a banda estava mais do que sólida”, concorda Latimer. “O relacionamento geral entre a gente era muito bom. Nenhum desentendimento ainda se instalara. Foi mais tarde que as coisas começaram a degringolar, mas quando fizemos ‘Moonmadness’, tudo corria super bem. Éramos um grupo que gostava de ensaiar, então fazíamos isso todos os dias em que não estávamos excursionando, e excursionávamos muito naquela época. Aquilo nos esgotava. Não acho que também tivéssemos relacionamentos extra-banda. Todos vivíamos juntos, e isso era algo muito produtivo. Pensávamos na banda o tempo todo. Era uma época incrível, e também muito mais simples.” Latimer destaca a contribuição de Rhett Davies para o quarto álbum. Após a produção para o Genesis em ‘Selling England By The Pound’, Davies não tinha mais nada a provar, mas a visão privilegiada em relação ao trabalho, deu a ‘Moonmadness’ uma vibração muito particular. “Tudo foi gravado muito rápido, e devo dar o merecido crédito a Rhett Davies por isso”, afirma Latimer. Ele também tinha trabalhacara incrível, mas sem tato. No meio do em parte de ‘The Snow Goose’, acho da gravação, perguntou: ‘Quem vai eu. Era um cara incrível e um engecantar? Porque nenhum de vocês nheiro de estúdio fantástico. O som do consegue!” Aí nos sentimos tipo, ‘o quê?’ Aí demos uma pausa no estúdio e começamos uma audição para escolher entre 40 vocalistas, chegando à conclusão de que seria o melhor a fazer. Acontece que todos foram horríveis, e sacamos que podíamos cantar melhor que eles. Então, íamos cantar e que se danassem todos, sabe? Mas também veio a paranóia no sentido de como seria no futuro.”
“Nos dias em que estivemos por lá, a sensação era idílica.”
5
álbum se deve a ele. Era uma figura excelente para se trabalhar. Muito divertido e sem restrições em nos incentivar a deixar a frescura de lado e explorar todas aquelas ideias estranhas. Andy Ward podia soprar um tubo em baldes d’água para simular sons da lua. Em Air Born, Andy estava fumando um baseado e no meio da sessão dá para ouvi-lo puxando a fumaça. Algo muito hippie, mas também muito divertido.” É difícil negar que as quatro faixas dedicadas aos integrantes do Camel em 1976, não estejam entre as maiores da banda. Como Andy Latimer se recorda, o processo de encapsular cada indivíduo de forma musical, foi altamente agradável. Aquilo também possibilitou ao quarteto a se aventurar noutros territórios que antes não haviam considerado, particularmente em relação a Andy Ward, para quem Latimer e Bardens haviam composto o instrumental de encerramento Lunar Sea. “Digamos que Andy, no palco, tinha muita personalidade, era meio infantil. Era um baterista extremamente talentoso, e por ter trabalhado conosco desde o início, sabíamos exatamente o que queria. Era extremamente criativo, muito divertido, e ao mesmo tempo o cara quie-
6
Mais acima, a formação clássica; abaixo, a banda em seu line-up de 2018 com Andy Latimer, Denis Clement, Colin Bass e Peter Jones
to da banda, do modo mais estranho possível, contradizendo qualquer concepção que tivéssemos.” “Mas Andy se interessava por um monte de coisas, principalmente Jazz. Então, quando começamos a compor algo para ele, achamos que devia ser bastante jazzístico e bem complicado. Não Jazz no sentido puro, porque não éramos propriamente jazzistas, mas o que considerávamos ser Jazz, suponho.” Com nove minutos e um dos maiores épicos Prog de todos os tempos, Lunar Sea exala uma euforia que acabou im-
pulsionando o Camel rumo ao restante dos anos ‘70. Conforme Latimer se recorda, era uma peça que levava a banda ao extremos das suas habilidades. “Havia muita complexidade naquilo. Tínhamos estado numa tour, abrindo para o Soft Machine por uma semana, e aquilo havia causado uma forte impressão em mim e Andy. Costumávamos sentar junto ao palco, porque eles tinham John Marshall na bateria, que Andy realmente gostava, além de Allan Holdsworth na guitarra. E claro que eu ficava pensando em como é que faziam aquilo.” “Acho que naquele ponto, eu pensava que para ser um bom guitarrista, era preciso tocar um monte de notas. Então, é o que faço em Lunar Sea. Alguns álbuns depois daquilo, pensei, ‘espera aí, nunca vou ser tão rápido, meu cérebro não funciona tão rápido’, e comecei a ser mais eu, tocando coisas mais melódicas. Mas foi de onde Lunar Sea saiu.” “Foi muito divertido, com muita energia do Andy, porque não era fácil tocar assim na bateria. O que ele curtiu,na verdade, foi o desafio.”
Para o baixista Doug Ferguson, Latimer e Bardens compuseram a energética Another Night. A faixa mais direta de ‘Moon madness’ servia como uma espécie de homenagem às mãos seguras do Camel. “Doug era o organizador e também o conciliador, quando eu e Pete entrávamos em atrito”, confessa Latimer. “Porque é muito firme como indivíduo, muito organizado e um tanto coronelista, o único entre nós que recolhia o dinheiro, dirigia e nos mantinha em ordem. Servíamos de apoio a ele, para ser sincero, mas também era um baixista capacitado e sabia contar altas histórias. Eu nem poderia te falar algumas, porque eram um tanto ousadas, por assim dizer. Mas sempre era o que sumia à noite e ficava perambulando, curtindo, aí aparecemos com Another Night.” Não por acaso, a formação atual do Camel toca uma versão da faixa que, embora relativamente fiel à original, aposta num andamento mais direto e acelerado que a original. Como Latimer explica, a nova versão é uma tentativa de tocá-la como o guitarrista inicialmente a concebera. “Queria que fosse mais pesada, mais Rock ‘n’ Roll, mas quando fomos discutir com a banda, Andy e Doug colocaram aquele andamento sincopado, que acabou tirando a força da faixa”, recorda-se. “Não era o que eu queria, mas você tem que respeitar os outros. Como compositor, às vezes é um desafio, porque você tem uma determinada concepção ao escrever algo, mas precisa ouvir o que os outros caras têm a dizer também, então acaba dando certo. Na verdade, a gente se divertiu fazendo aquilo.” “Eu e Pete colocamos aquele trecho intermediário, que soa um pouco deslocado, mas a ideia era mesmo fazer Rock ‘n’ Roll simples e direto. Não saiu como pensávamos, mas era a intenção. Nunca acertamos a faixa.” Após entregar as duas músicas à seção rítmica, a próxima tarefa de Latimer e Bardens seria compor para si mesmos. Para Bardens, compuseram a intrincada e surpreendente Chord Change, uma das mais complexas peças do catálogo do Camel, que Latimer considera essencial na síntese do que era o amigo já falecido. “Sempre achei Pete altamente mutável, então pensei que precisávamos de algo também com muitas mudanças”, explica. “Compor nossas próprias faixas era muito difícil para mim e para ele. Decidimos fazer algo que traduzisse toda a complexidade dele.” “Apesar de compondo juntos,” prossegue Latimer, “cada um de nós era mais forte em determinadas áreas, se é que isso faz sentido. Então, a parte introdutória de Chord Change é principalmente Pete, enquanto eu compus o trecho mais melódico, os breaks de guitarra e outros detalhes, mas no total, foi um exemplo de esforço em conjunto.” Uma das mais belas faixas da banda, Air Born funciona como uma descrição fiel
do próprio temperamento de Bardens, conhecido pela postura humilde. De fato, a música se propunha a retratar o seu personagem de uma forma equivalente a uma sinfonia de Vaughan Williams: espontâneo, enfastiado pela chuva e extremamente britânico. “Pensando bem, era algo um tanto pretensioso, mas naquele ponto, eu queria mesmo soar extremamente inglês, porque achava que isso fazia sentido para mim”, admite Latimer. “Então, compus a introdução de Air Born e pensei ‘Ok, isto soa tremendamente britânico. Imaginei campos e florestas, aquele lance todo, a fim de capturar o sentimento britânico desses lugares. Tentávamos escrever sobre nós mesmos, e era algo difícil, porque é complicado olhar para si mesmo e se questionar: ‘Quem sou eu? Como devo parecer em relação às pessoas?”
As faixas restantes de ‘Moonmadness’ podem até não ter se encaixado no conceito vago que sobrara, mas exalam o mesmo senso de uma banda que atinge o seu auge artístico com imensa competência. Em particular, Song Within A Song representa o porto seguro como a faixa mais conhecida de todo um repertório, o andamento harmonioso se colocando como o instantâneo definitivo para o que a banda significava no cenário de 1976. Composta enquanto Latimer e Bardens ainda se debatiam em torno de ideias para o que se seguiria após ‘The Snow Goose’, trata-se de uma faixa que o guitarrista atribui a um daqueles momentos muito especiais, quando as ideias colidem. “Foi algo que eu e Pete compusemos, numa época em que trabalhávamos extremamente bem em parceria”, assinala o guitarrista.
SEGREDOS DA LUA
“Éramos um grupo que gostava de ensaiar, então fazíamos isso todos os dias em que não estávamos excursionando, e excursionávamos muito naquela época. Aquilo nos esgotava.”
Andy Latimer conta tudo sobre a enigmática arte da capa de ‘Moonmadness’
Como aquele desenho tornou-se a capa de ‘Moonmadness’?
ANDY LATIMER: “A nossa gravadora pediu a diversos artistas que trouxessem uma capa. As instruções era de que se chamaria ‘Moonmadness’ e, como acontecia na época - lembro do Pink Floyd comentando sobre ‘The Dark Side of The Moon’ e era a mesma coisa - eles só vinham com o título e os designers entravam com as ideias. A banda viu vários e concordou que gostava dessa de John Field. Era muito raro concordamos todos quanto a alguma coisa, mas a capa era simplesmente incrível. Não trabalhávamos diretamente com Field, mas o desenho era fantástico então, por que mudá-lo?”
Sobre o que é o desenho? Qual a sua interpretação daquilo?
ANDY LATIMER: “Todos interpretam de uma forma. Gostava de pensar sobre um casal de amantes olhando a lua, totalmente apaixonados. ‘Moonmadness’ tem um certo grau de intimidade, o que lembra a sonoridade de Rhett Davies. De alguma forma, Fields capturou isso na capa.”
É a sua capa favorita do Camel?
ANDY LATIMER: “Difícil dizer. Para o primeiro, só queríamos saber de lançá-lo. Adoramos a sutileza do camelo junto a imagem do trem, e eu adoro trens! ‘Nude’ também tinha uma capa incrível, assim como ‘Dust and Dreams’.
7
“Quando ele tinha uma boa ideia, eu incentivava tipo ‘Vamos, mais uma dessa, aproveite essa parte! Não, não essa”, aí, se eu acreditava mesmo no lance, ele liberava. Então, era muito mais um tipo de relacionamento na base do aceitar, ceder.” “Foi como Song Within A Song saiu. Compusemos juntos, então, é uma mistura das habilidades de ambos, por isso é ótima. Não é sobre alguém em particular, apenas mais uma faixa, realmente.” De modo semelhante, o momento mais plácido do disco, Spirit of The Water, foi simplesmente uma peça musical que Peter Bardens tinha composto e Latimer adorara, exigindo que fizesse parte de ‘Moonmadness’. “A única coisa que fiz na faixa, foi o título. Tinha acabado de ler um livro de Henry Williamson chamado Salar The Salmon, e havia uma frase nele, algo sobre ‘o espírito da água’. Falei para Pete e comentei que daria um bom título. Então ele saiu, escreveu a letra e ficou fantástico - não precisou mudar nada. Sugeri que puséssemos flautas entre os versos, e ficou daquele jeito.” “Pete também quis cantar nela. A voz dele era tipo a do Mick Jagger, não muito prog, então resolvemos passá-la por uma caixa Leslie, a fim de disfarçar o tom, e no fim das contas, ficou tipo o som de um rio fluindo. Deu um clima semelhante a água, algo extra, um pouco místico. Era só um pequeno interlúdio, mas ficou tão bom, que eu disse a Pete: ‘Vamos lá, temos que gravar isso!” Finalmente, ou talvez, primeiramente, havia Aristillus. Certamente uma das mais reconhecidas aberturas de todos os tempos, a estranha introdução num Wurlitzer, dá a ‘Moonmadness’ um ponto de partida no mínimo inusitado. Composta e tocada por Latimer, com certa colaboração de Andy Ward, combina-se perfeitamente ao título do álbum. “Eu tinha composto a faixa em casa, mas não colocara ainda um nome. Levei à banda e Andy sugeriu Aristillus. Perguntei por quê e ele me respondeu que era o nome de uma cratera da lua. Adorei.” “Aí Andy descobriu outra cratera, bem ao lado de Aristillus, chamada Autolycus. Então ele disse: ‘Deixa eu tentar dizer a letra bem rápido por toda a faixa’, o que era algo extremamente difícil de se fazer. Ele ria bastante, mas continuou: ‘Aristillus, Autolycus, Aristillus, Autolycus’, até o fim. É algo que vai e vem, pode prestar atenção. Mas estávamos totalmente às gargalhadas.” ‘Moonmadness’ foi lançado a 26 de Março de 1976. Na Inglaterra e Europa, chegou com a capa tradicional, desenhada por John Field. Do outro lado do Atlântico, ganhou outro design, em estilo cartunesco, mostrando um camelo de traje espacial sobre a lua. Por sorte, a banda preferiu encarar a versão com bom humor, transformando-se o episódio em futuro deleite para os colecionadores e completistas em geral.
8
“Tinha acabado de ler um livro de Henry Williamson chamado Salar The Salmon, e havia uma frase nele, algo sobre ‘o espírito da água’. Falei para Pete e comentei que daria um bom título.”
“Tivemos um senhor problema com a capa nos Estados Unidos. A versão europeia fôra perfeita, também em capa dupla, o que as gravadoras normalmente interrompiam com o tempo, pelo custo. Mas estávamos satisfeitos com ela. Foi quando ouvimos que tinham achado a ideia muito sutil para os americanos. Aí vieram com a concepção do camelo em traje espacial, que também achamos super divertida. Aproveitamos para usá-la em material de merchandising mais tarde.” Apesar da vendagem inicial desapontar em relação ao sucesso de ‘Snow Goose’, ‘Moonmadness’ terminou chegando ao número 15 nas paradas inglesas, mais tarde atingindo sete pontos acima do álbum citado, o que lhe daria o título de recordista em vendagem do Camel.
O Camel em Londres, a 29 de Outubro de 1972, pouco antes da gravação do primeiro álbum
À época, a resposta da crítica foi confusa, alguns clamando que o Camel havia perdido o rumo, outros saudando a evolução da banda. Para Andy Latimer, o processo de gravação de ‘Moonmadness’ tinha sido tão agradável e os resultados tão satisfatórios, que qualquer desconfiança ou fofocas sobre a insegurança da gravadora, era fácil de descartar. “Pelo que me lembro, a resposta foi ok, apesar de inferior a ‘The Snow Goose’, mas dá para você imaginar. Você é o Fleetwood Mac e faz ‘Rumours’ vender 20 milhões; depois, ‘Tusk’, que vende 5 milhões o que não é tão bom quanto 20, mas dificilmente será considerado fracasso. Então, foi tipo isso.” “De início, ‘Moonmadness’ não foi tão bem, mas não queríamos saber se tinha
sido um fracasso ou se as coisas não haviam saído como pensávamos. Só queríamos saber de seguir em frente e fazer algo mais. Não nos incomodava o fato de termos gravado um disco que não vendera. “Pensando bem, é fácil olhar pra trás e supor, ‘Isso foi um erro’. Quando você critia seus próprios discos, fica tipo ‘hmmmm, não era tão bom quanto eu achava’. Mas tudo é parte de crescer, eu acho, e não sinto isso em relação a ‘Moonmadness’. Em 2018, Andy Latimer demonstrou seu amor pelo álbum, tocando-o de ponta a ponta, assim como fizera com ‘The Snow Goose’ cinco anos atrás. Apesar de muitas das faixas de ‘Moonmadness’ serem instituições do repertório da banda ao vivo por muito tempo, o Camel nunca tocara o álbum inteiro antes. Consequentemente, Latimer admite ter descoberto uma nova apreciação pelo disco e os músicos que o gravaram, o que o inclui. “A execução do álbum termina muito rápido no palco, porque é um disco curto, mas o clima se altera drasticamente entre os números”, considera. “Tocamos algo como Spirit of The Water e de repente já estamos em Another Day, partindo para Air Born e dali para Lunar Sea. Então, há um monte de variações quanto tocamos o material ao vivo. Também não há apresentações entre as faixas - tentamos tocar de modo extremamente fiel ao original, apenas como uma peça única, e a coisa se desenrola muito bem. Mas tem sido um desafio.” “Antes de começarmos a ensaiar para essa tournée, eu estava ouvindo Lunar Sea, ouvindo o meu solo, e pensei: ‘Não consigo tocar mais isso. O que foi que eu fiz? Simplesmente não dá para tocar mais aquilo’. Mas você tenta fazer o seu melhor, claro”. Após 42 anos de lançado e ainda pulsante, ‘Moonmadness’ jamais perdeu seu appeal musical, e a tour atual do Camel parece reforçar sua reputação. Relutante ao apontar exatamente o que teria tornado o álbum um verdadeiro marco para a História do Rock Progressivo, Latimer aponta que existe algo de eterno frescor no som e no sentimento de se ouvir o disco, tanto para os músicos destinados a tocá-lo, quanto para aqueles que o ouvem. “A banda se encontrava num grande momento. Ainda estávamos engrenando, movendo-nos na direção certa e tocando em lugares cada vez maiores, conquistando maior reconhecimento, então, era uma época incrível. Também, com o som em evolução. As pessoas parecem adorar isso. Acho que fizemos algo certo.”
CAMEL - ‘MOONMADNESS’
1. Aristillus; 2. Song Within a Song; 3. Chord Change; 4. Spirit of The Water; 5. Another Night; 6. Air Born; 7.Lunar Sea P. 1976 - The Decca Record Co.
9
TST The Sound Tribune
P - Rodrigo Hammer Curta e compartilhe