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SEPULTURA
resistência e adaptação
resistência e adaptação
Se tem algo que os Sepultura tão bem demonstraram ao longo de seus quase 37 anos de existência é a enorme capacidade de resistência e adaptação. Implacável e incansável, rompendo a barreira inexorável do tempo, o grupo se notabilizou pela persistência. Refuse/Resist – recusaram e resistiram – todas as adversidades. Empurrando o tempo sempre para o adiante. Respeitando o passado, vivendo o presente, porém levando para a frente todos os aconteceres. A necessidade, rubra de tão forte, de seguir sempre adiante. Quando lançaram o aclamado Quadra em fevereiro de 2020, os Sepultura tinham a agenda preenchida de março a dezembro. A pandemia da Covid-19, entretanto, forçou a banda a mais uma adaptação em sua carreira. Todos em casa, músicos, crew, fãs, era impossível excursionar e dar concertos. Em março de 2020, tudo eram dúvidas, questionamentos, todo o mundo tentava aprender a conviver com uma ameaça cujas proporções eram desconhecidas. Em meio ao caos e às incertezas, surgiu a ideia da SepulQuarta. Eventos semanais em que os Sepultura se apresentavam de forma direta aos seus fãs. Um conceito que buscava inspiração nas concepções do Quadra: realizado inicialmente às quartas-feiras, iniciando-se às quatro da tarde no horário de Brasília e dividido em quatro partes - introdução, o direto sempre com convidados e aberto a perguntas dos fãs, a performance da música e o storyteller.
De uma destas seções deste evento semanal, surgiu o novo álbum SepulQuarta. Um lançamento que não fora planejado por Andreas Kisser, Paulo Jr., Derrick Green e Eloy Casagrande quando, lá em abril de 2020, iniciaram as transmissões no canal de YouTube da banda na qual executavam uma “versão de quarentena” de alguma de suas músicas. Muitas destas versões contaram com a participação de diversos convidados ilustres, todos amigos da banda, e 15 delas estão incluídas neste álbum, lançado oficialmente no dia 13 de agosto, via Nuclearblast.
Em uma conversa de cerca de 45 minutos, o guitarrista Andreas Kisser contou a Versus Magazine como surgiu a ideia e a concepção do evento semanal SepulQuarta e de que forma isto evoluiu para o álbum homónimo. Explicou-nos porque algumas das versões ficaram de fora, abordou as transmissões feitas com ícones da cultura brasileira como Ney Matogrosso e Zé Ramalho, deixando em aberto a possibilidade de no futuro voltarem a se apresentar com Zé Ramalho e a vontade de fazer algo com Ney Matogrosso. O músico falou, ainda, sobre a questão ambiental, um tema cuja preocupação da banda se encontra expressa desde o Chaos AD e que mais recentemente voltou à baila com a situação amazónica e que foi documentada no videoclipe de “Guardians of Earth”, também lançado durante o confinamento.
Entrevista (em Português do Brasil): Emanuel Leite Jr. (com Eduardo Ramalhadeiro) Fotos: Marcos Hermes
“A banda não é só no palco, a banda conversa fora dele. A banda briga. A banda fala de futebol.
Antes de falarmos sobre o SepulQuarta, queria começar a falar sobre o contexto que vos levou a essa experiência. Ou seja, a pandemia. Pois é. Foi a pandemia que forçou a gente a buscar um caminho diferente. A gente estava com um disco que havia saído em fevereiro de 2020. A expectativa era excelente, foi muito bem aceito. As turnês também. O ano 2020 estava repleto de shows, América do Norte, depois Europa, todos os festivais.
Pois é, vocês lançaram o Quadra em fevereiro de 2020, um álbum aclamado pela crítica e adorado pelos fãs – considerado por muitos o melhor álbum do ano e um dos melhores da vossa carreira. A pandemia impediu que vocês fossem para a estrada… Com pandemia ou não pandemia, cada dia é um novo dia. Obviamente que você tem um planejamento, mas eu acho que as coisas mudam e tudo mudou não só para o Sepultura, mas para todo o mundo. O que deu essa possibilidade de a gente saber que estava todo mundo em casa, os fãs estavam em casa, não podiam ir ao show, as bandas não podiam sair, etc. O Charlie Benante começou a fazer algumas colaborações com vídeo, cada um na sua casa, fazendo um som, uns covers. O Metallica começou o Metallica Monday, com shows completos e exclusivos em streaming. Em abril, depois que fechou tudo na segunda semana de março, eu conversei com a banda e passei essa ideia, disse que a gente precisava inventar alguma coisa para não perder o contacto com a galera e meio que nesse formato dos vídeos do Charlie e de uma vez por semana ter um evento, a gente criou o SepulQuarta. Obviamente com o conceito ainda do Quadra, geometria, quadrivium, o quarto dia da semana, começava às quatro da tarde no Brasil e dentro desse evento, quatro eventos: que eram a introdução, o live Q&A, a performance da música e o storyteller, em que a gente lembrava coisas do passado. Então, isso salvou a banda! Eu não imaginaria o Sepultura sem o palco, sem turnês. Aliás, a gente nunca fez um Sepultura diferente disso. A gente sempre estava sempre em show, sempre em turnê. Era a nossa vida. E o passo seguinte de divulgação do Quadra era turnê. Que é o principal, merchandising e tudo. Então, o SepulQuarta foi o nosso palco, nosso backstage, nosso tour bus. A banda não é só no palco, a banda conversa fora dele. A banda
briga. A banda fala de futebol. Fala de tudo. Isso é ser banda. É você ter um relacionamento além do lance profissional. O SepulQuarta foi isso. A gente toda quarta-feira estava unido, conversando, quem é que a gente vai chamar, qual música vai tocar, qual vai ser o tema do live Q&A. Isso manteve a gente muitor unido. É bom ressaltar que a gente não planejava fazer um disco disso. Mesmo porque a gente não sabia quanto tempo ia durar isso. Lá em março falavam “em julho já está tudo beleza”, “em agosto já está tudo certo” e porra nenhuma, estamos aqui ainda, né?
Sim, é verdade. E o SepulQuarta a gente foi fazendo, de acordo com os dias, já que não tinha possibilidade de volta. Aí ali para o fim de 2020 a gente começou a fazer quinzenal e para 2021 a gente resolveu parar. Foi aí que a gente viu que tinha um material fantástico nas mãos, com incríveis convidados. E, principalmente, com versões únicas. Não é um disco ao vivo e nem é um disco de estúdio. Está cada um na sua casa, gravando de uma forma diferente. A gente nunca tinha feito um disco nesse formato. Aliás, nenhuma banda havia feito um disco nesse formato. Esse é o primeiro disco assim.
Então, era sobre isso que eu queria comentar. O processo de gravação foi completamente diferente. Para vocês é uma experiência nova. Total! Foi uma porta que se abriu. Não que vá substituir o estúdio ou a turnê. Obviamente que não. Mas, é uma possibilidade a mais. Imagina o que seria fazer um disco com todos esses convidados, o trabalho que não ia dar, o tempo, a necessidade de viajar, hotel, horário em estúdio, montar três baterias para fazer a “Ratamahatta”, por exemplo (risos).
Pois é! (risos) Nesse formato foi muito simples, cara. Muito rápido, cada um fazendo no seu tempo, no seu espaço, na sua maneira. Por exemplo, o Charles Gavin dos Titãs mandou a bateria dele gravada só do telemóvel – áudio e vídeo – lá da fazendo dele. A filha dele gravou e ele mandou. E está no disco. Também é importante falar que no disco a gente não fez nenhum overdub, só porque ia para o disco. Obviamente a gente fez uma remixagem, algo mais profissional, masterização, etc. Mas, não teve nenhum overdub, de nada, nem dos convidados, nem nosso. Então, é um disco muito autêntico, espontâneo e que é um formato diferente. É um formato novo, que acho que nem tem nome. E a gente nem ficou pensando muito em super produção. Porque normalmente quando você vai para o estúdio tem que pensar demais, aí quando você vai escutar a demo fala “porra, na demo estava melhor, hein?!” (risos) E isso acontece direto. Então, é aquela coisa, na demo você está mais espontâneo, no estúdio você começa a pensar demais, você perde. Para a gente é muito importante essa espontaneidade. E o SepulQuarta é 100% espontâneo.
Quem fez a mixagem? Foi o Conrado Ruther, que é um amigo nosso, profissional aqui no Brasil. E a “Mask” foi a única faixa mixada pelo Devin Townsend. Ele pediu para mixar. Afinal, ele é um super produtor.
Vocês convidaram uma série de pessoal para participar. Como foi esse processo? Foi fazendo contato com os amigos? Afinal, vocês são amigos de todos, né? Total! Foi ligar para os caras e falar “Estamos fazendo isso. Está afim de participar?”. Todo mundo falou sim. Eu falei com o Schmier do Destruction, por exemplo, mas ele estava sem data, mas não que ele não quis fazer, ele agradeceu, só que não deu. Mas, 98% deu certo. Mesmo quando eu voltei a falar com os convidados, quando disse que a gente ia fazer o disco e todos eles assinaram, autorizando de maneira tranquila. Foi muito fácil. Foi muito legal.
E qual foi o critério para a escolha das músicas? Claro, Phill Campbell em “Orgasmatron” foi por uma razão óbvia, bem como a Emily Barreto em “Fear, Pain, Chaos, Suffering”. Mas, e com os demais convidados, como foi essa escolha? Tem várias obviedades. Tipo, “Ratamahatta” com três bateristas. Matt Heafy do Trivium, eles já gravaram uma versão de “Slave New World”, então foi uma boa oportunidade de fazer junto com ele. “Sepulnation” com Danko Jones, foi ele quem escolheu a música, porque ele conhece mais o Sepultura do que eu, toda a banda e você (risos). Ele realmente é estudioso, conhece tudo dos discos, de cada música. A gente passou para ele acho que quatro ou cinco opções e ele escolheu a “Sepulnation”. E a gente também aproveitou esse formato para tocar uns lados B, lados C. “Apes of God”, “Hatred Aside”.
“Hatred Aside” ficou muito boa, inclusive! Pois é, com as três mulheres nos vocais. A gravação original já tem três vocais, que é o Derrick, eu e o Jason Newsted. Foi meio que óbvio a gente pensar “vamos fazer Hatred Aside com elas”. Então, cada uma tem a sua história. E o setlist foi sendo feito sem pensar. Porque a gente pensava de quarta em quarta. A gente não estava montando um álbum. Tanto é que tem músicas que ficaram fora do disco.
Pois é, eu ia perguntar sobre isso. Nem todas as músicas que vocês tocaram neste projeto entrou no álbum. As que não tinham convidados, eu entendo o porquê. Mas, de cabeça, lembro da versão de “Biotech is Godzilla/Polícia” com Tony Bellotto (Titãs) e Shavo Odadjian (System of a Down) que não entrou. Por quê? Porque a gente quis manter
alguma coisa para o futuro, entende? São versões fantásticas e exclusivas, como todas do SepulQuarta. Só que a gente já tinha 15 músicas, já estava um disco bem completo. A gente tem “Meaningless Movements” com o guitarrista do Jinjer, “Desperate Cry” com dois bateristas, com o Jason Bittner do Overkill, e essa que você mencionou com o Shavo do System of a Down e o Tony Bellotto do Titãs. Isso a gente deixou para algum lançamento no futuro, para ter algo na manga mesmo.
Entendi. Por coincidência, com exceção de Orgasmatron, não há nenhuma música do Arise na SepulQuarta. Por isso. A gente não tinha intenção de fazer um disco. A gente não estava equilibrando. Tanto que a gente estava fazendo pela SepulQuarta. Então, foi isso, a gente escolheu aquelas músicas para o disco e manteve outras para lançamentos mais para a frente.
Vocês aproveitaram a SepulQuarta para lançar o clipe da música “Guardians of Earth”, feito em parceria com a organização sem fins lucrativos Amazon Frontlines. É um clipe fantástico, de uma faixa musicalmente sensacional e cuja letra traz uma mensagem fundamental. Como foi que se deu esse contato com a Amazon Frontlines? Foi através do Derrick. Ele tem o contato direto com a Seashpherd, que também participou de uma SepulQuarta. E através deles o Derrick conheceu a Amazon Frontlines. E eles foram fantásticos. Eles têm um acervo de imagens que é inacreditável e abriram esses arquivos para o diretor e o Raul montou um clipe maravilhoso. A gente usou o SepulQuarta para isso, já que era tipo o nosso programa de TV, aquela coisa semanal, que tinha as novidades, com interação com os fãs e para colocar algo oficial mesmo, usar como plataforma oficial do Sepultura.
Foi uma forma de se comunicar diretamente com o fã, né? Exato! E foi lindo. O impacto do vídeo foi assombroso! Foi maravilhoso. Gente que nunca tinha ouvido falar do Sepultura, inclusive. E, cara, o momento que o Brasil está passando, com esse governo, a destruição ainda mais rápida e letal desse governo, então acho que chegou em boa hora. E não foi uma coisa de aproveitar
a situação e fazer. É algo que o Sepultura sempre fez. Aliás, essa música foi escrita três anos atrás, dois anos antes do disco – foi uma das primeiras músicas que eu fiz.
O Sepultura sempre se notabilizou por ter letras conscientes, com manifestos e denúncias. Falando sobre a questão indígena e do meio-ambiente vocês têm, por exemplo, Kaiowas (que tem versão na SepulQuarta com Rafael Bittencourt do Angra) e Ambush, que fala do Chico Mendes, que era um ativista da causa ambiental. É lamentável, passados quase 30
anos desde o Chaos AD, vocês têm “Guardians of Earth” vindo com este clipe que é também necessário no momento. É um vídeo que já nasce histórico, como um documento do momento que a gente vive no mundo. Como é que você vê essa situação? A gente sempre tocou nesse tema. Sempre falou disso e de forma mais intensa no Roots, principalmente. Mas, sempre teve elementos da música indígena, pois sempre foi nossa intenção fazer algo mais cultural. Acho que a gente tem muito a aprender com os indígenas, principalmente na relação com a natureza, o uso da água, coisas das quais a gente depende para sobreviver. Para mim é um absurdo isso de a gente ter que pagar para tomar água. O processo de engarrafar, em plástico, algo essencial para nós que é beber água. É uma coisa sem noção. A gente tem que lutar por uma relação mais saudável com a natureza, menos predatória. Está cada vez mais predatória. Até por causa do modus operandi da indústria e também dos nossos hábitos mesmo. Entendo que como músico e artista, temos que usar a mundial. No nosso caso, a gente tem um presidente que estimula a estupidez, a ignorância, a falta de respeito, a não escutar e apenas ditar, como uma doutrina, um dogma.
O pior desse governo do Brasil é que ele representa a antítese de tudo o que temos. Ele colocou como ministro do MeioAmbiente um negacionista que, inclusive, agora é investigado por envolvimento em venda ilegal de madeira, ele coloca à frente da Fundação Palmares uma pessoa
nossa música para expressar esse tipo de coisa, para fazer parcerias como com a Amazon Frontlines, para chamar a atenção. Porra! Foi do caralho quando a gente lançou a “Guardians of Earth”. Eu recebi mensagens da Sibéria, por exemplo, falando que lá eles estão enfrentando problemas parecidos em suas florestas. Pessoas da Tailândia, dos EUA, de diversos países, não obviamente falando sobre a floresta Amazônica, mas sobre a questão da natureza, tribos e rios, principalmente. Esse é, infelizmente, um problema que nega a existência de racismo no Brasil. Exato! Mas, a verdade é que o Brasil está largado já há muito tempo. Agora o que esse presidente está fazendo é um processo mais destrutivo, mais rápido. Ele ligou o “foda-se” e governa para os apoiadores dele, gente da Igreja, seja lá quem for. Nessas motociatas, o cara só fala da esquerda, de pão com mortadela. Mano! O Brasil é muito maior do que isso. É muito maior que essa briga de direita contra esquerda. A gente regrediu muito por causa dessa disputa ideológica.
A gente tem que viver o presente de forma a projetar o futuro. Essa questão do meio-ambiente é um exemplo. Exato. Mas, pensar o presente também. Essa questão de a gente ter que pagar para tomar água é absurdo, velho! É uma questão da nossa sobrevivência. Primeiro, vamos tomar água e vamos comer, depois a gente briga, beleza? (risos)
Eduardo: O que eu admiro em vocês, entre outras qualidades, é a vosso ecleticismo. Foi genial vocês convidarem o Ney Matogrosso e o Zé Ramalho, do qual eu tenho o vinil do Roque Santeiro que comprei por causa do “Mistérios da Meia Noite” Sensacional!
Eduardo: Disseste que estavas nervoso, é verdade? É sempre assim, né cara? Eu vejo os caras do Metallica, do Black Sabbath e vou ficar nervoso para sempre. O Scott Ian que é meu amigo, mas sempre estou assim, vai ser sempre ídolo. É difícil, quando você é fã, mesmo que você conheça o cara. Tipo o Jason Newsted, eu tinha uma amizade com ele de quase nos falarmos todos os dias, mesmo assim era “porra, Metallica”. E Zé Ramalho é a mesma coisa, o Ney Matogrosso. São dois ícones da música brasileira. São caras com estilos muito próprios. Principalmente o Ney Matogrosso, sendo homossexual, sempre de peito aberto, encarando a situação, não tentando esconder. Um cara que na década de 1970, velho, ser o que ele é, de maneira aberta, no possível da época, e isso é muito estimulante. É um cara de verdade. Um cara que sabe o que quer e luta pelo que ele quer. E o Zé Ramalho também. Um cara do Nordeste. Você é nordestino, Emanuel, sabe como é aqui no Brasil. E a gente aprende com esses mestres. O Zé Ramalho é um desses. É um privilégio de trabalhar com um cara desses. Como foi que aconteceu esse contato com o Ney Matogrosso? Com o Zé Ramalho vocês já têm uma relação, mas com o Ney Matogrosso? Admiração. Eu já conhecia o Ney, de nos encontrarmos em alguns eventos, de tirar fotos. Mas, é admiração. Secos e Molhados! Um dos pioneiros do Rock. Aquele lance da pintura, a influência sobre o Kiss, eu sempre quis conversar sobre isso. Ele foi super solícito e ficou muito feliz. Foi um dos melhores Q&A que a gente fez, um dos que teve mais visualizações
O fã do Sepultura já se acostumou a essas parcerias fora da caixa, digamos assim, para os padrões conservadores do Metal. Porque o headbanger é bastante conservador em relação ao Metal. Ainda é. É verdade.
Mas, o fã do Sepultura já se acostumou que a banda é isso, pensa fora da caixa, vai além. E a live com o Ney Matogrosso mostra isso. Sem dúvida. Foi das mais assistidas.
Já agora, de que forma Zé Ramalho e Ney Matogrosso te influenciaram como músico? Em todos os aspectos. Tudo o que você escuta te influencia. Até a Anitta se você escutar no rádio do Uber vai te influenciar – ou a fazer ou a não fazer (risos).
Aproveitando, deixa eu te fazer uma pergunta. Vocês nunca pensaram em falar com a Pablo Vittar? Ela é fã de Metal. É verdade. Já ouvi dizer isso mesmo. - Pois é. É capaz de curtir Sepultura também. Seria interessante. O Sepultura está aberto. Você vê o Metallica fazendo som com a Lady Gaga, que também conhece muito Metal. E Pablo Vittar também tem essa capacidade vocal. E se conhece Metal, ajuda demais a fazermos alguma coisa juntos. O Zé Ramalho, por exemplo, o repertório dele quando a gente foi fazer a pesquisa para fazer juntos, era rock’n’roll. Década de 1970 era tudo Rock na verdade. Os Novos Baianos, por exemplo.
Alceu Valença também. Sim! Alceu Valença também. Os caras tocavam e você ouvia guitarra mesmo, rock. Pepeu Gomes. O Rock na década de 1970 era muito mais presente em outros estilos. Na Jovem Guarda também.
Pois é, muito da Jovem Guarda tinha influência do Rock italiano. Pois é! Exatamente. Total. “Tomo um banho de lua” e outras músicas. Então, o rock nos anos 1970 e 1980 era muito forte, uma coisa natural, não era algo forçado. Por isso, foi muito fácil fechar um repertório com o Zé Ramalho e a voz dele encaixou muito bem com o Sepultura. Mesma coisa com o Ney Matogrosso se eventualmente a gente fizer alguma coisa juntos. Ele tem o DNA roqueiro.
Com o Zé Ramalho vocês já haviam gravado “Dança das Borboletas” para a trilha de Lisbela e o Prisioneiro, além de terem tocado juntos no Rock in Rio, dando origem ao ZéPultura. Será que no futuro é possível novamente alguma parceria com o Zé? Com certeza! A nossa vontade é fazer um show completo. No Rock in Rio foi mais curto. Tem espaço para a gente fazer mais coisas.
E Ney Matogrosso? Já chegaram a falar? Deixar algo em aberto? Falar ainda não, mas em aberto sempre. Acho que também tem que ser algo que tenha uma energia que valha a pena, no sentido de não fazer por fazer. Acho que essa coisa da química, de um certo objetivo que a gente tenha junto. O Zé Ramalho a gente já tinha feito a trilha sonora e a nossa vontade era mesmo de fazer algo no palco.
Zé Ramalho também participou do teu álbum solo, Hubris.
Sim, fez “Em Busca do Ouro”, que é uma música sensacional. Uma letra de Tony Bellotto e música minha. Fui gravar no Rio de Janeiro, Zé Ramalho passou a música duas vezes e resolveu.
Tem até clipe da música. Sim, quem fez o clipe foi um pessoal da Metodista de São Bernardo, que estava se formando em cinema. Eu não gastei nada com o clipe e eles fizeram um trabalho fantástico. E como eu não pude estar junto com o Zé Ramalho, a gente inventou aquela coisa do telão.
Eu lembro de ter te sugerido um convite ao Fernando Ribeiro, do Moonspell, para a SepulQuarta. Acho que as duas bandas têm muito em comum, a começar por partilharem a mesma língua-mãe, mas também pela trajetória, principalmente pelo reconhecimento em casa só ter vindo depois do sucesso internacional. O Fernando até foi entrevistado no teu programa de rádio com o teu filho, Yohan, o Pegadas de Andreas Kisser. Chegou a rolar um convite para a SepulQuarta? Não rolou porque não teve espaço, realmente. A gente falou muito do Moonspell. Inclusive, um dos nossos empresários trabalha com o Moonspell também. Eu tenho muito contato com o Fernando. Eles estão com a página do Patreon e a gente está abrindo a nossa e ele tem ajudado muito a gente nesse aspecto, sabe? Pela própria experiência que ele tem. A gente se conhece muito bem, tem um contato bom com o Moonspell. Infelizmente, não deu por falta de calendário mesmo. Mas, o SepulQuarta pode voltar a qualquer momento. É uma possibilidade que a gente abriu e não é porque a gente parou em 2020 que nunca mais vai voltar.
Confesso que eu sou bastante pessimista em relação ao nosso futuro. Não acredito que um dia voltemos ao que chamávamos de “normalidade”. O que tu achas? Com pandemia ou sem pandemia, eu não sei o que é “normalidade”. Normalidade é voltar ao quê? Três anos atrás, 10 anos atrás, 20 anos atrás? Tudo muda. A gente tem que aceitar. A gente tem essa ilusão de que controla a nossa vida, que tem escolhas. E não é assim. Muitas das coisas que acontecem a gente não tem controle nenhum. E a gente vai se adaptando. Como artista, a gente está muito acostumado com isso: agora não é mais vinil, é CD; agora não é mais CD, é Napster, é download. Então, a gente tem que ir se adaptando. Eu nunca fiquei buscando volta para nada. É o presente que existe. A nossa relação com o passado e o futuro é sempre feita hoje, agora. Nesse aspecto, eu não tenho ansiedade de volta nenhuma. É trabalhar com os elementos que a gente tem nas mãos, que estão sempre mudando. Max Cavalera saiu da banda e não tem mais Max, tem Derrick, então vamos trabalhar com ele e não pensar em voltar a uma normalidade. Como se uma volta do Max fosse voltar para alguma normalidade.
Isso é verdade. Estamos em 2021, não tem como voltarmos para 1996. Pois é. O que é o Sepultura? O Sepultura se cria todos os dias. Aliás, acontece isso com as nossas vidas, todos os dias. També não estou com medo do futuro. Nunca tive medo do futuro. Porque a gente vive hoje. Todo dia vai ser um dia. Lógico, a gente tem responsabilidades, consequências de outras histórias e memórias, para não fazer certas coisas, você tem que ser responsável. Mas, não ficar preso ao futuro, porque ele não existe, nunca chega, pois o que chega é sempre o presente. E o SepulQuarta foi isso. Caralho! Turnê pronta, tudo ensaiado, show perfeito, bilhetes vendidos. Acabou de uma hora para outra, da noite para o dia. No dia seguinte eu já tinha outra ideia na cabeça. Não dá para sair em turnê?! Vamos inventar outra coisa. SepulQuarta foi o que nós inventamos. E o Sepultura ficou muito mais forte. Eu não imaginava o Sepultura fora de turnê e a gente viu que o Sepultura é possível sem estar no palco. Obviamente que por um período limitado, não quero ficar aqui para sempre. Mas, acho que foi um período de transição e de possibilidades que se abriram. Aí sim, para o futuro, de ter uma nova maneira de gravar um disco, fazer um vídeo-clipe dessa forma, com convidados de várias partes do mundo. De repente um diretor de cinema está em Londres e te liga dizendo que está mandando alguém ir onde você está para te filmar. Com o Derrick foi assim – olha estamos mandando alguém para filmar você – quando fizemos “Guardians of Earth”. Enfim, esse aspecto sim.
Então, eu puxei esse assunto para perguntar sobre seja como for essa questão do futuro, achas que no futuro, quando passarmos realmente por um processo de maior (re)abertura, as bandas e os músicos possam usar esta experiência adquirida no confinamento ou esta forma diferente de trabalhar para fazer algo de diferente? Sim! Sem dúvida. Tudo muda, tudo está sempre mudando. Eu tenho isso muito claro na minha cabeça. É algo que é sensacional. Você acha que tem as coisas prontas e vai ser assim para o resto da vida? Não tem essa ilusão. As coisas realmente mudam. A mesma coisa é com o vírus. A gente vai ter que aprender a viver com o vírus, pois ele não vai sumir. Vai ficar aí para a geração da sua filha, dos seus netos. A gente vai aprender a viver com isso como vive com febre amarela, com varíola, etc. E isso é mais uma delas. E o mundo da música vai ter que se adaptar. A gente tem que aprender a conviver, não é ignorar. O que as pessoas estão tentando fazer é ignorar. Mas não se pode ignorar o vírus. Ele existe e está aí. A gente tem que aprender a conviver com ele.
Por exemplo, quando a gente foi para a Índia. Se a gente não tivesse vacina contra febre amarela não entraria na Índia. Isso sempre teve. Aliás, existem lugares dentro do próprio Brasil para os quais você nem pode ir se não tiver vacinado para a febre amarela. Agora temos uma nova vacina.
Isso de aprender a conviver com o vírus nós temos visto aqui em Portugal. Eu, por exemplo, fui a jogo de futebol. Certificado digital de vacinação no telemóvel, máscara no rosto, álcool em gel no bolso, distanciamento entre as cadeiras e estava lá. Sensacional!
Aliás, o Moonspell já fez alguns concertos também. Sim, acompanhei. Acho que a gente vai ter que ir aprendendo mesmo com acerto e erro. Quanto mais o tempo passa, mais a gente vai ter informação acerca desse vírus. Em março de 2020 era o caos total, ninguém sabia nada. Agora a gente já vai sabendo, temos as vacinas, sabemos que não é tão transmissível pegando em superfícies. A gente sabe que não pode ficar em um lugar fechado com muita gente, etc.
Então, falando de futuro deste futuro mais próximo, vocês têm turnê agendada para a Europa em novembro e dezembro. Tocam no Porto dia 18 de novembro, inclusive. Como está a vossa expectativa para, finalmente, poderem voltar à estrada? Espero que aconteça, né? A gente tem visto muita turnê sendo interrompida por causa de infecções. Muitos países na Europa que têm fronteiras fechadas, vacinas que não são aceitas. Não dá para a gente fazer turnê assim, né?
Pois é. No Brasil muita gente tomou a vacina da Coronavac, que ainda não é aceita pela União Europeia. Pois é. A gente não tomou Coronavac, por acaso. Mas, é isso. Sei que alguns países estão se abrindo aos poucos. No contexto europeu, fazer turnê como a gente fazia, até agora hoje ainda não é possível.
E como está, então, a logística para esta turnê do fim do ano? As datas estão mantidas? Sim, estão mantidas todas as datas. A gente se baseia nisso. Nós estamos prontos para sair em turnê. Lógico, a gente tem que fazer alguns ensaios para pegar o ritmo. Mas, também, ritmo só em shows, porque é como no futebol. Não adianta de nada deixar o cara treinando seis meses se não colocar em campo. É outro ritmo, outra intensidade. Verdade. Tanto que as apresentações tendem a melhorar com a passagem da turnê, né? Exato. E é isso que a gente precisa para o Quadra, para evoluir, desenvolver, para o próximo disco.
Por sorte, vocês tocam no Porto já a meio da turnê. Já vamos ver vocês engrenados. Assim espero (risos).
Vocês pretendem fazer um setlist especial, devido ao tempo parado por conta da pandemia? Ou vão focar no Quadra? O foco é Quadra, total. A gente está com sete músicas do Quadra no setlist. A gente está muito ansioso nesse aspecto, de tocar as músicas novas. E a galera quer ver isso também. Devem se perguntar – será que eles conseguem tocar “Pentagram” ao vivo? E nós conseguimos! (risos). Aliás, foi a música mais difícil de pegar nos ensaios, mas a gente pegou ela, está fantástico. Então, é esse tipo de coisa que a gente precisa desenvolver, evoluir para um próximo estágio e sem o palco a gente não consegue isso. É isso, Andreas. Chegamos ao fim da nossa conversa. Obrigado pela atenção. Eu que agradeço.
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