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EMANUEL RORIZ A CULPA É DO CEMITÉRIO

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A culpa é do cemitério…

Por: Emanuel Roriz

Depois de vos ter contado a história de como o heavy metal chegou até mim, nos tempos em que se desconhecia o streaming ou até o download ilegal, vou voltar novamente atrás no tempo e relembrar o primeiro encontro com obras que deixaram marcas até aos dias de hoje.

O nome deste disco, Iowa, advém do facto destes 9 músicos serem oriundos desse estado inóspito, algures nos EUA, sobre o qual diziam não haver mais do que cabras e terra árida. Era estranho um nome assim. Imaginava como seria, se eu, um músico com exposição a nível mundial, decidisse intitular de Tibães, o meu segundo disco de originais. Fiquei absolutamente incrédulo quando ouvi o que o Corey berrava no refrão da faixa 2 deste disco. Mais ainda, aquelas palavras eram também o nome dessa canção. Uma equação matemática. Era, portanto, um dizer exacto. Para além da música que nos agradava, mas que desagradava a muitos mais, existiam estas palavras que

nos deixavam extasiados e novamente incrédulos. Como é que se atreviam eles? Quando encontrei um patch bordado, com o nome desta canção número 2, à venda numa loja do centro de Braga, não resisti a comprá-lo e a minha mãe lá fez o favor de o coser muito bem na minha mochila. A meio de uma aula de Ciências da Terra e da Vida, a mochila foi suavemente censurada pelo Professor. “De quem é esta mochila?”. Perante o abanar de cabeça reprovador foi melhor para mim não fazer mais do que assumir a pertença dessa.

Foi também por esta altura que os Slipknot passaram por Vieira do Minho. Transformaram a Ilha do Ermal num verdadeiro Arraial Minhoto. Dançamos do início ao fim do concerto. Quando a meio quisemos trocar de sítio porque ali ninguém parava de dançar, foi ainda pior. Deste não me esqueço!

Meses mais tarde, no Porto, tive a feliz oportunidade de privar com o Corey Taylor, quando este passou pelo antigo Hard Club com os seus Stone Sour. Na conversa após o concerto, pedi-lhe que o próximo álbum dos Slipknot fosse ainda mais pesado do que o Iowa. Ele respondeu-me “Trust me man, it’s gonna be brutal!”. Mentiu-me, este Iowa tinha deixado a fasquia demasiado alta.

Saudações, Alexander! Espero que estejas bem. Alexander von Meilenwald – Bastante bem, obrigado. As coisas estão muito paradas por enquanto, estamos à espera de poder começar os ensaios com as novas canções, mas, como deves ter visto na comunicação social, a Alemanha não tem sido um exemplo perfeito de como enfrentar a pandemia, pelo menos se o vírus se recusar a obedecer à lei germânica. Portanto, temos de nos sentar e esperar, o que é extremamente aborrecido.

O nome do álbum pareceu-me muito intrigante. O que são estes “Thule grimoires”? Dentro da história do álbum, são pergaminhos estrangeiros enterrados em terrenos baldios, que tratam da forma como o habitat humano está a perecer. De uma forma simbólica, eles são uma entidade virtual que representa as línguas da natureza, porque estes livros são um testemunho dos espíritos da natureza, que contam como estes puniram os humanos infratores, que confiavam demasiado na sua superioridade relativamente às leis e poderes da natureza e se sentiam invulneráveis devido a uma ideia abstrata de abrigo, que, de facto, não existia. Portanto, obviamente, temos aqui uma acusação fictícia dirigida a nós, humanos, falando de arrogância, escrita em livros virtuais da natureza.

Este álbum tem alguma coisa a ver com o mito de Ultima Thule? Num nível metafórico, estão ligados. A fascinação científica pelo conceito de “Ultima Thule” assenta na impossibilidade de descobrir a sua localização. Bem, pelo menos para mim é, e é disso que fala o álbum. Thule era obviamente um pedaço da natureza inatingível para o Homem, um terreno de disputa intelectual, que acabou por iludir a ciência humana. E continua! Seguindo esta ideia, estabeleci esse conceito como um elemento central do álbum, que simboliza o espírito resistente e refratário dos poderes que nos rodeiam e que nos iludem, como espécie subordinada que somos. Como sempre negamos a nossa inferioridade em relação à natureza, pelo menos desde o nascimento das religiões monoteístas, desenvolvemos uma forma de competição. Prefiro falar de hostilidade contra a natureza – um conflito presente desde sempre nas letras de The Ruins of Beverast. Apesar de ser um membro da referida espécie, sempre alinhei pelo lado dos espíritos naturais. Porque lutar contra a natureza ou tentar ignorá-la é um esforço vão e fatal para qualquer espécie. E nós parecemos ser a única forma de vida que ainda acredita que isso é possível.

E por que decidiste dar esse título ao teu álbum mais recente? Bem, o que tem o título de tão especial? Refere-se às ideias centrais de vários dos álbuns de TROB: aceitar o que és na terra e, sobretudo, o que não és. Limiteime a construir uma história em torno dessa ideia, que fala de uma espécie de documento escatológico de conteúdo fictício, ficticiamente situado num cenário semifictício, que trata do que está prestes a acontecer às formas de vida como a nossa que se comportam como nós nos comportamos. Contudo, TROB é, antes de mais e acima de tudo, um projeto artístico, não um projeto político, portanto, como é óbvio, eu tenho tentado encaixar os conteúdos factuais do álbum numa dada forma de estética musical e lírica, como sempre fiz. Espero que a tua pergunta não esteja relacionada com boatos difundidos na internet segundo os quais alguns peritos dão a este título uma interpretação que o relaciona com ideias políticas de direita. Não gosto de comentar ideias disparatadas vindas de pessoas que não têm a mínima noção de quão enganadas e mal informadas se encontram.

Podes comentar a relação entre este álbum e os seus predecessores? Como já fizeste imensos lançamentos, deves ter muito que dizer sobre este tópico. Achas? Na realidade, nunca relaciono os álbuns de TROB uns com os outros, nem os comparo, porque isso equivaleria a fazê-los competir entre eles e me daria uma sensação de ter a expetativa de me superar sempre a mim próprio e eu detestaria preocupar-me com tal coisa. De uma forma nada romântica, cada álbum de TROB corresponde a uma imagem pessoal do tempo que decorreu entre o álbum anterior e a gravação do que está em curso. Posto isto, eles são todos capítulos fechados e entidades autocontidas e fornecem e alcançam todos a mesma coisa. O período de tempo descrito por «Exuvia» (2017) foi muito intenso e teve um impacto forte na composição deste álbum e o mesmo acontece com «Unlock The Shrine» (2004). Mas, numa perspetiva meramente musical, isso não significa necessariamente que sejam melhores que os outros álbuns. «The Thule Grimoires» acompanharam um tempo tão intenso como o de «Exuvia», mas mais positivo. Mas eu não podia prever isso e não fiz nenhuns planos para que isso acontecesse ou não com «Exuvia» ou o inverso. Limitei-me a sentar-me e a escrever canções, como faço quase sempre. Muitas pessoas parecem pensar que «The Thule Grimoires» é um álbum mais “direto” que «Exuvia» e eu concordo com essa ideia. E, desse ponto de vista, o novo álbum está talvez mais próximo de «Foulest Semen Of A Sheltered Elite» (2009), que eu considero ser o álbum de mais “fácil” acesso de TROB até à data. Mas isso não aconteceu intencionalmente, apenas aconteceu. Quanto à estética e às cores, vejo-o como o mais próximo de «Rain Upon The Impure» (2006), que também tinha uma vibração profunda como este e pintava paisagens nas suas canções, mas as suas letras eram totalmente diferentes. As letras deste estão mais próximas das de «Exuvia». No entanto, «The Thule Grimoires» também está próximo de «Blood

Vaults» por serem os únicos álbuns concetuais na história de TROB. Mas todas estas ligações podem significar tudo ou nada e não foram de modo nenhum orquestradas. E realmente eu não considero que seja necessário situar cada um dos álbuns num mapa abstrato dos lançamentos de TROB.

A música do álbum é assaz hipnotizante. Há alguma relação entre isto e o tema do álbum? Tento sempre criar uma relação estreita entre as letras e a música e isso não mudou no novo álbum. Portanto, o que acontece é que as canções representam uma certa paisagem e os seus habitantes. Por exemplo, “Ropes Into Eden” conta uma história que se passa no mar profundo e que quase segue uma dramaturgia cinemática e todas as canções se referem a um dado espaço vivo e assim enchem os livros de que eu falava acima. Traduzir imagens cinematográficas em música por vezes exige uma intensificação de modos e cores e isso pode conduzir a repetições e estruturas hipnotizantes. A atmosfera criada pela tua música lembra-me filmes mudos alemães como os de F. W. Murnau com atores como Max Schreck e Emil Jannings. Podes comentar esta ideia? A associação é interessante e vejo-a como um elogio. Se esta música evoca visões de suspense antigo e surreal, casas bolorentas e uma estética estranha, isso significa muito mais do que apenas experimentar melodias e ritmos. «The Thule Grimoires» não trata exatamente disso num sentido contextual, mas a atmosfera e as

[…] temos aqui uma acusação fictícia dirigida a nós, humanos, falando de arrogância, escrita em livros virtuais da natureza

cores têm a mesma origem. De facto, quando escrevi “Kromlec’h Knell”, estava a tentar captar um pouco do sentimento de horror que associamos às mansões vitorianas, como o que vemos nos velhos filmes da Hammer dos anos 60. Portanto, de facto, pode haver algum ponto de contacto com a poeira dos filmes antigos e a ideia agrada-me.

A capa «The Thule Grimoires» é uma ilustração clássica de Black Metal. Quem a fez e o que pretendia o artista exprimir? Bem, não é uma ilustração, são fotos trabalhadas. Foi eu que as tirei, mas a composição final do artwork foi feita pela minha namorada, porque eu não tenho competências em design. Tu és a primeira pessoa a vê-la como uma ilustração, mas, na verdade, pretendia-se que surgisse como algo de natureza fotográfica, que congregasse em si as partes essenciais do álbum, ou seja o terreno baldio não identificado e os espíritos da natureza unidos pelo templo dos elementos.

A Ván Records sublinha a ideia de que TROB é uma banda que gosta de subir ao palco. Como isso é neste momento, não te ocorreu fazer concertos em streaming? Não. Não deve ser segredo o facto de que sou uma pessoa reservada no que toca à relação entre a música e a internet, por várias razões, mas esse nem é o maior problema. Não somos uma banda que faz concertos ao vivo como uma rotina inerente à vida de um músico. Gosto de inalar o momento e de enlouquecer. Portanto, preciso do pacote todo para me poder portar mal, de um palco peganhento e mal cheiroso, de toda a sujidade inerente ao Rock’n’Roll. E, sobretudo, preciso do público, de barulho e de alguma ação que represente uma reação ao meu barulho e ação. Tem de acontecer alguma forma de comunicação. Portanto, se não houver nada disso, não vou fazer um concerto. É essa a principal razão. Além disso, não me parece que esteja interessado em fazer um espetáculo que dependa da estabilidade da internet. Assisti a alguns concertos em streaming de outras bandas, em que o espetáculo nunca mais começava ou ficava parado ao fim de algum tempo e isso pareceu-me completamente absurdo. Isso não tem nada a ver com aquela sensação suja de que precisamos nos dias de concertos. A música é uma espécie de magia e eu não vejo magia nenhuma nessas situações.

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THE RUINS OF BEVERAST «The Thule Grimoires» (Ván Records) “Ropes into Eden”, a empolgante faixa de abertura desta última criação dos The Ruins of Beverast pode deixar a impressão que Alexander von Meilenwald, o multi-instrumentista por detrás desta singular entidade germânica, resolveu recuar uma década para re-capturar o seminal espirito black/doom de «Foulest Semen of a Sheltered Elite»(2009) ou «Blood Vaults»(2013). Mas essa ideia desaparece rapidamente à medida que mergulhamos a fundo neste sexto longa-duração. Na verdade, embora fiel à sonoridade monolítica e absolutamente monstruosa que von Meilenwald tem vindo a conjurar desde 2003, «The Thule Grimoires» é um trabalho musicalmente mais próximo de experiências mais recentes como «Exuvia», como o demonstram, por exemplo, os arranjos corais entoados como mantras em “The tundra shines”, a voz feminina de linhas étnicas que aparece em “Anchoress in furs”, e toda a sorte de efeitos vocais e samples que contribuem decisivamente para criar a atmosfera fantasmagórica que atravessa todo o disco. Embora dê bom uso ao seu tom vocal áspero, von Meilenwald favorece aqui o seu versátil registo limpo (por vezes a fazer lembrar o saudoso Peter Steele), brilhando nas evocações esotéricas de “Mammothpolis” e reforçando, também, a já de si deslocada atmosfera gótica, e estranhamente melódica, de “Kromlec'h knell”. De realçar o seu estilo característico de percussão, desta vez ainda mais criativo. «The Thule Grimoires» é um trabalho conceptual, uma obra complexa de proporcões gigantescas, que se aventura por territórios musicais inusitados, podendo soar eventualmente dificil ao primeiro contacto. Aconselha-se uma abordagem sem ideias preconcebidas sobre o que esperar dos The Ruins of Beverast. [8/10] Ernesto Martins

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