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PRB-8 informava até a alta dos pacientes da Santa Casa
Obancário aposentado Rui Guimarães é um homem cheio de histórias, e todas verdadeiras. Ele só conta o que viu e tem certeza. De prodigiosa memória, Rui conta os casos da cidade com leveza, reais e verossímeis, mostrando uma Rio Preto provinciana, todos amigos entre si e com muito sentimento no ar. Ele nunca pertenceu ao rádio, sequer falava no microfone; seu foco eram os estudos. A respeito disso, fez apenas um curso de radialismo na Escola Senac. Sua mãe Dorcília era vidente prestigiada na cidade. Objetos perdidos, incerteza da morte de alguém e outros infortúnios? Ela se fechava em um quartinho e rezava o Responsório (ou Responso) de Santo Antônio, tido como eficaz entre os católicos para recuperar coisas perdidas. Enquanto rezava, ela dizia ver as cenas projetadas na parede como um filminho. E acertava todas. Em uma ocasião, na morte do piloto Ayrton Senna, ela classificou como sabotagem, porque deixaram uma peça solta. O deputado Ulysses Guimarães não estava naquele avião que caiu
Reprodução/Álbum Astros e Estrelas do nosso Rádio/Dezembro de 1957/Zacharias Waldomiro do Vale
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Albertina Batista, uma das mulheres pioneiras nos microfones, era apresentadora do programa Momento Feminino
matando todos os tripulantes; ela se concentrou no Responso e viu o filminho na parede: o corpo dele não aparecia. Rui sempre gostou de saber a história da cidade, das pessoas. Era muito curioso e fazia (e faz) inúmeras pesquisas, algumas com a ajuda da professora Dinorath do Valle. Certo dia, ele comentou que queria ser chamado de historiador e perguntou o que deveria fazer para conquistar isso. Ela colocou o braço esticado em seu ombro e disse: “A partir deste momento, eu te declaro historiador de Rio Preto!”. Era uma brincadeira, claro. Sobre o rádio, ele conta: “O rádio está eternamente ligado às nossas vidas, nos bons e nos maus momentos. Imagine você estar em um domingo jantando macarronada e frango com o rádio ligado na cozinha sintonizado na PRB-8 trazendo as vozes de Firmino, Fidêncio e Geraldinho, os famosos da época. Era um programa de variedades, fechando os acontecimentos da semana. Trazia em primeiro lugar a palavra do prefeito Alberto Andaló e, em seguida, a do vereador Daud Jorge Simão, muito interessante. De repente, entra um locutor anunciando: ‘O ônibus que levava os estudantes para Barretos (SP) caiu nas águas do Turvo, km 27’. Nossa Senhora, foi aquele desespero. Um primo meu estava no grupo. Fomos à casa desse primo e depois na Santa Casa, onde chegavam os corpos. Vi um caminhão cheio de cadáveres. Depois de reconhecidos e etiquetados pelo legista Ivan Miziara, chegou a hora do enterro, devidamente acompanhado por três vira-latas que não perdiam uma cerimônia fúnebre, condicionados talvez pelos sinos da Catedral. A PRB-8 estava lá, com Adib Muanis transmitindo o evento pelo microfone. Conheço o Toledo desde menino. Ele jogava no time Juventus, do Dr. Netinho, e tivemos vários encontrões. Ele sempre foi magrinho e assim se mantém até hoje. Sobre o rádio, a única palavra que falei no ar, no microfone do Adib Muanis, foi durante a Campanha de Natal para recolher doações a pessoas carentes, uma campanha respeitável em número de arrecadação. Meu pai mandou que eu levasse
10 cruzeiros. Hoje é difícil imaginar uma criança carregando dinheiro pela rua. Detalhe: nós íamos a pé. Fui entrando na sala do programa e o Adib estava no ar com um ouvinte e disse: ‘Estamos neste momento recebendo mais uma doação em dinheiro, de um ouvinte da Vila Aurora.’. E me passou o microfone. Respondi ‘sim’ e mais nada, de tanta emoção de chegar perto de um ídolo do rádio. Ele me pegou de surpresa. Naquela época, não havia assim tanto sentimento expresso, mas, quando Albertina Batista lia um depoimento ou uma notícia de morte, fazia a gente chorar! Os costumes eram bem diferentes em uma cidade sem televisão. Aos domingos, era rotineiro fazer piquenique e andar de caminhão pela BR, com várias famílias; tomávamos um poeirão danado. A rádio PRB-8 mexia com a cidade, todos se envolviam nos assuntos. Houve alguns momentos marcantes, como o acidente do Turvo, a morte repentina do amado prefeito Andaló e o enterro do Zacharias Fernandes do Valle, que levou um tiro ao sair de casa às seis da manhã, vítima de um crime brutal. Para se ter uma ideia, o rádio possibilitou que a gente conhecesse de perto os astros da música e da cultura cara a cara, como o Nelson Gonçalves, que apeou de um táxi rumo à rádio Difusora, em frente da farmácia do Carlinhos. Ele estava indo divulgar seu disco, com um violão a tiracolo. Em um domingo de footing na Bernardino, olhando as vitrines como a gente, dou de cara com o Pery Ribeiro, filho da Dalva de Oliveira, que estava no auge da fama. Ele veio fazer show no Automóvel Clube. Agora sinta a utilidade pública da PRB-8, que é a função de todo o sistema de rádio, mesmo modificado pelo progresso: muitas famílias do sítio vinham se tratar na Santa Casa de Misericórdia, na Boa Vista. Porém, quando o paciente apresentava melhoras ou tinha alta, não havia como informar os parentes. Então a notícia era dada pela PRB-8. Silveira Coelho também noticiava serviços de aposentadoria pelo microfone. Essa é a verdadeira utilidade do rádio.
As rádios de Rio Preto, especialmente a PRB-8 e a Independência, mexiam com a cidade! Tempos saudosos! Grandes tempos!”.