11 minute read
Entrevista
José Pedro Salema CEO da EDIA
Projeto do Alqueva
Advertisement
com impacto positivo no PIB do Alentejo e no emprego
A Empresa de Desenvolvimento e Infra-estruturas do Alqueva (EDIA) foi criada pelo Estado, em 1995, para materializar e explorar o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA). José Pedro Salema, CEO da EDIA, sublinha os crescimentos registados na agricultura, no agroalimentar, na energia, no turismo e, consequentemente, no emprego.
Que balanço é possível fazer do projeto Alqueva, em todas as suas vertentes, desde que se fecharam as comportas da barragem, em 2002? Que impacto teve e tem este projeto no PIB e na sustentabilidade da região? um estudo de 2015 coordenado pelo professor Augusto Mateus estimou que o valor bruto da produção praticamente sextuplique e que o Valor Acrescentado Bruto (VAB) aumente 10 vezes por via do projeto de Alqueva. Julgo que hoje estas estimativas teriam que ser revistas em alta, face ao retumbante sucesso de adesão ao regadio que, entretanto, se verificou.
Em termos de impactos sensíveis no PiB da região em resultado do projeto Alqueva podemos contabilizar mais de 250 milhões de euros, derivados do incremento da atividade agrícola na primeira fase do regadio, registando um aumento da mão-de-obra superior aos 200% e, no setor agroalimentar, estima-se que em cada ano o Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, EFMA, tenha como efeito sobre a indústria agroalimentar uma expansão da produção em 250 milhões de euros a que corresponde um acréscimo de VAB de cerca de 56 milhões de euros, um adicional de emprego de quase mil postos de trabalho, mais 12 milhões de euros de impostos e uma melhoria do saldo externo que poderá ascender a cerca de 191 milhões de euros.
No setor do turismo o EFMA poderá ter um efeito em termos de produção anual que está a estabilizar em torno de 60 milhões de euros representando um acréscimo de emprego na ordem dos 150 postos de trabalho. No que respeita à produção de energia, o impacto médio deverá andar em torno dos 70-80 milhões de euros por ano.
O que mudou no Alentejo desde então devido a este projeto, sobretudo em termos de volume de produção agrícola, autossuficiência e capacidade exportadora? As estatísticas são reveladoras das mudanças operadas no setor agrícola na região servida por Alqueva. Os dados mais recentes estão sem dúvida associados ao incremento das áreas servidas pelo olival e pelo amendoal, as duas principais culturas impulsionadas por Alqueva, atualmente já com mais de 68 mil hectares e 15 mil hectares, respetivamente, apenas nas zonas geridas diretamente pela EdiA. Este incremento permitiu a Portugal, no que à produção de azeite diz respeito, passar de deficitário a excedentário, com um peso relevante na balança comercial. Portugal passou a ser o sétimo País produtor de azeite a nível mundial, com a particularidade de o azeite português ser considerado entre 90% e 95% de qualidade virgem e extra virgem. No que diz respeito à amêndoa, o aumento da área registada em Alqueva, mesmo não estando toda ainda em plena produção, já permitiu duplicar a produção Nacional. Outras culturas há que fazem parte do leque produtivo regional e produtos de exportação, como são o caso do vinho, da fruta, com especial destaque para a uva de mesa e romã, da cebola e do alho, da abóbora ou do milho.
Corre-se o risco de o Alqueva não poder ser utilizável, caso a seca se agrave? O que está a ser feito para que isso não aconteça? O risco existe sempre, mas a probabilidade de ocorrência de um tal cenário tão catastrófico é baixíssima. Recorde-se que Alqueva foi pensado e projetado para uma região tradicionalmente seca. O Alentejo tem sofrido ao longo dos séculos severas secas que, com as alterações climáticas em curso, se tornam mais regulares. Recordo que Alqueva garante uma reserva de água útil de 3 150 milhões de metros cúbicos e um volume total de armazenamento de 4150 milhões de metros cúbicos que equivalem, grosso modo, às afluências de dois anos médios. Mas o volume concessionado anual é de apenas 620 milhões de metros cúbicos e desde modo é possível garantir uma regular distribuição de água ao longo de três anos consecutivos de seca extrema. Apesar do clima estar a mudar, também a agricultura encontrou formas mais eficientes para o uso da água. Não só através de culturas menos exigentes, mas sobretudo, pela eficiência alcançada nos diferentes métodos de rega, levando a que os consumos efetivos se fiquem em média um pouco acima dos três mil metros cúbicos por hectare. Quer isto dizer que, com a mesma água se consegue regar mais área e, simultaneamente, garantir a sustentabilidade do projeto. Ainda assim, e para a eventualidade de se registar um caso extremo e haver a necessidade de aplicar medidas reguladoras do uso da água, a EdiA tem um plano de contingência que permite assegurar os mínimos necessários às culturas. Apesar de a EdiA veicular constantemente a necessidade dos seus clientes fazerem uso eficiente da água em
Alqueva, ainda nunca se verificou qualquer rateio de água.
Há algum projeto de dessalinização previsto que possa ser articulado com o projeto Alqueva, para fornecimento de água ao Alentejo? Qual a sua opinião sobre esta possibilidade? Que se saiba não há nenhum projeto de dessalinização em curso e na minha opinião não faz sentido equacionar a dessalinização para o regadio no interior do Alentejo, face aos enormes custos de investimento e de operação da tecnologia mais eficiente que se conhece.
Até que ponto projetos como os de olival intensivo comprometem ou não a sustentabilidade da gestão de água no Alentejo? O olival é uma das culturas mais bem adaptadas ao nosso clima e desempenha um papel fundamental na sustentabilidade do projeto Alqueva. Olhando para as dotações de rega, verificamos que o olival é a cultura que permite baixar de forma significativa as dotações médias. A título de exemplo poderemos referir que a cultura padrão prevista para o Alqueva era o milho, com uma dotação de rega acima dos seis mil metros cúbicos por hectare. com a evolução do projeto, verificou-se que a cultura que maior área viria a ocupar era a do olival, que tem à data, uma utilização de água entre os 2.500 a 3.500 metros cúbicos por hectare.
Que culturas agrícolas beneficiam dos 120 mil hectares de regadio? De que volume de produção estamos a falar em cada uma delas e que riqueza geram para a região? como deve saber, os volumes de produção bem como a riqueza que deles se extrai para a região são dados trabalhados pelo instituto Nacional de Estatística por região e não especificamente só para área servida por Alqueva, logo, qualquer dado que lhe forneça são extrapolações desses valores. Os mais relevantes são os que se referem ao estudo desenvolvido pela EdiA e que está descrito na primeira questão. Quanto às culturas e áreas ocupadas, posso referir as mais relevantes, em área, que são, por esta ordem, o olival, com cerca de 68 mil hectares, o amendoal, com 15 mil hectares, o milho com seis mil hectares e a vinha com cinco mil hectares. Outras culturas importantes são as frutícolas, as oleaginosas, as hortícolas, forragens e pastagens e cereais.
Quais serão as prioridades agrícolas dos novos 50 mil hectares de regadio que estão atualmente a ser projetados? Qual a justificação para que sejam essas as opções? Não cabe ao Estado nem à EdiA determinar culturas ou produções. A lógica de aumento da área regada está relacionada com a necessidade de aumentar a produção nacional, na senda da autossuficiência alimentar em valor a médio prazo. Os agentes económicos escolherão naturalmente as culturas que melhor estejam adaptadas às condições locais para tentar maximizar o lucro.
Qual a atual capacidade de produção energética do projeto Alqueva, entre barragens, mini-hídricas, centrais fotovoltaicas e outros? O que está a ser projetado para otimizar e aumentar a capacidade de produção? Relativamente à energia hídrica o investimento está essencialmente feito, mas poderá haver alguns locais que poderão vir a ser equipados com tecnologias inovadoras, no entanto, sempre com produções elétricas pouco significativas face às grandes hídrica de Alqueva ou às mini-hídricas já instaladas. Neste momento o Alqueva tem em exploração duas grandes centrais hídricas, com 520 megawatt (MW) de potência instalada, seis mini-hídricas, com um total de 10 MW. Em relação à energia fotovoltaica, neste momento contamos com sete centrais solares, que somam cerca de 2,1 MW instalados, mas existe ainda nesta área um enorme potencial de desenvolvimento. Acreditamos que será possível instalar mais de 100 MW de potência de geração fotovoltaica para autoconsumo, associada às estações elevatórias do sistema e recorrendo especialmente à tecnologia solar flutuante. A associação do fotovoltaico flutuante às infraestruturas de regadio tem evidentes sinergias. A produção mensal acompanha perfeitamente o consumo e as superfícies (albufeiras, charcas e reservatórios) onde são colocados os painéis não têm utilizações concorrentes. Por outro lado, o efeito refrescante da água sobre os painéis aumenta a sua eficiência e a redução da incidência de luz sobre o reservatório diminui o crescimento das algas que tanto atrapalham os sistemas de adução e filtragem. Estou completamente convencido que temos de progredir no sentido da independência energética, depois de evoluir o máximo possível na senda da eficiência, utilizando os recursos energéticos locais para satisfazer inte-
gralmente as grandes necessidades do nosso sistema.
Que oportunidades tem gerado o projeto Alqueva a nível empresarial? Quer destacar algumas empresas portuguesas e espanholas criadas direta ou indiretamente pelo projeto Alqueva? A dinamização geral da atividade económica da região em resultado da implementação do projeto Alqueva é completamente inquestionável. Este incremento foi observado em primeiro lugar na fase de construção, mas também na conversão do sequeiro para o regadio com construção das redes privadas e instalação de culturas e ainda em toda a cadeia de fornecimento e escoamento da produção. No universo das empresas e empresários agrícolas fixados em Alqueva e que, por via da sua atividade agrícola, são clientes da EdiA, podemos constatar que existem grandes grupos do setor que têm origem em Espanha e/ou estão em associação com grupos/empresas portuguesas. Na região servida pelos 120 mil hectares em exploração em Alqueva, entre 30 a 40 mil são explorados por empresários/ empresas espanholas. O número exato é de difícil apuramento já que todas as empresas e empresários têm um número de identificação fiscal português, e é esse que consta na inscrição feita na EdiA.
Quanto representa a vertente turística do projeto Alqueva e como deverá evoluir, de forma a manter-se sustentável? Julgo que o turismo em torno do grande lago pode ainda ter grandes desenvolvimentos e gostaríamos de contribuir para que tal acontecesse de forma regrada e sustentável. A vertente turística do projeto faz apenas complementarmente parte do desenvolvimento da atividade da EdiA. Existem no entanto alguns temas nos quais temos intervenção, em particular, no trabalho técnico de suporte aos instrumentos de ordenamento do território. Existe um Plano de Ordenamento em vigor, que regula a utilização, quer do lago, quer das margens de Alqueva, servindo de suporte às intenções e investimentos nessa vertente. O que se tem verificado e, apesar de ter conhecido um forte incremento nos últimos anos, é que estagnou, nesta altura, por força da conjuntura a que estamos a assistir. Estima-se que, conforme descrito na primeira questão, no setor do turismo, o EFMA poderá ter um efeito em termos de produção anual que está a estabilizar em torno de 60 milhões de euros, representando um acréscimo de emprego na ordem dos 150 postos de trabalho.
Quais são os principais investimentos em curso e de onde vem o financiamento? Nesta data estão em curso as obras dos novos blocos de rega de Évora, Viana do Alentejo e cuba-Odivelas, que somam cerca de 10 mil hectares e ainda a ligação a Sines que vai permitir garantir o abastecimento àquela importante zona industrial. Estas empreitadas estão inseridas e financiadas pelo Plano Nacional de Regadios.
Resultados melhoraram
Em 2019, a EDIA registou um resultado líquido de 2,7 milhões de euros negativos, melhorando cerca de 1,3 milhões de euros face ao ano anterior. “A redução dos encargos financeiros continuou a trajetória positiva, fruto das baixas taxas de juro e da redução da dívida com aumentos de capital pelo acionista Os resultados financeiros apresentaram uma melhoria de dois milhões de euros e a situação patrimonial da empresa também saiu reforçada com o capital próprio a chegar aos 40 milhões de euros positivos”, de acordo com o relatório e contas apresentado à CMVM.
Quais são as principais fragilidades do projeto Alqueva e como pretendem superá-las? Neste momento, o problema é o excesso de procura por terras. É um bom problema, resultado do enorme sucesso da componente agrícola do Alqueva e que, naturalmente, não tem solução. A oferta e a procura cruzam-se e o mercado fundiário funciona sem qualquer intervenção ou influência da EdiA.
Como têm evoluído o investimento, as receitas e os resultados da EDIA? Enquanto empresa de desenvolvimento, a lógica subjacente é de desenvolvimento regional e não apenas de lucro. O Estado providencia uma infraestrutura que cria condições para que se desenvolvam atividades económicas lucrativas. Essa prosperidade é boa para a região, fixando população numa região desfavorecida combatendo a desertificação física e humana, garante o abastecimento público de água melhorando as condições gerais de vida.