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Advocacia e Fiscalidade
Água mole em pedra
por manuel simões de carvalho*
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dura…– sobre o englobamento
obrigatório no IRS
No momento em que escrevemos, os deputados à Assembleia da República já terminou o processo de aprovação da Proposta do Orçamento do Estado para 2021 (“POE 2021”), durante a qual se votaram mais de 1.500(!) propostas de alteração apresentadas pelos partidos e deputados com assento parlamentar por forma a fixar a redação final do Orçamento do Estado para 2021 (“OE 2021”).
Entre as propostas de alteração à POE 2021 apresentadas pelo Partido comunista Português (“PCP”), encontrava-se uma, de natureza tributária, que, cremos, deveria ter merecido maior atenção, especialmente se tivermos presente as atuais dinâmicas de poder em disputa na Assembleia República: o englobamento obrigatório de todos os rendimentos, em sede de iRS, a aplicar a contribuintes com rendimentos superiores a cem mil euros.
Apesar de esta proposta não possuir qualquer elemento de novidade–, é, afinal, o quarto ano consecutivo em que a mesma foi sujeita a discussão no hemiciclo por iniciativa do PcP–, e depois de ter sido “liminarmente” rejeitada pelo Governo da República Portuguesa (“Governo”) nos processos negociais dos últimos três OE, aguardava-se com acrescida curiosidade o desenrolar da discussão parlamentar à volta deste tema, em boa medida devido ao facto de, desta feita, o PcP apresentar uma posição negocial substancialmente mais forte perante o Governo, quando comparado com anteriores OE.
Aliás, como já havia sido sobejamente relembrado em discussões anteriores pelos comunistas, tal intenção de caminhar, pelo menos de forma faseada, para um regime de englobamento obrigatório, em sede de iRS, encontrava-se inscrita no próprio programa eleitoral do PS que foi a votos em 2019.
Ainda assim, e não obstante a evidente fragilidade política do Governo, terminada a discussão do milhar e meio de propostas de alteração ao POE 2021, a dita proposta do PcP foi rejeitada, de novo, pela quarta vez, note-se.
Ora, sem prejuízo de esta nova rejeição poder ser interpretada como uma posição de princípio do Partido Socialista e do Governo quanto ao englobamento obrigatório, julgamos ser plausível que este tema seja, a breve trecho, objeto de renovada discussão pública, não tanto por ter constado do programa eleitoral do PS, mas, sobretudo, por ser inevitável que o Estado aumente substancialmente as suas receitas fiscais para fazer frente às responsabilidades financeiras que assumiu – e assumirá– neste período de crise económica profunda.
Assim sendo, sejamos claros quanto ao tema de fundo: ao abrigo do enquadramento constitucional português, em sede de iRS, parece claro que se deve caminhar no sentido da promoção do englobamento (obrigatório) de todos os tipos de rendimento, por forma a conferir uma maior equidade no tratamento tributário dos diversos tipos de rendimento. contudo, tal intento implicará sempre uma alteração do atual paradigma vigente no sistema do iRS, o qual é constituído por um corpus legislativo complexo com mais de 30 anos de existência assente sobre um regime semi-dual – que se traduz por alguns dos tipos de rendimento serem obrigatoriamente englobados e sujeitos a taxas de iRS progressivas, enquanto outros são, por regra, não englobados e sujeitos a taxas de iRS proporcionais (geralmente de 28%).
A esta luz, a proposta de alteração apresentada pelo PcP– que se resume à alteração de um artigo do código do iRS – afigura-se totalmente incapaz para, por si
só, promover de uma forma eficaz uma alteração de paradigma do sistema do iRS, no sentido de introduzir um verdadeiro regime de englobamento transversal no âmbito deste imposto.
Na realidade, a proposta de alteração apresentada pelo PcP aborda este tema apenas pelo prisma do alargamento do âmbito de aplicação aos tipos de rendimentos até agora não englobados por defeito. contudo, a transição do nosso sistema semi-dual para um sistema verdadeiramente unitário, obrigará, por consistência sistemática, a proceder a alterações de fundo em diversos outros aspetos atualmente previstos no nosso código do iRS, no que se traduziria, sem a menor dúvida, na maior reforma do iRS desde 1989. com efeito, a título meramente exemplificativo e não exaustivo, ter-se-ia de proceder à análise e discussão de alterações de fundo (i) nas regras de determinação da matéria coletável de cada um dos tipos de rendimentos (nomeadamente, através do alargamento das regras de dedutibilidade intra-categoria de rendimento), (ii) nas regras de comunicabilidade transversal de perdas entre diferentes categorias de rendimentos (atualmente não permitidas) e, bem assim, (iii) face ao previsível alargamento da base tributária, na redução significativa das taxas de iRS aplicáveis a cada escalão de rendimentos.
A somar a isto, é evidente que uma reforma de tal envergadura não poderá deixar de levantar diversas questões de aplicação da lei (nova) no tempo, as quais deverão ser acauteladas por normas de aplicação transitória, à semelhança do que ocorreu nas anteriores reformas do iRS (1989 e 2015). A título de exemplo, pense-se nas dezenas de milhares de residentes não habituais que transferiram a sua residência fiscal para Portugal, após terem sido induzidos a tomar tal comportamento pelo sistema fiscal português…
Esperamos, pois, que um futuro debate sobre este tema central da fiscalidade dos portugueses seja reenquadrado como o assunto complexo que de facto é e, como tal, sujeito a uma discussão pública transparente e alargada, ao invés de camuflado através de uma proposta de alteração a um POE, discutido por breves minutos entre outras 1.500 propostas de alterações, e contaminado por uma pulsão simplista.
*Partner da MSC - Manuel Simões de
Carvalho E-mail: manuel@manuelsc.pt
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