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N. Lerner Proteger os grupos religiosoos

Proteger os grupos religiosos

Natan Lerner*

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O objectivo do presente artigo é resumir as medidas tomadas pela comunidade internacional a fim de proteger os grupos religiosos da perseguição, do ódio e da intolerância. A expressão “grupos religiosos” é aqui usada no sentido lato para incluir a maior variedade de crenças e de convicções, assim como grupos étnicos entre os quais a atitude para com a religião constitui um elemento essencial.

Para começar. é necessário reconhecer que as medidas não contribuíram muito para prevenir ou para suprimir os atentados à dignidade humana que existem por todo o lado, com várias intensidades e com resultados diversos. As lições da Segunda Guerra mundial e as suas consequências catastróficas sobre certos grupos conduziram a comunidade internacional a trabalhar para estabelecer um sistema completo destinado a proteger os direitos fundamentais do Homem e as comunidades ameaçadas. Esse esforço foi concretizado a 9 de Dezembro de 1948 com a Convenção para a repressão do crime de genocídio, na véspera da proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Sessenta anos mais tarde, a humanidade não pode cantar vitória com os resultados desse esforço, mas este prossegue apesar de tudo. Nos seus relatórios às Nações Unidas, a Relatora especial sobre a liberdade de religião ou de convicção, Asma Jahangir, descreve a situação geral da liberdade religiosa no mundo. Põe também em evidência as situações preocupantes, tais como os assassínios, a detenção arbitrária por motivos religiosos ou de convicção, a restrição dos direitos dos membros minoritários, que não podem praticar o seu culto e realizar actividades religiosas, as restrições que impedem a liberdade de religião ou de convicção, a limitação dos direitos à conversão e ao proselitismo, a alienação dos direitos das pessoas particularmente vulneráveis como as mulheres, as crianças, os prisioneiros, os refugiados, as minorias e trabalhadores imigrantes, assim como o fracasso na prevenção da descriminação, da intolerância e dos conflitos.

Os direitos individuais e comunitários levantam outras dificuldades no que diz respeito aos símbolos exteriores, o facto de usar roupas diferentes ou de cobrir a

cabeça, o respeito pelos dias feriados, os dias de repouso ou as cerimónias de acordo com os preceitos de uma religião ou de uma convicção, a nomeação do clero, o ensino e difusão de informações, a educação das crianças e o contacto com os membros de outras religiões. Em alguns países, é-se obrigado à declaração da sua religião, o que limita os direitos ligados à religião ou à convicção, e isso é motivo para que os agentes do Estado, ou não, demonstrem descriminação e se intrometam com os direitos individuais.

A protecção internacional

As primeiras medidas para garantir a liberdade de religião e de convicção datam de 1948, com a Convenção Contra o Genocídio e a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Abordarei mais tarde a Convenção Contra a Genocídio, um instrumento ambicioso mas até hoje ineficaz por questões de aplicação. A Declaração Universal, um dos documentos mais importantes do século XX, constitui o ponto de partida para a legislação internacional em matéria de Direitos religiosos. Bem entendido, não se trata senão de uma declaração e não de um tratado de aplicação obrigatória. Mas no decurso dos seis decénios que se seguiram à sua adopção, as suas disposições tornaram-se Direito Internacional em uso, e mesmo jus cogens, uma norma imperativa que não pode ser modificada senão por decisão do conjunto da comunidade internacional. Tem tido, igualmente, uma poderosa influência sobre as legislações nacionais de muitos países.

O artigo mais importante da Declaração sobre a religião ou a convicção é o artigo 18 que estipula: “Toda a pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, as práticas, o culto e a realização de ritos”.

Este artigo tem influenciado, consideravelmente, os tratados sobre liberdade religiosa ulteriores. Ele enuncia os três direitos fundamentais ligados à religião ou à convicção – a liberdade de pensamento, a liberdade de consciência e a liberdade religiosa – e cita os direitos específicos protegidos. O termo “convicção” deve ser aqui interpretado no seu sentido estritamente religioso. Não se reporta às outras convicções sejam elas políticas, culturais, económicas ou outras. Foi incluída no documento para proteger, igualmente, as convicções não religiosas, como o agnosticismo ou o ateísmo. Entre a lista dos direitos específicos, convém sublinhar o direito a mudar de religião, um direito que não é aceite por algumas religiões ou certos países e que tem sido fonte de problemas para os documentos que se seguem.

Antes de estudar outros textos criados pelo comunidade internacional é necessário referir o Estudo das medidas discriminatórias no domínio da liberdade de religião e das práticas religiosas, um documento redigido em 1950 por Arcot Krishnaswami, Relator especial da Sub-Comissão da luta contra as medidas discriminatórias e da protecção das minorias. Este estudo compreendia uma lista detalhada dos elementos que compõem a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, assim como uma série de projectos de princípios sobre a liberdade e a não-discriminação em matéria de práticas e de direitos religiosos. Influenciou, grandemente, os Pactos relativos aos direitos do Homem, de 1966, e a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação baseadas na Religião ou na Convicção de 1981.

Em 1966, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou dois Pactos relativos aos direitos do Homem. Aquele que trata do nosso assunto é o Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos, que segue a orientação geral da Declaração de 1948 e faz referência à liberdade religiosa nos artigos 18, 20 e 27,

O artigo 18 contém quatro parágrafos, o primeiro dos quais segue, com algumas modificações menores, a formulação da Declaração Universal. Na alínea dois do artigo 18, o Pacto utiliza expressões menos categóricas no que concerne o direito de mudar de religião, mesmo se não admite qualquer dúvida em reconhecer esse direito. Como veremos ao comentar a Declaração de 1981, a questão da conversão foi uma das maiores pedras de tropeço no processo legislativo, e sem dúvida a principal razão que impediu a adopção de um tratado vinculativo sobre a religião ou a convicção.

O artigo 18 (2) estipula: “Ninguém sofrerá coacção que atente contra a sua liberdade de ter ou de adoptar uma religião ou uma convicção da sua escolha”.

O artigo 18 (3) diz respeito às restrições; deve ser lido com o artigo 4 do Pacto, que concerne as derrogações e comparado ao artigo 29 da Declaração Universal. Este parágrafo não permite que se faça oposição à manifestação de uma religião ou de uma convicção senão as restrições previstas pela lei e que são necessárias para a protecção da segurança, da ordem e da saúde pública, ou da moral, ou das liberdades fundamentais de outrem. Deve ficar claro que apenas a manifestação ou as práticas religiosas podem ser objecto de restrições e, nesse sentido, há lugar para a diversidade entre os diferentes países e as numerosas culturas. Ritos, costumes, comportamentos e vestes podem estar em contradição com a ordem pública em certos países ou culturas. Por exemplo, a questão do véu e aqueles que usam barbas ou turbante têm causado problemas estes últimos anos.

O último parágrafo do artigo 18 diz respeito à educação e protege os direitos dos pais e dos tutores legais à liberdade de educar os seus filhos de acordo com as suas próprias convicções. Este parágrafo está estreitamente ligado com a Convenção da UNESCO sobre a luta contra a discriminação no domínio do ensino, com a Declaração de 1981 e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

O artigo 20 diz respeito, também ele, à liberdade religiosa. O parágrafo 2 interdita todo o apelo ao ódio religioso que constitui um incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência. Na sua observação geral sobre o artigo 20, o Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas precisou que os Estados são obrigados a adoptar as medidas legislativas necessárias para interditar as acções que aí são mencionadas. Mas esta obrigação podendo entrar em conflito com outros direitos, certos Estados têm sentido a necessidade de emitir reservas sobre o artigo 20 a fim de preserva a liberdade de expressão. Como no caso do artigo 4 de Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, penso que não se deveria invocar a liberdade de expressão para dissuadir os Estados de interditarem o ódio religioso e racial.

A sede da Missão da Administração Provisória das Nações Unidas no Kosovo, em Pristina. Foto Dan/ Hipi Zhdripi/Wikimedia Commons. Em 1999, depois da guerra do Kosovo, o Conselho de Segurança das ONU autorizou o Secretário Geral a criar uma administração civil provisória para proteger, entre outras, as minorias desta região. O Comité dos Direitos do Homem favoreceu uma interpretação lata do artigo 18, que protege igualmente as religiões recém-criadas. Ele declarou que “as liberdades de pensamento e de consciência são protegidas de maneira incondicional, sem nenhuma forma de ingerência”. Não é o caso da liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, que pode ser submetida a restrições. Esta liberdade engloba um vasto leque de práticas e de cerimónias, os locais de culto, os dias de repouso, os símbolos e os dias feriados, as regras dietéticas, o direito à educação, o direito de publicar e o de se converter. De acordo com o artigo 20, os Estados são obrigados a abolir a apologia do ódio, da hostilidade ou da violência.

O facto de uma religião ser reconhecida como religião oficial do Estado ou de ser a religião da maioria da população não deveria impedir os direitos dos não crentes ou dos adeptos de outras religiões. Os privilégios concedidos aos membros da religião predominante são uma forma de discriminação.

Os Estados têm a obrigação de apresentar relatórios periódicos sobre a forma como aplicam o Pacto. Por outro lado, um protocolo opcional permite aos indivíduos apresentarem comunicações ou reclamações sobre violações do Pacto. Cada ano, o relatório do Comité do Direitos do Homem apresentam uma informação detalhada sobre os direitos religiosos e o comportamento dos Estados membros. Estes diferentes relatórios, assim como os do Relator Especial sobre a declaração de 1981, representam uma soma importante de ensinamentos sobre a situação dos direitos religiosos no mundo.

A Declaração de 1981

Até hoje, o instrumento internacional mais importante no que concerne os direitos religiosos é a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação Baseadas sobre a Religião ou a Convicção proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução 36/55 de 25 de Novembro de 1981. Um projecto de Convenção sobre este tema foi apresentado às Nações Unidas, mas as possibilidades de ser adoptado num futuro próximo são muito pequenas. A própria Declaração de 1981 foi ratificada após dois decénios de tergiversações. As organizações não governamentais e alguns poucos governos, tiveram de insistir e negociar incansavelmente antes de obterem, por fim, a aprovação do texto. Em 1972, a Assembleia Geral decidiu colocar a Declaração entre as suas prioridades, o que representou uma etapa significativa do trabalho preparatório e evitou que a análise do projecto fosse indefinidamente adiada.

As controvérsias que criaram problema foram causadas pelo significado da palavra religião, no lugar das convicções não religiosas – chamadas neste contexto “convicções” – e sobretudo a questão da conversão e do proselitismo, a que os Estados muçulmanos se opuseram fortemente. As referências à discriminação e à convicção foram reajustadas no título original da Declaração em 1973, mas dizem respeito, unicamente, à intolerância religiosa. O uso dos termos discriminação e intolerância levantaram um problema. A discriminação exprime, com efeito, uma noção legal clara assim como a intolerância é menos precisa e pode levar a atitudes psicológicas, filosóficas e emocionais que se arriscam a criar violações de interdição de fazer discriminação. Contudo, na Declaração, as duas palavras são usadas de forma inter-cambiável, o que criou a confusão em várias passagens.

O Tribunal Internacional de Justiça em Haia. Foto AP Associated Press

Os artigos 1 e 6 apresentam uma lista de direitos que estabelecem a norma mínima universal em matéria de direitos religiosos. O artigo primeiro segue as grandes linhas do modelo do artigo 18 da Declaração e do Pacto, com uma ligeira diferença na formulação sobre a mudança de religião. As liberdades de pensamento, de consciência e de religião, seja qual for a convicção escolhida, são protegidas. A coerção é interdita. As restrições são autorizadas com a condição de que estejam previstas na lei e necessárias à protecção da segurança pública, da ordem pública, da saúde, da moral ou das liberdades fundamentais de outras pessoas no sentido que é entendido em países livres.

O artigo 6 enuncia a lista dos direitos, tais como a liberdade de praticar um culto e de ter reuniões sobre uma religião ou uma convicção e de estabelecer laços para esses fins, assim como manter instituições apropriadas, a liberdade de confeccionar, de adquirir e de utilizar os objectos e o material requeridos pelos ritos ou os usos desta religião ou desta convicção, a liberdade de escrever e de difundir publicações sobre esses assuntos, de ensinar uma religião ou uma convicção nos locais convenientes para esse fim, a liberdade de receber contribuições financeiras, a liberdade de formar, de nomear e de eleger os dirigentes apropriados, a liberdade de observar os dias de repouso e celebrar as festas e cerimónias assim como a liberdade de comunicar com indivíduos e comunidades em matéria de religião ou de convicção ao nível nacional e

internacional. Como mencionado atrás, estas liberdades estão sujeitas a restrições legítimas. Alguns direitos sugeridos na fase de projecto, mas omitidos na versão definitiva incluíam o direito de fazer peregrinações, o direito de se casar e o direito de ser sepultado de acordo com as suas convicções.

Os artigos 2 e 3 prendem-se com as noções de intolerância e de discriminação, utilizando os dois termos para significar toda a distinção, exclusão, restrição ou preferência fundada na religião ou na convicção e tendo por objecto ou por efeito suprimir ou limitar o reconhecimento, a fruição ou o exercício dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais numa base de igualdade. O texto foi objecto de críticas e pode entrar em conflito com as leis existentes em certos Estados. Em certas sociedades, há também o risco de haver desacordo entre o Direito nacional e a língua usada na Declaração. O artigo 5 sobre os direitos da criança também provocou vivas polémicas.

No conjunto, a Declaração constitui uma abertura significativa nos esforços visando conceder uma protecção internacional à liberdade religiosa. Não se trata de um tratado obrigatório mas de uma declaração solene da Assembleia Geral. Esta declaração tem muita importância e espera-se que seja respeitada. A lista dos direitos e liberdades não é exaustiva mas revela-se bem útil. Muitos são aqueles que insistem na necessidade de uma convenção, mas este objectivo parece difícil de atingir a curto prazo. Em contrapartida, o aspecto seguramente positivo da Declaração é que ela criou um sistema de acção.

A aplicação

Com efeito, a Declaração estabeleceu um sistema para aplicar as disposições, o que compensa, em certa medida, a ausência de um tratado obrigatório. Os relatórios redigidos pelos diferentes Relatores Especiais e os Estados constituem um crescente volume de informações sobre os direitos religiosos, que indicam, igualmente, em que medida estes últimos são protegidos. Por outro lado, a Pacto criou um procedimento facultativo para os indivíduos que desejam comunicar ou apresentar uma reclamação.

No que concerne a Declaração, a Comissão dos direitos do Homem já nomeou, sucessivamente, três Relatores: Ângelo Vidal de Almeida Ribeiro (1986-1993), Abdelfattah Amor (1992-2004) e Asma Jahangir (de 2004 até hoje). Em 1983, a Sub-Comissão da luta contra as medidas discriminatórias e de protecção das minorias designou um Relator especial, Elizabeth Odio Benito, cuja tarefa era preparar um estudo geral e aprofundado sobre as actuais dimensões dos problemas da intolerância e da discriminação fundadas sobre a religião ou a convicção, para actualizar as conclusões do estudo realizado anteriormente por Arcot Krishnaswami.

Todos estes elementos dão uma perspectiva global da situação dos direitos religiosos. Os Relatores redigiram os seus relatórios partindo das respostas aos questionários que tinham sido distribuídos. Foi baseando-se nas suas conclusões que depois formularam recomendações. As violações da Declaração e das liberdades religiosas em geral, foram expostas e analisadas, e os governos sentiam que tinham de responder a estas acusações. Os Relatores denunciaram a perseguição, a detenção, a tortura ou os maus-tratos, o assassínio, a profanação de locais religiosos, as restrições praticadas contra certos grupos classificados de seitas e muitas outras formas de discriminação, de perseguição e de violência. Estudaram minuciosamente os relatórios de diferentes países e deram parte dos seus comentários.

Além das Nações Unidas

Para além das Nações Unidas, outras organizações internacionais, mundiais e regionais, adoptaram instrumentos que fazem referência aos direitos ligados à religião. O Conselho da Europa, por exemplo, redigiu um certo número de instrumentos regendo as normas a utilizar para combater o terrorismo respeitando os valores essenciais e os direitos fundamentais. Por seu lado, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) elaborou, em 2002, um plano de acção global para combater o terrorismo e debateu, em 2005, a liberdade religiosa no contexto da luta contra o terrorismo. Além disso, a revista do Comité Internacional da Cruz Vermelha consagrou um número especial ao aumento da violência associada à política e à religião.

Alguns Estados têm tomado, igualmente, pelo seu lado, medidas para fazer face aos perigos da perseguição e da discriminação fundadas na religião e na convicção. O Departamento de Estado americano, por exemplo, publica cada ano um relatório preparado pelo Bureau da Democracia dos direitos do Homem e do trabalho. O seu objectivo é “dar a conhecer as actividades dos governos: tanto aqueles que reprimem a expressão religiosa, perseguem os crentes inocentes e toleram a violência contra as minorias religiosas, como aqueles que respeitam, protegem e encorajam a liberdade religiosa”. Dá a conhecer os abusos de que são vítimas os membros de todas as tradições e convicções religiosas. Sublinha que essas ausências de liberdade religiosa podem tomar diversas formas, algumas flagrantes, outras mais subtis, e que há frequentemente sobreposição entre a questão étnica, a classe social, o grupo linguístico ou a filiação política. Os abusos exprimem, frequentemente, a hostilidade do Estado para com uma minoria religiosa ou traduzem-se através de políticas ou legislações discriminatórias.

O Direito Penal Internacional

Um exame das medidas tomadas

a fim de proteger os grupos religiosos da perseguição assim como da discriminação e da intolerância não pode ignorar a importância do Direito Penal Internacional nesse domínio. O Direito Internacional do pós-guerra teve de encontrar respostas para as lições do conflito mais custoso da história em termos de vidas humanas. A construção de uma ordem internacional visando preservar a paz e prevenir outros crimes atrozes, requer certas medidas para impedir que se produzam actos criminais para com grupos religiosos.

Em consequência, um dos primeiros tratados debruçando-se sobre os direitos do Homem adoptados pelas Nações Unidas foi a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, um crime que implica, segundo o Tribunal Internacional de Justiça, (TIJ) a negação do direito a existir de grupos humanos inteiros. Por detrás do genocídio há obrigatoriamente a intenção de destruir, por inteiro, ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

O genocídio é hoje considerado como uma violação do jus cogens e, como declarou a Tribunal Internacional em Fevereiro de 2007, na sua decisão tão importante como controversa, a propósito de problema Bósnia c. Sérvia, todos os Estados têm a obrigação legal de aplicar e de apoiar a aplicação da Convenção. Apenas esta decisão do Tribunal induziu uma mudança radical no texto da Declaração para incluir medidas de aplicação.

O genocídio é o primeiro dos crimes enunciados no Estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) criado pelo Tratado de Roma. Por outro lado, segundo esta instituição, o genocídio e a limpeza étnica estão na origem do surgimento dos tribunais penais internacionais ad hoc para o Ruanda e a ex-Jugoslávia. O facto de esses tribunais serem necessários reflecte a triste situação do nosso mundo. Desde os anos 1990, muitos outros tribunais desse tipo foram criados (para a Serra Leoa e o Cambodja).

Em Dezembro de 2008, o mundo civilizado celebrou o 60º aniversário da adopção da Convenção contra o genocídio. Este é tão essencial hoje, como em Dezembro de 1948. As comunidades religiosas ou pertencendo a uma convicção estão ainda expostas a numerosos abusos e à perseguição, coisas que devem ser prevenidas e reprimidas. No entanto, a ameaça mais terrível à qual esses grupos devem fazer face é a que põe em perigo a vida dos seus membros. Infelizmente, não é fácil reprimir o genocídio. O procurador de TPI, Luis Moreno Ocampo, foi apelidado de “Don Quixote do Darfur” por uma revista popular americana. Se bem que já tenha acusado nove pessoas originárias de três países diferentes, ele parece ter declarado que apenas os resultados farão o TPI evoluir para “outra coisa diferente de um monumento de boas intenções”.

A protecção judicial internacional

O Tribunal Penal Internacional e o tribunal especial estabelecido pelo Conselho de Segurança são, por natureza, competentes para julgar os actos criminosos dos indivíduos. Contudo, os Tribunais Internacionais têm igualmente, como tarefa estender a protecção judicial geral aos direitos do Homem ligados à religião ou à convicção. O Tribunal Internacional de Justiça tem tido poucas ocasiões de assegurar uma tal protecção.

As circunstâncias em que os tribunais regionais têm tido que se ocupar especificamente dos direitos do Homem têm sido muito numerosos. O Tribunal americano teve, por exemplo, de proteger os direitos fundamentais do Homem ligados à religião, à vida, à segurança pessoal e às liberdades processuais. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por sua vez, tem muitas vezes chamado a intervir sobre o assunto da protecção dos direitos ligados à religião ou à convicção. Não é de surpreender quando se conhecem as diferenças entre as situações políticas dos dois continentes. Enquanto na América Latina as ditaduras e os regimes militares negam as liberdades fundamentais, na Europa os direitos ligados à cultura e à consciência são muitas vezes citados perante os tribunais. Quanto à África, ela não dispõe de protecção judicial ao nível do continente, excepto os modestos esforços de vigilância da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.

No conjunto, os Tribunais europeus prestaram um trabalho útil e construtivo no domínio da protecção dos direitos do Homem, compreendendo os direitos ligados à religião e à convicção. Em certos casos, no entanto, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deu demasiada importância à margem de apreciação que é deixada a cada um dos Estados. Ele achou, com efeito, que para certos assuntos, as autoridades e tribunais locais estão em melhores condições do que uma autoridade judicial internacional para tomar decisões que podem afectar a ordem pública ou certos interesses fundamentais do Estado.

Por exemplo, no assunto do lenço turco, acho que o Tribunal deu muito peso à margem de apreciação do Estado e subestimou o direito do indivíduo a manifestar uma convicção religiosa sincera. A liberdade de manifestar a sua religião, lembremo-nos, não pode ser objecto das restrições previstas pela lei e que são necessárias à protecção da segurança, da ordem e da saúde públicas, ou da moral ou das liberdade e direitos fundamentais de outrem.

No que se refere ao Islão, os Estados muçulmanos parecem encontrar dificuldades em encontrar analogias entre as leis religiosas e os direitos do Homem reconhecidos internacionalmente. A propósito de questões como os direitos da

mulher, a conversão, a apostasia, a liberdade de culto e outros direitos fundamentais ligados à religião e às convicções, certas violações têm assim sido postas em evidência, e isso, mesmo adoptando uma abordagem de pluralismo cultural muito vasta.

Conclusão

É necessário proteger os direitos do Homem relativos à religião ou à convicção contra aqueles que querem violar as liberdades fundamentais e perseguir os indivíduos ou as comunidades por causa da sua religião ou convicção. É o que se tem procurado fazer, tanto ao nível nacional como internacional. Alguns Estados consideram mesmo que é seu dever reagir contra todo o atentado às liberdades religiosas noutros países, em particular porque as liberdades religiosas estão estreitamente ligadas ao respeito por outros direitos fundamentais. A esse respeito, a comunidade internacional tem um importante papel a desempenhar.

* Professor de Direito Internacional do Centro Interdisciplinar da Herziliya e na Faculdade de Direito da Universidade de Tel Aviv, Israel.

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