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Introdução
PREFÁCIO
Este livro nasce de uma parceria entre dois professores universitários com trajetórias nos estudos arqueológicos sobre a Amazônia brasileira e suas esferas de interação com o Orinoco, Caribe e Mesoamérica. Em 2014, o professor Alexandre Guida Navarro contatou-me para relatar suas novas descobertas arqueológicas da Amazônia no estado do Maranhão, o limite mais oriental desta grande floresta. Seus estudos revelaram uma extensão de tradições arqueológicas amazônicas em áreas estuarinas para além de Marajó, o que me interessou. Em 2017, o professor Guida Navarro recebeu uma bolsa da Fulbright Commission para trabalhar na University of Illinois Chicago, sob meus auspícios, e, em 2018, estive no Maranhão ministrando palestras e indo a campo para conhecer estes novos sítios arqueológicos, sob o convite do referido professor. Após minha palestra, surgiu a ideia de escrever um livro ilustrado, conciso e didático sobre os resultados das nossas pesquisas no Baixo Amazonas, para o público universitário das Ciências Humanas em geral e para toda a sociedade interessada na complexa história de longa duração da Amazônia. Este livro, que o leitor tem em mãos, nasceu, portanto, desse processo.
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INTRODUÇÃO
Este livro é sobre a antiguidade, complexidade e diversidade da cultura indígena da Amazônia. Pesquisas de antropólogos, geógrafos e historiadores evidenciaram uma longa e gloriosa sequência de culturas indígenas que remonta 13.000 anos de idade. As culturas mudaram bastante nesse período e diferiram muito de região para região. No entanto, essa sequência cronológica pode ser dividida em três grandes e coerentes estilos de tradição que se espalharam por muitas regiões durante esse tempo. Embora não tenham sido classificados até o final do século XX, os estilos de Tradição Saladoide-Barrancoide do Formativo, a Tradição Polícroma e a Tradição Inciso-Ponteada foram reconhecidos pelos primeiros estudiosos. A amplitude do tempo e a elaboração das culturas foram de fato reconhecidas há muito tempo por estudiosos brasileiros, norte-americanos e canadenses do século XIX e início do século XX (Derby, Goeldi, Hartt, Netto, Nimuendaju, Penna, Wallace e outros). Wallace e Hartt reconheceram que havia sociedades de caçadores-coletores na Idade do Gelo que criaram ferramentas de pedra finamente lascadas e pinturas rupestres monumentais. Hartt e Penna viram que havia culturas sedentárias de pescadores e coletores de moluscos que produziram cerâmica no início do período climático moderno, e que deixaram para trás grandes montículos de moluscos, ossos de peixes e cerâmica (povos dos sambaquis). Goeldi, Hartt e seus alunos, e também Netto, perceberam que, na Pré-História mais tardia, existiram sociedades sedentárias prósperas que construíram numerosos montículos artificiais de terra e efígies de cerâmica antropomórfica, com elaborada decoração modelada, incisa e pintada. E as explorações arqueológicas de Nimuendaju ao longo das margens e ilhas do Baixo Amazonas evidenciaram uma série de culturas ricas e bélicas que produziram abundantes modelagens, incisões e pinturas em cerâmica e pedras esculpidas no momento do primeiro contato com os europeus.
Esses primeiros estudiosos, e até mesmo observadores anteriores, também haviam percebido aspectos interessantes e incomuns da organização social dos povos antigos. Tanto Hartt quanto Wallace notaram que as primeiras pinturas rupestres pareciam orientadas para o culto ao sol. A maioria dos estudiosos reconheceu a importância das imagens de animais e humanos na arte, e Netto notou especialmente a predominância de imagens femininas na iconografia das antigas sociedades construtoras de montículos do Baixo Amazonas, em que os primeiros exploradores e missionários como Carvajal, Fritz e Bettendorf descreveram a importância de mulheres governantes e divindades femininas entre as sociedades populosas e guerreiras ao longo do rio Amazonas. No entanto, em meados do século XX, Meggers e Evans, acadêmicos norte-americanos que pesquisavam na América do Sul, adotaram uma visão diferente. Eles argumentaram que a floresta tropical quente e úmida impediu severamente o desenvolvimento cultural nativo na Amazônia. Eles achavam que a ocupação humana indígena havia sido limitada principalmente a uma adaptação cultural pré-histórica tardia de sociedades nômades, que viviam da prática da coivara e da caça e coleta. Embora tenham reconhecido a magnitude da cultura pré-histórica tardia e construtora de montículos do Tradição Polícroma na foz do Amazonas, que serviu de objeto de estudo para suas teses acadêmicas, eles a atribuíram a uma invasão de civilizações andinas que tiveram um breve desenvolvimento na região, mas que foram fadadas ao fracasso por causa das condições da floresta tropical. Essa nova visão foi contestada por alguns pesquisadores, especialmente Lathrap e seus alunos, que reconheceram uma maior envergadura e complexidade da ocupação humana pré-histórica do que a sugerida por Meggers e Evans. Mas a pesquisa científica moderna na Amazônia ainda era bastante limitada, por isso não estava claro no debate qual era a visão que estava mais próxima do que teria acontecido na Pré-História.
Por força do acaso e da abertura das instituições brasileiras para novas pesquisas em 1980, Roosevelt ingressou no trabalho arqueológico na Amazônia. As coleções de museus e escritos dos estudiosos do século XIX e início do século XX foram uma importante inspiração para ela, que propôs uma pesquisa de campo para investigar a natureza e a idade de diferentes culturas durante a Pré-História. Trabalhando com colaboradores, estudantes brasileiros e americanos e bolsas de agências de ambos os países, ela conseguiu realizar sucessivas temporadas de pesquisas de campo para descobrir o panorama das culturas que