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Instruções para Pegar um Dinossauro

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A Lynn

A Lynn

Jesse Rothbard

Você verdadeiramente quer pegar um dinossauro, hein? Não vai ser fácil, mas percebo a determinação nos seus olhos então vou contando. O primeiro passo para pegar uma criatura assim, como bem sabe todo pescador ou caçador, é o seguinte:

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1. encontrar a isca adequada

No meu caso, foi durante uma pequena jornada de pesca em que o conheci e lembro, nesse momento, a sensação de terra fria nas pontas dos meus dedos. Cavava com as mãos, enquanto meu pai usava a pá para abrir uma série de buracos perto de um galpão no terreno do meu tio. Para um moleque como eu, imaginava que se eu fosse um animal submarino, uma grande minhoca gorda seria, para mim, uma comida recheada ideal. Mas, na verdade, não tínhamos muito tempo. Devido à intensificação da umidade ao final da tarde, quase todos os dias havia uma tempestade com trovoadas durante a qual não era seguro ficar fora, nem muito menos ficar perto da água. Então, havia certa urgência nos meus movimentos, mas pouco a pouco uma pilha de minhocas rosadas contorcia-se numa lata enferrujada que servia como um recipiente para nós. Na minha infância, íamos à casa do meu tio nos arredores de Orlando para passarmos algumas semanas lá e celebrarmos meu aniversário. Mas a verdadeira aventura se encontrava nos

pequenos lagos e lagoas que salpicavam a paisagem floridense. Nesses lagos, moravam centenas de espécies de jacarés, tartarugas, insetos aquáticos, e claro, muitos peixes que talvez o mundo nunca tenha conhecido antes, quem sabe. Caminhando com o cachorro do meu tio à noite, às vezes, vislumbrava o reflexo de olhos acima da água contemplando-nos e temia que algo nos pegasse. De toda a forma, uma faísca da luz desses olhos nas trevas havia permanecido dentro de mim.

Quando partimos, o caminho era familiar para mim. Árvores massivas cobriam a estrada e suas formas revelavam o impacto de furações passados, com troncos estilhaçados e tufos de musgo espanhol agarrando-se aos galhos. Desta vez, não caminhava de noite, apenas de manhã na direção do clube de tênis. No mesmo bairro, havia uma pequena enseada cercada por um manguezal cujas raízes serviam de quebra-ondas para uma doca ali. O cais não era grande, apenas uma pequena plataforma para várias pessoas desembarcarem de um ou dois barcos. Diminutos peixes, muitos só do tamanho de um polegar, davam a volta rapidamente e recuavam para a água mais profunda ao perceberem nossa aproximação. Agora era o momento para o segundo passo, ou melhor, neste caso, um conselho:

2. se algo pode dar errado, dará

Para pegar um peixe que lhe dê merecidas vanglórias por uns meses, ou inclusive anos, é preciso preparar bem os apetrechos, especialmente se o peixe for grande ou suficientemente ágil para enredar-se na alga e rompê-la. E saber no que consiste a diferença entre “pegar” e “pescar” é fundamental.

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Dou-lhe um exemplo para ilustrar. Eu passava (e ainda passo) muito tempo “pescando” e só às vezes “pegando”. Quer dizer, que me encontro com poucos peixes quando estou pescando e passo muitas horas muitas vezes só em silêncio, ouvindo os coaxos das rãs ou o rumor de motores do outro lado da lagoa.

Mas, nesse momento, eu estava determinado. Não sairia do lago sem algo, ainda se pegasse uma bota ou um jacaré que, com certeza, me devoraria. O meu pai e eu desempacotávamos a caixa contendo os apetrechos e começávamos a armar a vara. Cada vez que íamos à Flórida, usávamos a mesma vareta, enfaixada no meio, como as mãos de um boxeador veterano. Um grou-americano descia do céu e chegava a posar entre as mangueiras enquanto o meu pai me passava os apetrechos preparados.

Então o que aconteceu foi um longo período de espera. É nisto que consiste o terceiro passo para pegar um dinossauro:

3. é preciso ter paciência, e montes dela

No cais, escutavam-se os gritos de tenistas vitoriosos, misturados com o berro ocasional de um jacaré ecoando à distância. Eu tentava colocar a isca em diferentes lugares, deixando-a num lugar por uns minutos, ou também enrolando-a para imitar um peixe pequeno nadando. Trocava a minha posição. Às vezes, ficava com as pernas cruzadas, ou com uma em cima da outra. Às vezes, ficava de pé, ou sentava-me na doca, deixando os pés roçarem a água até que eu notasse uma mudança.

A ponta da vara tremulava, dobrando-se com o peso de algo debaixo da água antes de voltar outra vez à sua posição vertical. Esse movimento se repetiu várias vezes até o momen-

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Salomão José França Ribeiro, 11

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to em que o meu pai bateu a vara para cima para ressubmergir o anzol, e me passou a vara. A linha retalhou a água com violência, mas logo sua superfície ficou completamente calma, refletindo o azul do céu, com um só círculo emanando do ponto onde a água e a linha se encontravam. Com um golpe seco, o carretel começou a gritar num berro mecânico que anunciava que o peixe havia decidido correr com a isca. A água fervia com um furor inédito.

Eu mantinha a vara angulada para que o peixe pudesse seguir puxando a linha sem muita resistência do molinete, mas com uma tensão constante para perceber o momento quando a velocidade diminuiria, ainda que fosse por um segundo. Esse seria o instante perfeito para começar a retrair o meu oponente. Tecendo no ar um movimento suave, eu puxava a linha gradualmente, com a intenção deliberada de não resistir ao peixe quando quisesse correr outra vez. Assim, insistimos numa permuta, numa corrente que unia a água e o ar.

Com delicadeza, passei a retirar da água a linha já coberta com algas para colocar o peixe nas tábuas de madeira molhada do cais. Uma cara magra e afilada me contemplava do fundo da lagoa antes de romper a superfície. Um lúcio, dizia meu pai, ao vê-lo na ponta da linha. A criatura tentava escapar para baixo num acesso final de velocidade, mas já era tarde.

O lúcio, vestido com uma cascada de escamas polidas e uma mandíbula lotada de dentes como agulhas, fervilhava com energia no cais. Conhecidos como um Chain Pickerel em inglês, os lúcios são predadores que evoluíram na mesma época do Tiranossauro Rex, um verdadeiro fóssil suspendido no tempo e nas correntezas debaixo das ondas. Um dinossauro encalhado no presente. Fitava-o e observava seus olhos injeta-

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Davi Andrade, 13

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dos e sua forma ofegante. Sua mandíbula tremia de um jeito quase que imperceptível. Eu me lembro da sensação de tristeza que me invadia ao ver sua silhueta sobre a madeira da doca. Pode imaginar uma solidão assim? Uma solidão de milênios. Uma solidão pré-histórica nas profundezas da água?

Enrolamos o lúcio numa toalha ensopada para mantê-lo molhado e para impedir que nos mordesse enquanto tirávamos o anzol da sua boca. Agora, o quarto e último passo talvez seja o mais importante:

4. soltar

A beleza de pescar, para mim, não consiste em um troféu ou no fato de vencer a natureza, mas representa um momento para aprofundar a conexão com ela e as pessoas ao redor.

Os peixes, depois de um período fora da água, precisam de um certo tempo para deixarem o oxigênio que extraem de seu ambiente circular nos pulmões e para começarem a se mover outra vez. Se são soltos diretamente na água morrerão, pois não podem simultaneamente nadar e recuperar a sua força depois da luta com o pescador. Com a ajuda do meu pai, transferi o lúcio, ainda ofegante, à água do lago, sem que o soltasse. Lentamente, retirei-o da toalha enquanto segurava sua barriga com as mãos. A boca dele abria e fechava com as ondas que escorriam atrás de nós e batiam na areia.

Sentindo tremular suas guelras e nadadeiras, passei a aliviar o meu aperto no seu corpo. De repente, com um estalo de sua cauda, desapareceu, como se nada tivesse ocorrido. Mas você acredita em mim quando digo que um dia conheci um dinossauro?

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Lua Vida Silva Cassell, 10

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