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2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
2004 Grupo Pandora de Teatro desenvolve trabalho de pesquisa e criação no território
2005 Comunidade Cultural Quilombaque é criada a partir da iniciativa de jovens moradores de Perus
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2008 Café Filosófico - encontros que discutiam a memória do bairro - desenvolve-se preliminarmente um projeto comercial para a fábrica e entorno que não foi realizado (escritório privado)
2013 Movimento pela Reapropriação da Fábrica: grupos locais formam um coletivo em prol da fábrica
2014 Revisão do Plano Diretor Estratégicogrupos locais participam das audiências
2015 TICP Jaraguá-Perus é criado
Inauguração da Estação Perus São Paulo Railway
1867
Término da construção da Estrada de Ferro PerusPirapora
1914
Inauguração da Companhia Brasileira de CImento Porland S.A.
1924
Primeiro ano de produção, em 1927, atingiu 25 mil toneladas de cimento
Gestão Abdalla, em 1951 o Deputado José João Abdalla compra a Cimento Perus
Bairro cresce em população, configurando-se como distrito independente da cidade de São Paulo, com cerca de 3504 habitantes
1934
Início da assessoria sindical - Não violência ativa
1954
1a Greve - Surgem os “Queixadas”
Início da greve dos 7 anosgrevistas pedem a desapropriação da fábrica pelo não cumprimento dos acordos trabalhistas de 1959 a 1960
Fim da greve dos 7 anos: 501 Grevistas
Estáveis ganham na justiça o direito a indenização e de volta ao trabalho, entretanto outros não
Fechamento da Fábrica de Cimento - Franco Montoro tomba a Estrada de Ferro Perus-Pirapora
1958
1962
1969
1987
Tombamento CONPRESP da Fábrica de Cimento e entorno (23 alqueires e 16.770m2 de área construída).
1992 em 1973 o Governo Medici confisca os bens da companhia, e decreta falência
Em 1980 a Fábrica vai a Hasta Pública (leilão), e o Absalla arremata a CBCPP com a única oferta
1993 Paulo Maluf assume a prefeitura de SP e se enfraquece diálogo com o órgão municipal
Em 2004 FAJA Des. Urbano solitica revisão do tombamento, para diminuir a área protegida. Vilas operárias são demolidas
A Perus Pr Ind Stria
Perus é o último distrito a noroeste da capital paulista. No século XVII, existiram em sua área a Fazenda dos Pires, propriedade de Salvador Pires Medeiros, capitão da gente de São Paulo, dedicada à produção vinícola; e a Fazenda Ajuá, pertencente ao paulista Domingos Dias da Silva, tida como uma das maiores fazendas de cereais nas cercanias da Capital no começo do século seguinte. Em l856, o Registro Paroquial de Nossa Senhora do Ó assinalava 16 proprietários de terras no “Bairro do Ajuá”, antigo nome de Perus. Olhando sob o recorte da corrida da extração mineral, a busca de ouro foi tema recorrente durante os primeiros estágios da ocupação portuguesa do Brasil, e assim, o ouro encontrado em 1590 no Pico do Jaraguá e no Córrego Santa Fé - cujas nascentes situam-se na encosta da montanha, atraiu exploradores para a região. Produziram muito durante a primeira metade do século dezessete, e as grandes quantidades de ouro de lá canalizadas para a Europa granjearam para a região o cognome de segundo Peru, em alusão ao país sul americano que foi imensamente explorado pelos colonizadores espanhóis.
PARTE 2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Perus tornou-se um distrito do município de São Paulo, reconhecido pela Câmara Municipal, em 21 de setembro de 1934, desmembrado do então sub-distrito de Nossa Senhora do Ó, ao qual ficou dependente até o ano de 1867. Até porque, boa parte dos bairros da chamada Zona Norte 1, ou Zona Noroeste, eram pertencentes ao distrito de Nossa Senhora do Ó. Em 1948, parte de seu território serviu para a formação do novo distrito do Jaraguá.
O desenvolvimento do bairro de Perus, a partir das instalações da indústria que estava por chegar, dispôs centenas de postos de trabalho, e com isso, Perus estava prestes a se transformar de personagem produtor agrícola, com algumas chácaras, para receber migrantes e imigrantes, estes que adensariam nas futuras vilas operárias, e loteariam as chácaras.
Hist Rica
P S Efpp E A Era Cbcpp
No ano de 1867, junto com o restante da São Paulo Railway (atual CPTM – linha 7 Rubi), foi inaugurada a Estação de Perus, dando início a um processo de urbanização do Vale cujos grandes marcos foram a Companhia Melhoramentos de São Paulo (1890), o Hospital Psiquiátrico do Juquery e sua Fazenda (1898), a Estrada de Ferro PerusPirapora (EFPP, 1910) e a Fábrica de Pólvora erguida a uns duzentos metros da Estação de Perus, da qual restam alicerces.
A Estação Perus, a princípio, era pra ser apenas um ponto de parada para reabastecer a água das locomotivas que seguiriam viagem para Jundiaí, mas acabou sendo um grande facilitador de acesso para o desenvolvimento próprio do bairro, que além de possuir um “cenário propício”, continha em seu solo uma riqueza de minérios, muita área desocupada e disponível, e boa oferta de recursos naturais.
Em 1887 o Coronel Proost Rodovalho criou a Melhoramento nas terras que iam de Caieiras até o noroeste da estação Perus. Em 1909 um grupo de empresários, dentre eles, Sylvio de Campos (que leva até hoje nome de uma das vias arteriais mais importantes do miolo do bairro Vila Perus), Mario Tibiriça, e Clemente Neidhart solicitam permissão para construir um tronco feroviário ligando a então estação Perus, até a cidade de Pirapora de Bom Jesus, como objetivo alegavam que levariam romeiros até o santuário da cidade.
Após 15km de construção, os trilhos foram desviados para o bairro de Gato Preto em Parnahyba, onde houveram grandes reservas de cal que começaram a ser exploradas em 1914 com a inauguração da Estrada de ferro Perus Pirapora.
PARTE 2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Construção da Fábrica de Cimento
Portland Perus S.A. (1925). Acervo Nelson
Aparecido Bueno Camargo
Foi em 1915 por iniciativa do Dr. Sylvio de Campos, e idealizadção do engenheiro Dr. Walter Charnley, em uma parceria entre brasileiros e canadenses, que começou a se concretizar o empreendimento do ramo do cimento, inaugurado em 1924, a CBCPP, Companhia Brasileira de Cimentos Portland Perus.
O impulso necessário se deu em 1923, sobretudo pelos “senhores” Drysdale e Pease, ambos de Montreal, que solicitaram uma análise especializada e encomendada, para conferir os depósitos de calcário encontrados em São Paulo, Rio de Janeiro, e Minas Gerais. Tal análise concluiu que a matéria prima de Perus era a mais vantajosa e de maior qualidade, ainda em grande quantidade disponível, sem contar o fator localização.
A primeira produção da fábrica se deu em 1926 apenas, e tão cedo já representava o avanço da indústria no país, por possuir máquinas de alta tecnologia, e produzir com regularidade e larga escala. Sua representatividade e destaque se deu, muito também por conta da necessidade de cimento de qualidade na década de 30.
Por suprir a produção nacional, a CBCPP fornecia quase todo o cimento utilizado nas construções e engenharias de grande porte, e erguidas até hoje, como o Viaduto do Chá, a biblioteca Mário de Andrade, o túnel e viadutos da Av. 9 de Julho, Brasília, etc.
Construção da Fábrica de Cimento
Portland Perus S.A. (1925). Acervo Nelson
Aparecido Bueno Camargo
Com relação aos registros de funcionamento uso e vida da Fábrica, sabe-se que inicialmente trabalhava-se até 12 horas por dia, até a consolidação das leis trabalhistas da década de 1940.
Após o código d e legislação dos trabalhadores, a jornada de trabalho foi alterada, de forma a estabelecer 3 turnos de 8 horas, para que a produção mal fosse interrompida.
O trabalho demandava diversas habilidades específicas, de acordo e a depender da função, como: força bruta para ensacar o cimento e organizar os carregamentos dos trens, qualificação para operar e consertar o maquinário, e atenção vital para operar os fornos.
Ao passe que a indústria instalou-se como construção, trazendo modernidade nos arredores da estação Perus, ela requeria mão de obra especializada, e criou estratégias portanto para atrair e reter força de trabalho qualificada. Provavelmente a mais importante estratégia, foi oferecer um conjunto de auxílios e vantagens aos que ingressassem ao corpo de funcionários operários, sendo a principal delas, moradia com infraestrutura.
Créditos: Acervo Nelson Camargo.
PARTE 2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
“(...) naquele tempo era bom, era como se fosse uma família só, muito unidos, a gente vivia muito bem lá.”
D. Síliva Cruz, (SAO PAULO, 1992, p.110)
As Vilas Operárias possuiam água, esgoto, e energia elétrica - que até então nem havia chegado para o bairro “fora a fábrica” (Perus só recebeu tais infraestruturas urbanas em 1953)e pelo formato de desconte em folha de pagamento. Além da infraestrutura, eram atrativos também a assistência médica, dentista, açougue, farmácia, e restaurante.
Configuraram-se as primeiras vilas operárias, que a poucos metros da fábrica, propunham um formato “confortável” e “prático” de se viver: Vila Triângulo, Vila Portland, VIla Fábrica, e alojamentos,.
Campo Portland Perus.
Fonte: Acervo Nelson Camargo.
Vale lembrar que nas propriedades da fábrica ainda assim não havia nenhum tipo de cerca ou algo que impedisse a população de nela entrar. Pelo contrário, as demarcações da Fábrica eram abertas a toda a comunidade, por muito tempo.
A vida além da fábrica se passava, por vezes, no Clube Esportivo Portland, no Cinema, no Salão da Fábrica, o “Caramanchão”, e por muito tempo se nutriu de momentos de lazer e cultura, propiciando vínculos tanto ao espaço quanto à vizinhança. As atividades de lazer incluíam reuniões, futebol, jogos de baralho, bocha, ping-pong, festas (por vezes abertas ao restante do bairro), e bailes.
Debruçando sobre relatos de ex moradores e vizinhança, depoimentos valiosos do livro “Queixadas”, vislumbra-se Elias, ex comerciante e não-operário: “podia entrar e sair, sem ninguém interpelar. Era livre e aberto, era como que entrar aqui em casa. Aqui ainda tem portão, lá nem tinha isso. Eu sou desse tempo”.
Podemos reconstruir um cenário de que a Fábrica era um mundo mágico, para todos os meninos e meninas peruenses e dos arredores, que, uma vez por dia, enfiavam-se pelos cantos desconhecidos entre máquinas gigantes e sacos de cimento.
Passeata das mulheres queixadas no centro de SP
Piquete formado por mulheres de Cajamar, em maio de 1962.
Assembleia realizada no Sindicato, em agosto de 1962
Saída do cinema.
Fonte: Acervo Nelson Camargo.
Já Arlindo, que morava na Vila Triângulo com sua família, relata no livro que possuía o hábito de nadar no ‘riozinho sujo’, o Ribeirão Perus, que fica logo abaixo da Fábrica de Cimento. O riozinho, conta ele, era na verdade uma grande poça d’água, pois para fazer o cimento da fábrica, o solo era cavado e de lá tirada a terra vermelha utilizada na indústria. Depois das chuva, a água remanescente, junto à argila, e minério que escorriam da fábrica, transformavam aquelas crateras em piscinões.
Mas se por um lado houve harmonia e beleza, quanto às consequências de uma produção ininterrupta, foi em 1972 que Perus se tornou palco também de uma das primeiras campanhas ambientais da história do Brasil, com o lema “o pó de cimento esmaga a vida”. Os resíduos que vinham das chaminés, que não possuíam filtros por negligência de gestão, prejudicaram substancialmente a qualidade do ar, e contaminaram com acúmulo de sedimentação as casas, o solo, as plantações, o ribeirão, e poluíram a ponto de deixar diversas pessoas com problemas respiratórios, tendo tal fato sido noticiado já na época.
Essa campanha ambiental foi um marco no que diz respeito a própria natureza do movimento, e da Era de resistência operária de Perus como um todo, pois a presença feminina como linha de frente dos piquetes e passeatas, do início ao fim, provou como as mulheres foram o esteio fundamental da cooperativa, e atuaram fora da Fábrica pela resistência, pelas suas famílias e pela comunidade.
Falar delas, as mulheres das famílias operárias, e equipará-las aos homens que de fato trabalharam nas fábricas, é primordial para entender o princípio dos movimentos e o desenrolar do futuro da Fábrica, das Vilas, e da Era da CBCPP, afinal a importância, o envolvimento e a participação delas nessa luta social foi tão significativa, que é intrínseca às conquistas e batalhas até hoje.
PARTE 2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Silos e Chaminés.
Créditos: Acervo Nelson Camargo.
Sala de maquinário.
Créditos: Acervo Nelson Camargo.
Perus em 1980. Telhados de casas de Perus cheios de pó de cimento. Foto: Paulo Leite (Agência Estado)
Foi em 1951 que a Companhia mudou de gestão, e o patrão José João Abdalla, político e empresário, que havia comprado a CBCPP e a EFPP, comandou e dirigiu a fábrica para tempos de incerteza, visando a elevação dos lucros sobretudo, tomou medidas que ocasionaram falta de manutenção de máquinas, diminuição de quadro de funcionários, e consequentes acidentes de trabalho, que ameaçaram a qualidade de vida e condições de emprego. Na década de 1960 a produção sofreu baixas e retrocedeu, não só na produção em si. Em 1954 as assessorias sindicais iniciaram para os operários uma orientação, e os anos seguintes contaram com muitas greves e paralisações em virtude do não cumprimento das leis trabalhistas, por parte da gestão e administração.
O expressivo grupo de sindicalistas optou pelo conflito pacifista para conseguir suas reivindicações, e a Não-violência se transformou de tática, na própria ideologia do grupo. Ao adotarem essa linha de trabalho, hoje chamada de Firmeza Permanente, lutaram na justiça, desde a primeira greve em 1958, referente à ajuste salarial, até a posterior e histórica greve de 7 anos.
Sabe-se que “Queixadas” foi a denominação dada aos trabalhadores grevistas, e àqueles que não aderiam, “pelegos”. A greve mais longa que se tem registro aconteceu na Cimento Perus, em 1962, por falta de descumprimento de acordos, e 7 anos depois, em 1969, obteve vitória parcial dos trabalhadores.
Apesar de ter sido uma determinação da justiça do trabalho ganha pelo lado dos funcionários, a greve, no entanto, não foi totalmente ganha. Os queixadas não estáveis não obtiveram direitos do benefício, muito menos de voltar à fábrica.
Em janeiro de 1969, com os resultados positivos nos tribunais, os 50 estáveis ganham o direito à indenização e de voltar ao trabalho. Só 309 voltaram às suas atividades. Muitos haviam morrido e outros escolheram permanecer em seus novos empregos.
Após o fim da greve em 1969, os operários até se empenharam em autogerir a Indústria, prosseguindo com 501 processos que denunciavam corrupção na CBCPP, até que em 1973 a Presidência da República confiscou a fábrica (confisco efetivado em 1974 pelo governo Geisel), e decretou falência. A empresa foi a “hasta pública”, sete anos após o confisco do governo, mas o próprio grupo Abdalla, arrematou em oferta única, tanto a Fábrica quanto as Pedreiras em Cajamar. Com a falência da fábrica, quem pagou os salários foi a União e não o Grupo Abdalla. O Governo depositou, em novembro de 1975, mais de 18 milhões de cruzeiros para pagar os salários dos queixadas.
Houve diversas paralisações no decorrer dos anos, até que em 1986 a Fábrica parou por falta de matéria prima. A Fábrica funcionou até março de 1987, com pouca capacidade. As constantes greves, queda drástica da produção, má gestão e falta de matéria-prima, fizeram com que ela não conseguisse recuperar seus antigos índices de fabricação, culminando em seu fechamento definitivo.
PARTE 2 ~ RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA
Linha da Estrada de Ferro Perus
Pirapora em funcionamento, e rente à ensacadora da Fábrica de Cimento.
Créditos: Acervo Nelson Camargo.
Mesmo ângulo da foto anterior, em foto registrada na Jornada do Patrimônio de 2022. Autor: Ana Luisa.