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Iguape : Um marco na histórico na formação do Brasil - Processo de ocupação e construção A disputa pelas terras e pelo titulo de fundador 29
IGUAPE: UM MARCO HISTÓRICO NA FORMAÇÃO DO BRASIL
PROCESSO DE OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA CIDADE
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Ao longo dos séculos, a história de Iguape carrega uma incerteza. Muitas são as suposições sobre a data de origem desse povoado e sobre quem o fundou. É bastante provável que tenha surgido entre os anos de 1498 e 1538. Após muitos levantamentos o município instituiu o dia 3 de dezembro de 1538, como a data oficial de sua fundação. Dados históricos apresentados por diferentes pesquisadores indicam o primeiro povoamento em I-CAA-PARA, hoje bairro Icapara, distante nove quilômetros do Centro, situado em frente ao norte da Ilha Comprida (antiga Ilha Branca), próximo a foz do Rio Ribeira. I-CAA-PARA, é de origem Tupi-Guarani (‘y = água; ka’a = mata; pará = rio grande, mar), e significa água e mato que se encaminham para a água grande, ou seja, o mar. No local há indícios da construção da primeira igreja e de um cemitério. Os pesquisadores não encontraram registros que apontem que o povoado de Icapara tenha sido desmembrado de outra freguesia, mas sim que se mudara de lugar, indo para o atual núcleo urbano de Iguape, em terras doadas por um português identificado como capitão Francisco Alvares Marinho. Na época, o pequeno núcleo de habitantes em Icapara estava em uma região de mar aberto, bastante vulnerável ao ataque de corsários - os piratas que se dedicavam ao roubo de cargas de embarcações. Ventos fortes que sopravam do oceano ameaçavam a segurança das famílias, havia pouca oferta de água potável e o espaço era restrito para a expansão do povoamento. Por essas razões, o grupo que ali vivia, formado por índios Tupiniquins (grafado ao longo dos anos de diferentes maneiras -Tupiniquins, Topinaquis, Tupinaquis e Tupinanquins) e alguns portugueses e castelhanos, decidiu transferir suas moradias para as margens do Mar Pequeno, ao pé do Morro do Espia, um local mais protegido e com água potável em abundância. Em 1577, o povoado foi elevado a freguesia de Nossa Senhora das Neves e a construção da antiga matriz, iniciada em 1614, foi concluída em 1637 e demolida dois séculos depois, em 1858, por se encontrar em adiantado estado de ruínas. Registros sobre a construção dessa igreja é um importante indício do período da transferência da população para o novo núcleo de ocupação, que ocorreu entre os anos 1600 e 1614. É provável que em 1619, a freguesia tenha passado a denominação de vila. Em 1638, na vila de Iguape existia, além das casas dos moradores, a Casa de Fundição de Ouro, a Casa da Câmara e a Cadeia, estas últimas que ficavam localizadas nos fundos da atual Basílica do Senhor Bom Jesus, e foram demolidas em 1827, para a continuação das obras da nova igreja. Estudos indicam que é muito provável que as casas desse período tenham sido construídas em madeira e, por isso, não resistiram ao tempo.
A DISPUTA PELAS TERRAS E PELO TÍTULO DE FUNDADOR
O português Cosme Fernandes (ou seria Duarte Peres?), denominado Bacharel, e o espanhol Ruy Garcia de Moschera disputam o título de fundador de Iguape. Alguns historiadores ainda incluem mais um concorrente, Heliodoro (ou Eleodoro, ou ainda, Eduardo) Ébano (ou Eoban, ou ainda, Eobanos) Pereira. Deste último possível fundador, há registros do nome em diferentes grafias, o que deixa mais dúvidas se seria a mesma pessoa, de origem portuguesa ou alemã, de uma ou mais gerações, e que esteve na região no ano de 1565, ou em 1611 ou, ainda, em 1654. Há muitos questionamentos a respeito de quem encontrou o lugar e formou o povoado em Icapara. A presença do Bacharel Cosme Fernandes pelo litoral brasileiro, antes mesmo da fundação de São Vicente, em 22 de janeiro de 1532, é uma importante evidência de que ele seja, de fato, o fundador. Vale ressaltar que, como afirmam pesquisadores, o título Bacharel não está relacionado a uma formação em Direito, por exemplo, pois nos anos de 1500 essa titulação era utilizada para designar homem de grande erudição na técnica, como um médico, um físico ou um padre.
O certo é que os registros históricos indicam que esse Bacharel fora degredado de Portugal e deixado em terras brasileiras no ano de 1502, que vivia na região quando Martim Affonso de Souza aportou em 12 de agosto de 1531, e que este o encontrou quando permaneceu em Cananeia por 44 dias devido ao mau tempo. O famoso português reconhecido por suas descobertas, teve contato com um grupo de europeus, entre eles Cosme Fernandes e Francisco de Chaves, identificado como seu genro, que dominava a língua dos nativos. Outro possível fundador de Iguape é o espanhol Ruy Garcia de Moschera, que de acordo com dados levantados por pesquisadores, apareceu na região no ano de 1532, à procura de ouro e permaneceu em Icapara por um tempo, regressando para Cananeia. O grupo de espanhóis e indígenas que ali ficou fez o povoado prosperar com rapidez. Mas quem era esse homem? Seria um aventureiro ou um tenente desertor? A história não deixa claro, apenas aponta que ele pode ter encontrado o povoado dois anos antes de o Bacharel Cosme Fernandes chegar com sua família e ali se estabelecer. Alguns historiadores apontam que foram os espanhóis e indígenas que acompanhavam Moschera que deram o nome a Iguape. No início do século XVI, a disputa pelo domínio do litoral sul era reforçada pela delimitação do meridiano de Tordesilhas, que fora garantido no tratado assinado em 1494, entre espanhóis e portugueses, estabelecendo a divisão das terras descobertas. Como esses limites eram pouco precisos, muitos grupos de lusitanos e castelhanos navegavam pela Costa do Ouro e da Prata, como era conhecida a faixa marítima no trecho onde está Iguape e Cananeia, em busca de explorar as riquezas e garantir seus assentamentos. O local era ponto estratégico para o controle de toda a região, e o Rio Ribeira era o principal acesso aos territórios do interior. Essa disputa entre portugueses e espanhóis se intensificou em 1534, quando o capitão-mor de São Vicente, padre Gonçalo Monteiro, ordenou que as pessoas estabelecidas em Icapara deveriam submeter-se às determinações do rei de Portugal ou então perderiam seus bens ou estariam sujeitas à
pena de morte. Os castelhanos defendiam que a terra pertencia a Coroa de Castela, e sua obediência seria ao rei D. Carlos V da Espanha.
Nesse período, espanhóis rebeldes que lutavam pela integração dessas terras à coroa da Espanha, comandados por Ruy Garcia de Moschera atacaram um navio de corsários franceses que chegou a Cananeia, e com a ajuda de indígenas, dominaram a tripulação e se apossaram do navio, das armas e das munições. Os vicentinos irritados com essa atitude enviaram uma tropa comandada por Pero de Góis para combatê-los. Ruy Moschera planejou uma emboscada aos vicentinos que, para não serem atacados, desistiram e retornaram à São Vicente. Após esse episódio, o povoado de Icapara continuava descontente com as ordens vindas da Capitania, e organizou um ataque a São Vicente, que pode ter tido o comando de Moschera, com a participação do Bacharel Cosme Fernandes e de Francisco de Chaves. É certo que o grupo utilizou o navio e o armamento dos corsários franceses para a investida, saqueando a capitania e levando o livro do Tombo, que foi perdido durante a fuga para a Ilha de Santa Catarina de onde os espanhóis retornaram ao Rio da Prata. Pouco se sabe sobre o destino do Bacharel, e não foram encontrados mais registros de seus feitos. Teria ele retornado a São Vicente ou teria terminado seus dias em Iguape, Cananéia ou algum outro lugar? Quanto a Ruy Garcia de Moschera, pesquisadores apontam que, em Rio da Prata, ele servira a diversos governos chegando a ocupar posições de confiança, comandando tropas com a finalidade, dentre outras, de conter a invasão dos portugueses em novas terras. Em Icapara, os moradores que ali permaneciam deveriam ter se mudado para São Vicente, mas é provável que nem todos tenham ido ou que, após algum tempo, tenham retornado ao núcleo do povoamento.
Imagem: Benedito Calixto de Jesus - Fundação de São Vicente, acervo do Museu Paulista da USP
Representação imaginária do Bacharel de Cananeia, por Carlos Fabra
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