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Detox de “navegação à vista” - Bruno Horta Soares

Detox de “navegação à vista”

Os portugueses ainda são do tempo em que se descobriam terras e mares nunca dantes navegados sem arriscar muito e sem grande ciência, agindo de acordo com as circunstâncias e sem perder a costa conhecida de vista. O “navegar à vista” talvez tenha sido uma das nossas principais vantagens competitivas nas conquistas, navegações e comércio no passado e continua a ter uma legião de crentes por terras portuguesas. Quando o tema é mobilidade, tal não é exceção e, por isso, este artigo serve sobretudo para treinar aqueles músculos, menos exercitados, de análise de mudanças de longo prazo que têm o poder de mudar comportamentos, hábitos e estilos de vida: as Megatendências de Mobilidade. O futuro da mobilidade não será determinado por um único fator, mas sim pela combinação de megatendências sociais, tecnológicas, económicas, ambientais e políticas que remodelarão a forma como pessoas e bens se deslocam nas cidades e fora delas. Desde logo, importa ter em consideração que uma análise de megatendências não deve incluir eventos “cisne negro” (ex. terramotos, pandemias, guerras), uma vez que, apesar desses eventos perturbarem a mobilidade de múltiplas formas, não alteram significativamente o rumo de como a mobilidade evolui a longo prazo. Como será a vida em 2050? Quais as questões fundamentais relacionadas com a forma como nos iremos movimentar? • A demografia irá mudar as nossas preferências de mobilidade – Num contexto de crescimento populacional, os veículos privados continuarão a ser vistos como um investimento de ganho de status e independência? Ou as pessoas irão crescer acostumadas à ideia de que um veículo privado é um custo que preferem evitar o mais possível? • As alterações climáticas terão impacto nas nossas escolhas – Irão as alterações climáticas exacerbar as migrações e a exploração de recursos naturais forçando as populações a viver, cada vez mais, em poucas cidades com sobrepopulação? Ou as alterações climáticas irão ser um motivador fundamental para aceleração da inovação tecnológica (ex.: mobilidade elétrica), contribuindo para um desenvolvimento económico cada vez mais sustentável? • O digital irá transformar as nossas experiências de compra, aprendizagem, saúde, trabalho, entretenimento, etc. – Irá o cada vez maior acesso a conhecimento de produtos e serviços contribuir para uma maior movimentação das pessoas em busca de experiências híbridas? Irá o comércio global continuar a crescer e a contribuir para o crescimento do tráfego de mercadorias? Ou será que as pessoas procurarão cada vez mais experiências virtuais? Será que irão utilizar tecnologias de Impressão 3D para produzirem localmente os seus produtos de forma customizada? Poderão as nossas vidas passar a ser mais “locais”, reduzindo a importância das viagens físicas e dos transportes de mercadorias? • Os veículos conectados, autónomos e elétricos estarão por todo o lado – Irão as pessoas circular em veículos autónomos privados de última geração, entupindo as cidades e os subúrbios? Ou poderão os veículos autónomos, conectados e elétricos acelerar modelos de transporte partilhados e intermodais que promovam um transporte conveniente e sustentável, reduzindo dramaticamente o número de veículos privados em circulação e aumentando o espaço? • Teremos assistentes de mobilidade suportados em inteligência artificial que nos conhecerão melhor do que nós mesmos – Poderá a hiperpersonalização, resultante da utilização de tecnologias emergentes, resultar num maior controlo e condicionamento da forma como as pessoas se movimentam? Ou poderá o acesso a este tipo de tecnologias fomentar uma mobilidade mais conveniente e acessível para todos? • O progresso tecnológico continuará a ser o acelerador do desenvolvimento económico – Irão as pessoas ser divididas entre aqueles que têm possibilidade de aceder a veículos privados autónomos, para viajarem a qualquer hora e para qualquer lugar, e as pessoas que irão necessitar de transporte subsidiado para se poderem movimentar e sobreviver? Ou existirá um acesso mais equitativo à prosperidade económica, tornando possível a um maior número de pessoas escolher os meios de transporte mais seguros e sustentáveis para a sociedade e não apenas para indivíduos? Todas as combinações possíveis das respostas a estas questões fundamentais poderão ser agrupadas em quatro cenários elementares, construídos em torno de dois eixos principais: a) o de Maior ou menor Procura; b) o de Maior ou menor

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Bruno Horta Soares Assessor, Consultor e Auditor em Governance, Estratégia, Transformação Digital e Cibersegurança

Liberdade de Escolha (Tabela 1). As organizações, sem exceção, serão impactadas pela forma como as pessoas se irão movimentar e como as mercadorias irão ser transportadas nos próximos 20 e 30 anos. Este é o momento em que as empresas que se dedicam à atividade transitária também terão de decidir se preferem esperar para “navegar à vista” ou se pretendem ter um papel ativo na forma como a realidade se irá moldar às megatendências. Fazer parte do futuro da Mobilidade poderá passar por influenciar as políticas de partilha de dados dos governos para evitar impactos negativos nas vantagens competitivas; colaborar com o ecossistema para explorar novos modelos de negócio e desenvolver novos serviços para que os clientes continuem a procurar experiências globais de consumo e não apenas ofertas locais específicas. ] [ + a d e i l i d b M o d e a u r c P r o ] [ -

MOBILIDADE SUSTENTÁVEL As estradas serão mais seguras, com menos poluição e congestionamento, e mais espaço rodoviário será devolvido à vida da vizinhança. MOBILIDADE INDIVIDUALISTA Menos poluição e estradas mais seguras, mas sem o fim dos engarrafamentos e com as pessoas a passarem cada vez mais tempo nos seus veículos privados.

MOBILIDADE UTILITÁRIA A maioria das pessoas irá desfrutar de estradas mais seguras, menos poluição e congestionamento, mas estarão sujeitas a uma maior vigilância e a limitações das suas escolhas de mobilidade.

MOBILIDADE DE ELITE As pessoas poderão desfrutar de menos poluição, mas serão forçadas a movimentaremse menos e a sujeitaremse a engarrafamentos intermináveis.

[-] Procura de Mobilidade [+]

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