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Nunca se volta à forma original, tudo flui - Marlond Antunez

Nunca se volta à forma original, tudo flui

Já se deparou com o dilema de como é difícil definir a atividade de um transitário? Com certeza já alguém lhe perguntou: o que é que a sua empresa faz? E caso responda “transitário” ou “agente de cargas”, ou até mesmo, em inglês, “freight forwarder”, o leigo fica de olhos arregalados sem compreender do que se trata. Há pouco ouvi um amigo dizer que “somos o agente de viagens, mas para a carga”, e simpatizo com a intenção deste meu amigo de explicar a nossa atividade de forma simples, pois até para o público da área da logística e dos transportes é difícil compreenderem em que parte da cadeia atuamos. Eu costumo dizer que somos a “governanta” do comércio internacional, aquela pessoa/empresa que sabe de tudo, desde como embalar uma mercadoria, até como fazê-la chegar ao seu destino. É quem nos auxilia, não só a preencher a documentação, mas, também, a determinar como deve ser transportado o nosso produto. Mas, para além de definir a atividade transitária, gostaria de focar este artigo em duas características que, não sendo únicas da nossa atividade, nos identificam pela proficiência no uso das mesmas. A primeira característica é o networking; o transitário é um expert em fazer networking do bom, aquele que adiciona valor agregado à atividade. Para quem está a ler este artigo e não compreende o que há de tão especial no networking, permita-me dizer-lhe que, em 2010, foi publicado, no The Canadian Journal of Economics, um estudo feito pela Universidade de British Columbia sobre as missões comerciais (networking) do Canadá no exterior. O estudo concluia que estas missões comerciais geravam resultados insignificantes, ou até mesmo negativos. Naturalmente que não podemos generalizar, pois eu acredito firmemente no poder do networking e nos seus efeitos positivos; mas destaco aqui a eficiência do transitário em criar um networking de altíssima competência. E por que é que com o transitário parece diferente? Pois, porque sabe fazer networking desde os primórdios, que remontam “como atividade profissional” ao século XVIII. Permita-me exemplificar o uso do networking: para transportar uma carga de um ponto ao outro, precisamos de um transitário que organize a exportação e de outro que organize a importação; por outras palavras, há sempre um transitário em cada extremo. Esta simbiose foi gerada pela habilidade de fazer networking, que encontrou um parceiro confiável, profissional e com os mesmos padrões éticos. Este parceiro dá-lhe a segurança de que a sua carga estará sempre em boas mãos e sob vigilância. Até mesmo grandes empresas que possuem escritórios próprios em ambos os extremos começaram por fazer networking. A segunda característica é a habilidade de negociação inata que o transitário possui. Por que digo inata? Porque sem ela, não há atividade transitária; é uma condição sine qua non: para ser um bom transitário, tem de ser um bom negociador. Mas você pode se perguntar, negociar o quê? Bom, tudo! Desde o melhor valor de frete para si, até ao espaço no meio de transporte, passando por negociações com terminais, alfândegas, bancos, seguros, enfim, com cada uma das partes intervenientes no comércio internacional. É tão importante a negociação na atividade transitária, que desta habilidade depende o êxito ou fracasso no transporte das mercadorias. Os recursos são sempre finitos e disputados por vários operadores, que se não conseguir obter uma boa negociação de janelas de carga, espaços, tarifas, entregas, pagamentos, etc., não conseguirá atender às demandas dos seus clientes.

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Marlond Antunez Negociador e Mediador Intercultural Consultor para a Internacionalização de Negócios Representante em Portugal da OnBoard Logistics

Eu costumo dizer que somos a “governanta” do comércio internacional, aquela pessoa/ empresa que sabe de tudo, desde como embalar uma mercadoria, até como fazê-la chegar ao seu destino.

Para encerrar este artigo, e ilustrar o aqui descrito, partilho uma história. Há algum tempo, estava a despachar carga aérea, e havia um embarque de perfumes e artigos de cosmética de valor elevado que saía de uma zona franca e devia chegar ao aeroporto para ser despachado nesse mesmo dia. O camião saía com lacre da zona franca rumo ao aeroporto, sendo que ali seria aberto em conjunto com o fiscal aduaneiro, e transbordado para os contentores aéreos para serem novamente C lacrados na presença do fiscal. A seguir, detalho como as habilidades de networking M e negociação salvaram esse dia. O Y camião passou por contratempos durante a viagem e chegou CMdepois do horário de expediente para a receção da carga; enfatizo aqui que as mercadorias provenientes de zona franca MY não podem ficar fora de recinto alfandegado. CY Então, a área de cargas do aeroporto ia encerrar e o fiscal aduaCMY neiro ia embora. A primeira negociação, foi convencer o fiscal K aduaneiro que, sem a sua presença, não conseguiria fazer o trabalho. Após convencer o fiscal a ficar, precisava utilizar o meu networking para convencer o supervisor da área de receção de cargas a ficar e conseguir, pelo menos, um motorista de empilhadora. Pois bem! Já contava com o fiscal, o supervisor do recinto de cargas, o motorista de empilhadora que mobilizaria os contentores, mas não contava ainda com pessoal para descarregar o camião (o do aeroporto já tinha ido embora). Confesso que, até hoje, lembro-me dos números: 465 caixas de entre 10 e 20 kg cada – que não conseguiria descarregar sozinho, nem em 5 horas, e assim perderia o voo. O supervisor disse-me: “negoceie com o capitão dos bombeiros... Talvez aceite uma contrapartida para lhe emprestar o pessoal de turno”. E assim foi; consegui uma equipa de 12 bombeiros que me ajudaram a descarregar o camião em pouco mais de uma hora, permitindo que a carga saísse conforme o planeado. Devo dizer que o que aconteceu neste episódio poderia não ter dado certo noutro contexto cultural. Porém, a minha experiência (após ter trabalhado em vários países ao longo de duas décadas) diz-me que, no mundo dos negócios, existe sempre a possibilidade de criar um networking que dará suporte ao processo de negociação.

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