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A crise da masculinidade João Paulo Feijoo

A crise da masculinidade

O declínio do sexo masculino é o tema de um livro recentemente publicado, que se debruça sobre os diferentes domínios, do sucesso escolar à atividade profissional e ao papel familiar, em que os atributos tradicionais da “masculinidade” se veem ameaçados. O fosso entre o desempenho escolar de rapazes e raparigas é conhecido há décadas. Manifesta-se em todos os níveis de ensino, do básico ao doutoramento, e sobretudo tem-se revelado imune a todos os esforços para o reduzir. Na Finlândia, cuja excelência do sistema de ensino é universalmente reconhecida, os impressionantes resultados alcançados, por exemplo, em ciências e matemática – aprendizagens convencionalmente mais direcionadas ao sexo masculino – devem-se sobretudo a progressos no desempenho escolar das raparigas, com o dos rapazes praticamente estagnado. O fosso entre os dois sexos é independente da proveniência socioeconómica: no Reino Unido, as raparigas superam os rapazes em todos os níveis de rendimento familar; e nos Estados Unidos, onde a discriminação racial tem um peso inegável, é mais provável uma jovem afroamericana concluir o secundário, matricular-se na universidade ou mesmo concluir um curso superior do que um rapaz caucasiano da mesma idade (e ambos os grupos superam o desempenho dos jovens afroamericanos do sexo masculino). Quaisquer que sejam as causas deste relativo insucesso dos rapazes (e muitas têm sido sugeridas ) ele parece pesar de forma negativa sobre vários aspetos da vida adulta masculina. Na esfera familiar, o insucesso escolar dos homens está ligado à dissolução de muitos casais e à proliferação de famílias monoparentais que na esmagadora maioria afastam os filhos do progenitor do sexo masculino (em Portugal os filhos só ficam com o pai em 18% das famílias monoparentais). Nos Estados Unidos, 40% dos pais que não concluiram o ensino secundário não vivem com os filhos, comparados com apenas 7% daqueles que obtiveram pelo menos uma licenciatura. As consquências são catastróficas: passados seis anos sobre a separação, uma em cada três crianças ou jovens já nunca vê o pai, e outro terço só o vê uma vez por mês ou menos. No âmbito profissional, o peso crescente (em quantidade e importância) de atividades que exigem qualificações de nível superior deveria, em teoria, favorecer as mulheres, ao mesmo tempo que o estatuto profissional e social do trabalhador ‘blue collar’ do sexo masculino e “ganha-pão” familiar se deprecia à medida que os empregos na indústria vão desaparecendo em consequência da deslocalização das indústrias transformadoras ou da automação. Porém, este efeito está longe de ser a norma, como o demonstra a discriminação profissional generalizada que penaliza as mulheres trabalhadoras, e como recentemente ficou patente no impacto desigual dos efeitos da pandemia de Covid-19 que descrevi no meu último artigo.

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João Paulo Feijoo Professor, consultor, investigador e conferencista nas áreas de Capital Humano, Liderança e Qualidade

A crise da masculinidade é real, tem efeitos nefastos e as suas manifestações fazem temer um ameaçador agravamento. Mas não resulta de um movimento simétrico de afirmação feminina (…). A fortuna de ambos os sexos não é, nem deve ser, um jogo de soma nula em que a afirmação de um é o declínio do outro.

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