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Descarbonização
por Ana Paula Rodrigues, Adjunta no Gabinete do Ministro do Ambiente e da Ação Climática
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Em 2030 a Europa terá de ter reduzido as suas emissões de gases com efeito de estufa em pelo menos 55%, em relação a 1990 e em 2050 deverá ter atingido a neutralidade carbónica. Estes objetivos só serão atingidos com uma disrupção na forma como a sociedade lida com os combustíveis fósseis, com os recursos naturais e com a natureza. A pandemia veio evidenciar os riscos associados aos desequilíbrios na relação do Homem com a natureza, dando razão aos apelos da ciência para que os equilíbrios sejam restabelecidos. A ciência diz-nos que um aumento da temperatura média do planeta superior a 1,5oC, face aos níveis pré-industriais, pode ter consequências graves e irreversíveis sobre o clima, apelando a reduções urgentes e efetivas das emissões de gases com efeito de estufa até 2030. A presente década é por isso determinante para inverter a atual tendência de aumento de emissões. O Pacto ecológico Europeu que consiste na nova estratégia de desenvolvimento para a Europa, tem como objetivo central tornar a europa no primeiro continente neutro em carbono ao mesmo tempo que promove o crescimento, o emprego e a justiça social. Entre as várias iniciativas que este Pacto contempla, destaca-se a primeira Lei Europeia para o Clima que consagra o objetivo europeu de alcançar a neutralidade climática até 2050 e estabelece uma meta revista de redução de emissões de gases com efeito de estufa de “pelo menos 55%”, em relação a 1990, reforçando a ambição europeia em 15 pontos percentuais. Cabe nesta fase à Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia conduzir as negociações com o Parlamento Europeu tendo em vista a sua aprovação. A Comissão apresentou também a nova Estratégia Industrial para a Europa destinada a ajudar a indústria europeia a liderar a dupla transição para a neutralidade climática e a liderança digital e que, entre outras, contempla medidas destinadas a modernizar e descarbonizar as indústrias com utilização intensiva de energia, promover a eficiência energética e garantir um abastecimento seguro de energia de baixo carbono, a preços competitivos. A Comissão Europeia prepara agora o chamado pacote “fit for 55” que consiste na adequação do acervo legislativo europeu às novas metas climática, contemplando a revisão de um conjunto de diretivas e regulamentos em diversas áreas de atividade. Destaca-se o regulamento de partilha de esforços entre os Estados-membros da União Europeia em matéria de redução de
emissões e a diretiva relativa ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão, que devem refletir esta nova ambição, a assumir tanto pelos Estados como pelas empresas. Portugal está bem posicionado para cumprir com os novos desafios. O país está comprometido em alcançar a neutralidade carbónica até 2050, reduzindo as emissões nacionais em pelo menos 85% até 2050, tendo o Roteiro para a Neutralidade Carbónica identificado a trajetória e as principais linhas de atuação para alcançar este objetivo. Para além disso, o Plano Nacional Energia e Clima 2030 estabelece como metas reduzir as emissões de gases com efeito de estufa entre 45% e 55%, em relação a 2005, alcançar 47% de fontes renováveis no consumo final de energia, entre os quais 80% de incorporação de renováveis na produção de eletricidade e 20% nos transportes e reduzir o consumo de energia primária através de ganhos de eficiência energética de 35%. A indústria, que representa a nível nacional, cerca de 22% das emissões de gases com efeito de estufa, é um dos setores especialmente visado neste plano. O PNEC 2030 contempla entre os seus objetivos “Desenvolver uma indústria inovadora e competitiva e de baixo carbono” e identifica as tendências com efeitos na atividade industrial como sejam as alterações nos padrões de produção e consumo, a reorientação da economia para a economia circular e a gestão eficiente dos recursos, a eletrificação, o papel da inovação tecnológica e a plena implementação da Indústria 4.0, apostando na robotização e na digitalização. Para operar esta transição, entre as medidas que podem ser adotadas pela indústria contemplam-se a eficiência energética e de utilização dos recursos, a eletrificação, a adoção de fontes de energia renovável, o recurso a gases renováveis como o hidrogénio, a adoção de processos e tecnologias de baixo carbono, a adoção de modelos de economia circular, incluindo o reaproveitamento de recursos, as simbioses industriais ou a adequação dos produtos e serviços visando reduzir a sua intensidade carbónica, ou oferecer produtos alternativos, de baixo carbono. Grande parte destas medidas não serão novidade para a indústria nacional que tem vindo a reduzir a sua intensidade carbónica e energética e a apostar na sustentabilidade. Contudo, apesar dos progressos significativos registados, existe potencial para ir mais longe, tal como identificado no Roteiro para a Neutralidade Carbónica. A inovação tecnológica é fundamental em várias dimensões desta transição, permitindo dar resposta a setores da indústria em que as soluções existentes possam não ser adequadas ou para reduzir os custos das tecnologias de descarbonização, sobretudo as emergentes. Alguns setores têm sido pioneiros na apresentação dos seus próprios roteiros para a descarbonização, identificando para o seu caso particular as medidas mais ajustadas, partilhando boas práticas e promovendo a sensibilização dos agentes envolvidos. Este exercício é
fundamental para criar a dinâmica e a capacidade crítica para fomentar o investimento na descarbonização. Este novo enquadramento cria a oportunidade para o desenvolvimento dos setores industriais que se enquadrem na oferta de produtos e serviços necessários à transição para uma economia neutra em carbono, na energia, na mobilidade, nos equipamentos, nas infraestruturas sustentáveis, entre outros. É neste quadro que a Estratégia Industrial Europeia prevê a criação de alianças industriais em setores chave para a dupla transição climática e digital: baterias, plásticos, microeletrónica, hidrogénio limpo, matérias primas, indústrias de baixo carbono e plataformas e cloud, unindo as empresas, os cidadãos e o setor público na resolução dos principais desafios para alcançar estes objetivos, ao mesmo tempo que reforçam a autonomia estratégica da Europa. Prosseguir no caminho da descarbonização é também estrutural para que as empresas reduzam a sua exposição ao aumento dos custos dos combustíveis e das licenças de emissão, no caso de estarem abrangidas pelo comércio europeu de licenças de emissão (CELE). Por um lado, porque há uma tendência crescente para os combustíveis fósseis incorporarem o preço das externalidades ambientais, por exemplo através da taxa de carbono ou da eliminação das isenções fiscais de que atualmente ainda usufruem, por serem consideradas prejudiciais ao ambiente. Por outro, por ser expectável um aumento de preço das licenças de emissão no âmbito do CELE. O preço das licenças de emissão no âmbito do CELE atingiu no mês de fevereiro o valor mais alto de sempre, aproximando-se dos 40 €/tCO2, embora muito abaixo dos preços estimados para 2020. Este instrumento, harmonizado a nível europeu, está finalmente a atingir o nível de preço de carbono capaz de fomentar a preferência por tecnologias mais limpas em detrimento da aquisição das licenças no mercado e a sua revisão será no sentido de acelerar o ritmo de descarbonização. Com o quadro estratégico conferido pelo Pacto Ecológico Europeu, também o financiamento europeu está agora direcionado para dar resposta aos grandes desafios da atualidade, com destaque para a transição climática e digital. O Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 tem como exigência que, em média, 30% do financiamento seja alocado à transição climática. O Instrumento de Recuperação e Resiliência, criado no âmbito do “NextGeneration EU” e que visa apoiar a recuperação económica pós pandemia, prevê uma alocação de 37% do orçamento na ação climática. Simultaneamente, todos os investimentos devem estar alinhados com o objetivo de atingir a neutralidade carbónica e não causar “Prejuízo significativo para os objetivos ambientais” (“Do No Significant Harm”), nos termos definidos no âmbito do Regulamento Europeu para o estabelecimento de um Regime para a Promoção do Investimento Sustentável (Regulamento “Taxonomia”). O acesso ao financiamento poderá assim ficar condicionado ao cumprimento dos critérios definidos nos atos delegados que se sucedem a este regulamento e que, em várias atividades, vai além do nível de exigência da legislação aplicável. O Regulamento “Taxonomia” passará a ser o referencial Europeu para a atribuição de financiamento a investimentos sustentáveis, promovendo a reorientação dos fluxos financeiros neste sentido, desincentivando o financiamento de atividades não elegíveis para esse efeito. Em síntese, as empresas que desenvolvam atividade em determinadas áreas ou que se posicionem na vanguarda do desempenho ambiental poderão vir a ser favorecidas no acesso a financiamento. Os recursos financeiros à disposição das empresas para apoiar a transição climática e digital são relevantes. Destaca-se a proposta de Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal que contempla uma Componente especificamente destinada à “Descarbonização da Indústria” com uma dotação de 715 milhões de euros e que contempla as vertentes “tecnologias de baixo carbono” que inclui medidas de economia circular e a eletrificação da indústria, “eficiência energética”, “energia de fonte renovável e armazenamento” e “capacitação das empresas e a elaboração de instrumentos de informação”, fundamental para alavancar o investimento na descarbonização deste setor. Adicionalmente, o Fundo Europeu de Apoio à Inovação, que recorre a receitas do CELE, tem também como um dos focos a descarbonização da indústria. Este é um desafio que convoca os vários quadrantes da sociedade e em que todos podem ter um papel a desempenhar: empresas, sistema científico nacional, Estado e cidadãos. O atual contexto de uma recuperação económica alinhada com a transição climática e digital é a oportunidade para acelerar a necessária transformação, fazendo o melhor uso do financiamento disponível, garantindo prosperidade dentro dos limites do sistema natural. O foco na descarbonização da economia deve ser o objetivo mobilizador de uma nova economia que sirva ambos os propósitos.