5 minute read

Secção Jurídica

O PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR

por Filomena Girão e Marta Frias Borges, FAF Advogados

Advertisement

É consabido que a Entidade Empregadora dispõe de poder de direcção e autoridade, ao abrigo do qual tem legitimidade para definir os termos em que o trabalho deve ser prestado, por meio de ordens e instruções dirigidas aos seus Trabalhadores. A par deste poder de direcção, e como forma de garantir a sua efectivação, a Entidade Empregadora dispõe do designado poder disciplinar, que lhe permite a instauração de processos disciplinares perante a violação de qualquer dos deveres laborais a que os Trabalhadores estão obrigados. Contudo, o exercício deste poder disciplinar é, não raras vezes, encarado como um poder de última ratio em razão das consequências que pode importar à relação de trabalho, levando a que o seu exercício seja reservado para condutas particularmente gravosas e tendentes à aplicação da sanção disciplinar mais gravosa, o despedimento sem indemnização ou compensação. Sucede, porém, que aquela forma de encarar o poder disciplinar e o consequente evitamento da instauração de processos disciplinares levam a um desaproveitamento das suas potencialidades, enquanto instrumentos que poderão prosseguir uma (muito desejável) finalidade ordenadora das relações laborais. Ao invés, com um uso demasiadamente restritivo do poder disciplinar, a Entidade Empregadora não promove a correcção atempada de qualquer comportamento desadequado do Trabalhador faltoso e nem logra a prevenção de futuras infracções por parte dos demais Trabalhadores. Neste conspecto, e com vista a facilitar um uso racional do poder disciplinar, dedicar-nos-emos, ao longo das próximas linhas, à explicitação da tramitação do respectivo processo, aludindo, ainda, às diferentes sanções disciplinares que no seu âmbito podem ser aplicadas.

Veja-se: 1. O processo disciplinar inicia-se, tendencialmente, com a comunicação ao Trabalhador da Nota de

Culpa, da qual deverá constar a indicação circunstanciada dos factos que lhe estão a ser imputados.

Tal Nota de Culpa deve ser apresentada ao Trabalhador no prazo máximo de 60 dias subsequentes à data em que o Empregador (ou o superior hierárquico com competência disciplinar) tomou conhecimento da infracção em apreço.

Há, todavia, casos em que o Empregador não dispõe de toda a informação que lhe permita a elaboração (e respectiva comunicação) da Nota de Culpa, pelo que, nessa circunstância, deverá promover uma fase de inquérito, prévia à Nota de Culpa e tendente ao apuramento integral dos factos. Caso o Empregador recorra a esta fase (facultativa) de inquérito prévio, interromper-se-á a contagem dos prazos de prescrição e caducidade, desde que o inquérito seja iniciado nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, que o procedimento seja conduzido de forma diligente e que a nota de culpa venha a ser notificada ao Trabalhador até 30 dias após a sua conclusão.

2. Após a notificação da Nota de Culpa, o Trabalhador dispõe de 10 dias úteis para, querendo, consultar o

Processo Disciplinar (que deve estar organizado e ser diligentemente disponibilizado) e responder à

Nota de Culpa, alegando factos e requerendo prova que se mostre pertinente para o esclarecimento da verdade. 3. Seguidamente, inicia-se a fase de Instrução, devendo o Empregador, ou o Instrutor por si nomeado, realizar as diligências probatórias requeridas pelo

Trabalhador, a menos que as mesmas se revelem manifestamente dilatórias ou impertinentes, devendo nesse caso justificar a sua não realização. 4. Findas as diligências instrutórias (ou recebidos os pareceres da Comissão de Trabalhadores ou da competente Associação Sindical, nos termos definidos no artigo 356.º, n.º 5 do Código do Trabalho), o Empregador terá 30 dias para proferir Decisão no âmbito do processo disciplinar em curso.

Esta decisão poderá determinar o arquivamento do processo (nos casos em que se conclua pela inexistência de infracção disciplinar) ou a aplicação de sanção disciplinar. As sanções disciplinares previstas no Código do Trabalho (sem prejuízo do disposto no Contrato Colectivo de Trabalho aplicável1) são: (i) Repreensão; (ii) Repreensão Registada; (iii) Sanção Pecuniária); (iv) Perda de Dias de Férias; (v) Suspensão do Trabalho com perda de retribuição e de antiguidade e (vi) Despedimento sem indemnização ou compensação; e podem ainda ser agravadas por divulgação no âmbito da empresa. Antes de mais, importa reforçar que qualquer sanção disciplinar deve ser proporcional à infracção ou culpabilidade do infractor, sob pena de a mesma poder ser judicialmente sindicável pelo Trabalhador.

Assim: As sanções de Repreensão e de Repreensão Registada visam advertir e censurar o Trabalhador relativamente a um determinado comportamento irregular, distinguindo-se uma da outra pelo facto de a primeira revestir forma oral, enquanto a segunda deve ser objecto de registo em livro, ou registo electrónico, próprio e, ainda, no Registo do Trabalhador (de resto, a Repreensão poderá eventualmente ficar assente em documento rubricado pelas partes, não podendo, em circunstância alguma, constar do Registo do Trabalhador, por forma a não se confundir com a Repreensão Registada). Discute-se há muito a natureza de verdadeira sanção da Repreensão, havendo quem entenda que a mesma não assegura o direito de audiência prévia do Trabalhador, que exigiria um processo escrito com apresentação de resposta. No entanto, somos de entendimento que a Repreensão tem natureza sancionatória, que é compatível com a apresentação oral de defesa pelo trabalhador e, mais, que, não obstante a singeleza da sua forma, desempenha uma função importante em matéria disciplinar, permitindo regular as relações laborais desde as mais pequenas irregularidades, prevenindo-se, assim, muitas vezes, as penosas consequências de comportamentos mais gravosos. A Sanção Pecuniária aplicada ao Trabalhador por infracções praticadas no mesmo dia não pode exceder 1/3 da sua retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias. A sanção de Perda de Dias de Férias não pode pôr em causa o gozo de 20 dias úteis de férias. Por seu turno, a Suspensão do Trabalho não pode exceder 30 dias por cada infracção, e nem 90 dias por cada ano civil. Finalmente, alertamos para a importância de o Empregador (ou o Instrutor por si nomeado – muitas das vezes advogado) ser capaz de aferir, no caso em concreto, da existência de infracção que justifique sanção disciplinar, da sua justa medida e, nos casos mais graves, da probabilidade séria de existência de justa causa para despedimento, já que só assim será possível alcançar o seu objectivo maior, a finalidade ordenadora de relações laborais profícuas e salutares, que todos, Empregador e Trabalhadores, desejam.

1 O Contrato Colectivo de Trabalho entre a APICER e o SINTICAVS prevê as seguintes sanções disciplinares: a) Repreensão verbal; b) Repreensão registada e fundamentada, comunicada por escrito ao infractor; c) Sanção pecuniária; d) Perda de dias de férias, até três dias; e) Suspensão da prestação de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, até doze dias; f) Despedimento com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação.

This article is from: