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Neutralidade Carbónica

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Sustentabilidade

Sustentabilidade

A PEGADA EM RECURSOS DA NEUTRALIDADE CARBÓNICA

por Sofia Simões, Coordenadora da Unidade de Economia de Recursos, do LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia

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Já fazem parte do nosso léxico termos como descarbonização, neutralidade carbónica, transição energética e desenvolvimento sustentável. Sabemos que os limites do planeta¹ estão a ser alcançados (ou até ultrapassados) em alguns casos e que temos de mudar radicalmente a forma como produzimos e consumimos energia. Em Portugal, assim como na Europa e um pouco por todo o globo, instalam-se painéis solares fotovoltaicos, turbinas eólicas onshore e offshore e compram-se veículos elétricos, entre outros. O hidrogénio verde, produzido a partir de eletrólise da água alimentada com eletricidade renovável, fez a sua fulgurante entrada na agenda dos Portugueses no ano de 2020. A bioenergia, as biorefinarias e os combustíveis sintéticos de baixas ou nulas emissões de carbono também têm um papel a desempenhar nesta corrida das economias para a neutralidade carbónica. Estamos a postos - investigamos, desenvolvemos, testamos e implementamos soluções tecnológicas inovadoras. Ambicionamos (e ainda bem) criar emprego qualificado e promover um desenvolvimento sustentável. A neutralidade carbónica (i.e. emissões líquidas nulas) é um objetivo para Portugal em 2050, estabelecido pelo Roteiro para Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050)² onde se refere que o setor energético nacional (eletroprodutor e refinação) deverá reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa (GEE) em 96% face aos valores emitidos em 2005. Em 2030 esta redução de emissões deverá ser de 80 a 81% face a 2005. O setor dos transportes em Portugal deverá reduzir as emissões de GEE em 43-46% em 2030 e em 98% em 2050 face aos valores de 2005. Um pouco mais a nordeste, em Bruxelas, está atualmente em discussão a aprovação de uma Lei do Clima que tornará legalmente obrigatória a meta de neutralidade carbónica na Europa em 2050, o que até agora era apenas uma ambição estratégica. Para chegarmos a 2050 neutros em carbono temos que adotar um ritmo vertiginoso. Em setembro de 2020, num intervalo da pandemia de COVID19, a Comissão Europeia apresentou a decisão de aumentar o grau de exigência de redução de emissões de GEE já em 2030. O valor de redução de emissões de GEE passa a ser -55% das emissões verificadas em 1990 (era -40% na versão anterior). Mais de 65% da eletricidade gerada na Europa em 2030 deverá vir de fonte renovável (atualmente este valor é de 32%).

Implementar novas tecnologias a um ritmo sem precedentes

Para alcançar estes objetivos será necessário ins-

1 Ver os 9 limites planetários apontados pelo Stockholm Resilience Centre: https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries/planetary-boundaries/about-the-research/the-nine-planetary-boundaries.html 2 Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019

talar nova capacidade de geração de eletricidade a um ritmo sem precedentes. O RNC2050 aponta para que em 2050 estejam instalados em Portugal ~13 GW de eólica onshore, ~26,4 GW de solar fotovoltaico e cerca de 4 GW de baterias para armazenamento de eletricidade. Os valores correspondentes instalados em dezembro de 2020 eram de 1 GW de solar e 5,5 GW de eólica. O RNC2050 não refere valores de stock de veículos em circulação, mas o consumo de eletricidade no setor dos transportes deverá aumentar de 0,3 TWh em 2015 para 17-18 TWh em 2050. Esta transição massiva também se perspetiva à escala Europeia e mundial. A ratificação do Acordo de Paris em 2015 por 195 países (incluindo Portugal) visa “assegurar que o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e prosseguir os esforços para limitar o aumento da temperatura a até 1,5°C acima dos níveis pré-industriais”. Para cumprirmos com esse objetivo, segundo a Agência Internacional da Energia teremos que instalar por ano, no período entre 2040 e 2050, cerca de 190 GW de solar fotovoltaico, 5060 GW de eólica onshore, 40 GW de concentrado solar e 30 GW de centrais hidroelétricas, para além de unidades de produção de eletricidade com base nuclear, eólica offshore, energia oceânica, e geotérmica. Serão necessários em 2050 cerca de 1600 milhões de veículos híbridos ou elétricos. A escala de adoção tecnológica é esmagadora e o desafio é enorme.

Necessidades de materiais para tecnologias de baixo carbono

Acresce que todas estas tecnologias, em maior ou menor escala, integram na sua composição diversos recursos materiais, desde elementos relativamente comuns no planeta como o ferro (Fe), cobre (Cu) ou alumínio (Al), até outros que são considerados raros, como o neodímio (Nd) ou disprósio (Dy) (ver Figura 1). Com o que conhecimento que temos à data, claramente são os veículos elétricos aqueles que integram um maior número de elementos / materiais, sendo que muitos são necessários para o funcionamento das suas baterias. Com exceção do ferro, alumínio e cobre, a maioria destes elementos são necessários em quantidades muito pequenas. Por exemplo, estimam-se que sejam necessários 1g de térbio para cada kW de eólica onshore, 5g de selénio para cada kW de solar fotovoltaico ou ainda 2 g de vanádio para cada kW de concentrado solar. Mesmo assim, as cadeias de abastecimento de muitos destes elementos são caracterizadas por vários estrangulamentos e são condicionadas por um número relativamente reduzido de fornecedores. A Europa (e Portugal) encontra-se numa posição vulnerável dado que é dependente de países terceiros para a produção em larga escala de muitas das várias tecnologias de baixo carbono de que iremos necessitar. Por sua vez, esses países dependem de outros para a entrega de componentes e de recursos primários como os atrás referidos. 55% da extração mundial de cobalto (fundamental para as baterias) ocorre na Repúbli-

Figura 1 - Necessidades de materiais para diversas tecnologias de baixo-carbono. Ag (prata), Al (alumínio), B (boro), Cd (cádmio), Ce (cério), Co (cobalto), Cr (crómio), Cu (cobre), Dy (disprósio), Fe (ferro), Ga (gálio), Ge (germânio), In (índio), La (lantânio), Mg (magnésio), Mn (manganês), Mo (molibdénio), Nb (nióbio), Nd (neodímio), Ni (níquel), Pb (chumbo), Pd (paládio), Pr (praseodímio), Se (selénio), Sm (samário), Sn (estanho), Ta (tântalo), Tb (térbio), Te (telúrio), Ti (titânio), Va (vanádio), Yt (ítrio), W (tungsténio), Zn (zinco), Zr (zircónio).

ca Democrática do Congo, bem como 50% da produção mundial de tântalo. O Brasil é responsável por mais de 90% da produção mundial de nióbio, fundamental para turbinas eólicas, veículos elétricos e concentrado solar. A China produz cerca de 90% do germânio atualmente no mercado mundial, entre muitos outros recursos, incluindo o grupo das “terras raras”. Reconhecendo a sua fragilidade nesta matéria, a União Europeia desde 2011 publica a lista Europeia de matérias primas críticas. A última versão de setembro de 2020³ identifica 30 matérias primas que são consideradas críticas para a economia europeia, incluindo-se aqui outros setores de atividade como a indústria e a defesa, para além das tecnologias de baixo carbono atrás referidas. Note-se, no entanto, que mais de metade destas 30 matérias primas críticas são necessárias também para a neutralidade carbónica. No momento atual que vivemos assistimos em primeira mão à disrupção no fornecimento de vacinas de COVID-19 causados pela enorme procura e pelas fragilidades das cadeias de abastecimento internacionais, com poucos fornecedores e motivados por preocupações geopolíticas. Até que ponto poderão vir a ocorrer problemas semelhantes no fornecimento de materiais necessários à transição energética? Saberemos nós desenvolver novas tecnologias menos intensivas em matérias primas críticas? Seremos capazes de nos tomarmos mais circulares a caminho da neutralidade carbónica e reciclar os materiais que já se encontram incorporados em diversos produtos? Em complemento, importa não esquecer os pilares social e ambiental do desenvolvimento sustentável. A extração destes recursos é em muitos casos feita com grave prejuízo dos direitos humanos dos trabalhadores, incluindo trabalho escravo e infantil. Muitas das explorações mineiras localizam-se em áreas importantíssimas para a preservação da biodiversidade. Será esse um custo que aceitamos pagar rumo à neutralidade carbónica? Apesar de termos como “descarbonização” já fazerem parte do nosso léxico, convém ter presente outros novos termos, talvez menos comuns, como disprósio, cobalto, telúrio ou vanádio. E sobretudo, nunca esquecer velhos conceitos como “eficiência energética” e “suficiência”. Não conseguiremos ser neutros em carbono sem pensar à escala global e sem respeitar os outros limites do planeta, como a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas.

3 https://ec.europa.eu/growth/sectors/raw-materials/specific-interest/critical_en

DESCARBONIZAÇÃO NA ARCH - VALADARES

por Henrique Barros, Diretor Geral/CEO - José Rocha Ferreira, Diretor Engenharia / ID&T e Susete Soares, Diretora Técnica

Introdução

As fábricas de sanitários, por exigência do seu processo produtivo, lançam para a atmosfera, diariamente, uma quantidade apreciável de gases com efeito de estufa decorrentes do consumo de energia a partir de combustíveis fósseis. Todo o circuito desta indústria, desde a extração das matérias-primas até à chegada das louças Sanitárias ao cliente apresenta um impacto significativo na produção daqueles gases, decorrentes das operações de transformação e dos transportes utilizados. Este facto determina a necessidade de um esforço de toda a cadeia de processos e empresas no ciclo cerâmico para a minimização do impacto no ambiente, através da minimização dos consumos e da racionalização dos processos que consomem energia. Antes das matérias-primas iniciarem a sua transformação no fabrico de Sanitário, estas já implicaram um impacto ambiental relativo às operações de mineração, transformação e transporte até ao local de utilização. Uma vez chegadas à fábrica de Sanitário, estes materiais iniciam um ciclo de operações industriais que ocorrem nas Olarias, Vidragem e Cozedura, e que necessitam invariavelmente de grandes quantidades de energia para as transformações pretendidas, com uso preponderante de Gás Natural como fonte de energia. Ao serem enviadas para os diferentes clientes, as peças de Sanitário ainda vão necessitar do consumo de combustíveis para o seu transporte até aos diferentes destinos. Além do impacto direto, ainda está presente em diversos momentos o consumo energético relativo aos materiais subsidiários e às embalagens usadas na proteção dos artigos a vender, pois o seu fabrico ou transporte implica o uso de energia, frequentemente dependente de uma fonte de combustíveis, logo com impacto na emissão de gases como o CO2.

Desenvolvimento

A ARCH Valadares está implantada num centro urbano de elevada densidade (Valadares, em Vila Nova de Gaia) o que desde sempre determinou grande atenção com o impacto ambiental nos limites das suas instalações, pois a sua viabilidade industrial depende fortemente do respeito pela envolvente. Este enquadramento obrigou a empresa a implementar um conjunto de medidas que visam a mitigação dos impactos ambientais, mas que foram encarados como a oportunidade de melhoria de eficiência dos seus processos e da redução dos seus custos. Para que estes objetivos ambientais fossem conseguidos, a ARCH adotou a uma estratégia industrial orientada para a eficiência e a minimização de impactos ambientais. Foram assim implementadas diversas medidas para esse objetivo de que destacamos: • Processo industrial muito flexível e adaptável à variação da atividade (minimização de stocks) • Prioridade no uso de matérias-primas nacionais e

Redução de importações diretas. • Racionalização energética das instalações com recuperação de mais de 50% da energia perdida pelos fornos.

• Recuperação de resíduos de processo e reutilização de diversos materiais intermédios

O último ponto teve uma especial importância, uma vez que a recuperação dos resíduos de caco (sucata cerâmica decorrente das perdas do processo) permitiu produzir diversos efeitos do maior interesse para a atividade e o ambiente. Por cada milhão de peças boas produzidas, uma fábrica de sanitários precisa de cerca de dezassete milhões de quilogramas de matérias primas e produz (embora sem o querer) cerca de dois milhões e meio de quilogramas de desperdícios traduzidos em peças inutilizáveis, não vendáveis. Tradicionalmente, este desperdício é retirado de forma contínua das unidades de produção tendo como destino diversos agentes que se dedicam depois à sua distribuição quer por aterros quer por empresas (p.ex. cimenteiras) que o incluem nas suas argamassas. Basicamente, podemos dizer que 15 a 20% das matérias primas extraídas irão originar resíduos destinados a aterro. A ARCH Valadares encarou este problema como uma oportunidade e desenvolveu um processo de reciclagem que evoluiu até poder reutilizar todo desperdício (caco) produzido. No essencial, os objetivos passavam por: 1. Reutilização parcial das quebras cozidas (40 a 60% 2. Redução de consumo de matérias-primas virgens (5 a 10%) 3. Redução do consumo de energia da preparação

Barbotinas 4. Manutenção de todas as características físicas do produto final

Na verdade, a aplicação das alterações de formulação de barbotinas e os resultados alcançados no processo, permitiram revelar um comportamento muito positivo e com resultados surpreendentes quanto ao impacto obtido. No final do processo de ajuste os resultados principais revelaram-se como sendo os seguintes: • O caco de quebras em cozido passou a ser todo reintegrado como matéria prima • Redução de consumo de matérias-primas em cerca de 3 mil toneladas / milhão de peças • Redução da temperatura dos fornos em 30ºC e redução do consumo de GN em 7% • Melhoria de algumas das características dos materiais cozidos.

Para além dos impactos diretos já referidos, a recuperação dos resíduos de processo, representam um impacto importante noutros vetores da componente ambiental: • Diminuição dos consumos de água e energia no processo de fabrico de Barbotinas (6 a 8%) • Eliminou os consumos de água e energia na mineração e transporte. • Eliminou a deposição em aterros dos desperdícios produzidos, naquela quantidade, bem como dos combustíveis fósseis associados ao seu transporte.

Impacto nas emissões de CO2

As medidas adotadas pela ARCH Valadares permitiram ganhos de eficiência energética e redução de consumos de energia decorrentes das alterações técnicas das barbotinas, após a introdução do caco moído como componente normal da sua composição. Neste contexto optamos por só apresentar os impactos decorrentes das alterações ao nosso processo industrial, sem preocupação em quantificar os impactos terceiros nas emissões evitadas com a redução do consumo de matérias primas e dos resíduos enviados para aterro.

Tabela 1 – Redução da extração de matérias primas naturais, poupança energética e redução de emissões de CO2 nos últimos 6 anos.

Conclusões e o Futuro

Os resultados obtidos permitem acalentar a expectativa que será possível reduzir o impacto ambiental desta indústria, pois há ainda muito a fazer para a melhoria dos desempenhos ambientais e também do desempenho dos processos de transformação e logísticos que suportam a atividade Cerâmica. Existem muitas frentes onde podemos melhorar e o futuro da indústria de Sanitário passará por uma estratégia de otimização processual com denominador comum na redução dos consumos por unidade fabricada, em particular da componente energética. Antes de pensarmos em substituir combustíveis fósseis como o Gás Natural (que dificilmente pode ser eliminado da nossa indústria nos próximos anos), teremos de nos preparar para repensar e melhorar processos e cadeia logística como meio de contribuir para a descarbonização da atividade. As opções mais racionais passam pela eliminação do consumo de Gás Natural em processos de aquecimento de baixa temperatura (secagem, geradores de calor, etc), com investimentos na auto-produção de energia elétrica em instalações fotovoltaicas com capacidade de armazenamento de energia. A energia elétrica autoproduzida substituirá o Gás Natural em algumas funções em que ainda é usado e reduz a dependência de terceiros e das importações. A substituição do Ar comprimido como utilidade de processos em Olaria, permitirá reduzir o consumo de energia de compressão, processo com rendimentos reduzidos quanto à conversão energética que lhe está associada. O desenvolvimento de refratários mais leves e otimizados como suporte aos artigos a cozer, permitirá reduzir a massa de cozedura dos fornos e com impactos interessantes no consumo específico de energia. A pesquisa de matérias-primas alternativas que permitam, por exemplo, cozer a temperaturas ainda mais baixas, terá um efeito sensível no consumo de energia e redução das emissões de CO2. A ARCH Valadares irá continuar o caminho que já vem a seguir há anos e estamos confiantes que os investimentos em curso irão assegurar resultados positivos nos objetivos ambientais da empresa para os próximos anos. Sabemos que é longo e difícil o caminho a percorrer, mas, como antes, iremos assumir as mudanças que se avizinham com um incentivo para melhorar processos e assegurar o futuro da empresa e da sociedade de que fazemos parte. A nossa experiência revelou que este caminho pode trazer benefícios ainda não antecipados e que podem acrescentar vantagens competitivas. Para nós é garantido que os conhecimentos adquiridos com a implementação das mudanças para um melhor desempenho ambiental, vão resultar no apuro tecnológico e na consolidação da nossa atividade. Não encaramos outro cenário.

Período de 6 anos

Redução de Matérias-primas Extraídas 1.850 ton

Poupança de Energia (Gás Natural) 5.550 Mwh (*

Redução da Emissão de CO2 1.031 tonCO2

(*) – Emissão de 0,1855 kg CO2 / kwh de Gás Natural

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