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Cultura
O MUSEU DE OLARIA, O PAPEL DE UM AGENTE. AGENTE CULTURAL:PASSADO, PRESENTE E FUTURO
por Pedro Linhares , Técnico Superior Museu de Olaria | Município de Barcelos
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Os etnógrafos portugueses do início do século passado, levados pela curiosidade e (talvez) por um certo deslumbramento com mundo rural, deram os primeiros passos para o conhecimento das suas atividades. Assim, nas primeiras décadas do século passado, tal como outros contemporâneos, Sellès Paes faz algumas das primeiras recolhas ligadas ao saber-fazer da Cerâmica. Dos seus périplos pela região norte do país coligiu inúmeros objetos, dando grande destaque ao Figurado e Olaria de Barcelos. Desta empresa surge o embrião do que é hoje o Museu de Olaria. Nascido com a designação de Museu de Cerâmica Regional, foi inaugurado a 4 Maio de 1963, em plena Festa das Cruzes. Até 1980 funcionava em instalações provisórias e desadequadas para as tarefas museológicas, razão pela qual mudou para a Casa dos Mendanha Benevides Cyrne. Edifício localizado no centro histórico da cidade, próximo da Câmara Municipal de Barcelos, que viria a sofrer transformações profundas para albergar o museu. As obras efetuadas fizeram-se com vista a adaptar um espaço que teve ao longo dos anos diversas utilizações, tais como quartel da GNR, Escola Comercial e Industrial, entre outras. Para além da mudança de espaço, este período trouxe outras transformações, uma delas no nome. Adota em definitivo a designação de Museu de Olaria. Durante os anos 80 do século XX, pelas mãos de Lapa Carneiro e Isabel Fernandes (respetivamente, ex-director e ex-conservadora do Museu de Olaria), o Museu de Olaria alarga os seus horizontes de investigação aos principais centros cerâmicos portugueses do passado e presente. Nos vários trabalhos de campo realizados, foram coletadas várias tipologias de objetos cerâmicos e artefactos ligados à sua produção. A juntar a isto, as crescentes relações institucionais e académicas feitas com investigadores, centros de conhecimento e ceramistas, permitiram diversificar e aumentar o acervo do museu. Contudo mantinha as portas encerradas aos visitantes. Nesse período as exposições eram realizadas em várias dependências municipais, entre outros espaços. Depois de mais de uma década a funcionar neste edifício sem visitantes, abre as suas portas ao público no dia 29 de julho de 1995. Em 2010, devido ao aumento de volume do acervo, bem o surgimento de novos desafios museológicos e públicos emergentes, precipitaram o local para nova intervenção. Assim, encerra novamente portas ao público, sendo alvo de uma intervenção de valorização e ampliação do espaço expositivo. Durante este período manteve a sua atividade de forma provisória nas instalações do Estádio Municipal de Barcelos. Com as obras terminadas, reabre ao público no dia 31 de Agosto de 2013, num edifício remodelado e modernizado, preparado para os desafios futuros. Mais recentemente, o Museu de Olaria e o Município de Barcelos atingiram a notoriedade nacional e internacional pelo seu trabalho em prol do Património.
Este reconhecimento materializou-se em três momentos que nos enchem de orgulho. O primeiro, em 2017, quando Barcelos foi distinguido pela UNESCO, integrando a Rede das Cidades Criativas, na área do Artesanato e Arte Popular. Mais tarde, em 2018, integra como membro-fundador a Associação Portuguesa de Cidades e Vilas Cerâmicas. E em 2019, o Museu de Olaria torna-se membro da Academia Internacional de Cerâmica, entidade associada da UNESCO. A distinção e presença nestes organismos é o reconhecimento do trabalho desenvolvido pela cerâmica em Portugal e nos países lusófonos, permitindo a valorização, dinamização, e o enriquecimento do património e a interação entre os diversos agentes. Tendo como principal vocação estudar, documentar, conservar e divulgar as coleções de olaria que detém, bem como apoiar e colaborar na salvaguarda, estudo do património olárico nacional, pertencente a particulares e/ou a outras instituições dos centros produtores de olaria em Portugal, assim como nos países de expressão portuguesa, continua a ser pró-ativo no cumprimento desta. Para isto contribui a permanente interação com a comunidade, oferece um calendário expositivo variado, serviços, programas educativos com particular incidência nos públicos escolares, além de workshops, entre outros serviços. Neste sentido destacamos alguns serviços, projetos, e parcerias que se desenvolvem em prol do conhecimento e da comunidade, para a proteção do saber-fazer da cerâmica. De seguida veremos os que consideramos mais relevantes, explicando resumidamente o seu papel no cumprimento da missão do museu. Assim temos: Serviço Educativo e de Animação do Museu de Olaria e o Centro de Documentação do Museu; a parceria entre o Museu de Olaria e o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave; projeto de inscrição da Olaria e do Figurado de Barcelos no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, Matriz PCI. O Serviço Educativo e de Animação do Museu de Olaria, por ser um dos grandes mediadores entre o museu e comunidade, sobretudo entre o público em idade pré-escolar e escolar. As temáticas trabalhadas têm por base as exposições exibidas e o espólio deste, e/ou outras temáticas relacionadas com a cerâmica e/ou a cultura de Barcelos. As atividades efetuadas possuem grande componente prática, dando ao público um contacto direto com materiais e técnicas. Têm por base uma visão que assenta na sensibilização do público, destacando-se junto deste a importância da preservação e continuidade da herança cultural deste saber-fazer. O Centro de Documentação do Museu de Olaria é também um dos dinamizadores do museu. Para além da equipa técnica do museu que o utiliza diariamente, recebe investigadores, académicos, e estagiários, entre outros, sobretudo do domínio das Artes, Ciências Humanas, e Turismo. Espaço onde encontramos um importante fundo documental (que contempla monografias, periódicos, clipping, entre outros), fotográfico, audiovisual, com grande destaque para a Cerâmica e Etnografia. Tem como principais funções a preservação do mesmo, bem como, e não menos importante, o auxilio à investigação e produção de conhecimento. Além destes, a parceria estabelecida entre o Museu de Olaria e o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), procura atrair e aproximar a comunidade estudantil universitária ao universo da Cerâmica. Da visão de alunos e professores, são despoletadas diferentes abordagens, procurando reinterpretar a Olaria e o Figurado. Deste olhar são geradas obras inspiradas em tipologias de outrora, nas temáticas do imaginário dos mestres ceramistas, entre outras criações apresentadas. As várias exposições realizadas sobretudo na área do Design, são o ponto alto de toda esta parceria. Facto que permitiu um alargamento do horizonte programático e atração de novos visitantes para o museu. A investigação entre portas, mas também fora dos limites físicos do museu continua a ser feita. Neste sentido, o Museu de Olaria, tem vindo a desenvolver um projeto visa a inscrição das manifestações de aptidões ligadas ao artesanato tradicional no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, a MatrizPCI. Das várias expressões existentes no concelho de Barcelos, a
Sala do Serviço Educativo e de Imagem 2 - Animação de Museu de Olaria
Olaria foi a primeira a ser contemplada. Este trabalho está estruturado em três fases: a primeira será por uma abordagem inicial ao terreno. Nesta pretendemos fazer um mapeamento das unidades de produção existente no concelho. Além de georreferenciar o local onde laboram, queremos estabelecer um vínculo relacional com os proprietários destas, de modo a facilitar a segunda fase; esta terá por base um inquérito, que permitirá enquadrar a respetiva unidade de produção no saber-fazer, aferindo com exatidão o que produz, a tipologia, entre outros parâmetros estabelecidos. E ainda a compilação e análise dos dados recolhidos; a terceira e última fase, será consignada à realização de entrevistas aos responsáveis pelas unidades de produção, mas também a outras pessoas que consideremos relevantes para o estudo. E por fim, a preparação de toda a informação para a apresentação da respetiva candidatura. Contudo, o projeto de momento encontra-se suspenso, uma vez que as restrições impostas pela pandemia que vivemos impedem a realização do trabalho de campo. O ano de 2020 e o início de 2021 têm sido particularmente duros para o normal funcionamento dos museus. As imposições resultantes da pandemia mundial alteraram por completo toda a programação estabelecida. Apesar da luz que se levantou durante o verão passado, o começo do inverno trouxe novamente a escuridão, agudizando-se no início deste ano com a obrigatoriedade de um novo confinamento. Com as atividades suspensas e as portas novamente encerradas, não paramos. Aproveitamos a ausência de visitantes para desenvolver tarefas que, por não serem visíveis para o grande público, habitualmente ficam para segundo plano. Por outro lado, deu-nos a tranquilidade necessária para estudar em profundidade algumas das coleções, principalmente as que mais recentemente foram incorporadas. Sem adivinhar o futuro, continuamos a prepará-lo ainda com mais afinco. E assim, continuar a preservar, salvaguardar, e divulgar o Património Cultural de Barcelos e Portugal, contribuindo para manter vivo o saber-fazer da Cerâmica.