8 minute read

Mercados

Next Article
Editorial

Editorial

ACORDO UNIÃO EUROPEIA – MERCOSUL. SERÁ UM DIA UMA REALIDADE?

por Luísa Santos, Deputy Director-General BusinessEurope

Advertisement

Uma das prioridades iniciais da Presidência Portuguesa era concluir oficialmente e dar início ao processo de ratificação do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) que foi concluido politicamente a 28 de Junho de 2019. Infelizmente por razões que explicaremos mais à frente este acordo que demorou 20 anos a negociar corre o risco de nunca se tornar realidade, porque os interesses de uma minoria bem organizada e influente estão-se a sobrepor aos interesses da maioria muitas vezes silenciosa. Para Portugal o acordo é importante não apenas devido aos laços históricos e culturais com a região em particular com o Brasil mas também por razões económicas. Segundo dados da Comissão Europeia¹ 1.786 empresas portuguesas exportam para região, sendo 87% destas Pequenas e Médias Empresas e cerca de 40.000 postos de trabalho estariam ligados às exportações para o Mercosul. O Mercosul ocupa o 3° lugar entre os mercados de destino das exportações portuguesas fora da União Europeia representando um valor de cerca € 2,5 biliões anualmente. O Mercosul é um mercado tradicionalmente fechado, protegido com direitos alfandegários na ordem dos 35% para muitos dos produtos que Portugal exporta como têxteis, vestuário ou calçado. Para arigos de cerâmica os direitos alfandegários no Mercosul situam-se entre 10%-20%. A existência de um acordo comercial e a redução progressiva dos direitos aduaneiros poderia impulsionar as exportações portuguesas num momento importante em que se procuram novas oportunidades de crescimento económico para ultrapassar a crise gerada pelo COVID-19.

Deputy Director-General Business Europe Luísa Santos -

1 https://ec.europa.eu/trade/policy/in-focus/eu-mercosur-association-agreement/eu-mercosur-in-your-town/

Mas qual a real importância deste acordo para o resto da União Europeia?

O Acordo é igualmente importante do ponto de vista geo-estratégico e do ponto de vista económico para o resto da União Europeia. Comecemos pelos números:

A região conta com mais de 260 milhões de consumidores

A 5ª economia mundial mais importante (não considerando a UE) com um PIB anual de €2,2 trilliões A região é um mercado para 60.500 empresas europeias Em 2019 as exportações de mercadorias da União Europeia para o Mercosul atingiram €41 biliões e as exportações de serviços €21 biliões O investimento da União Europeia acumulado na região era de €365 biliões em 2017

Estima-se que cerca de 850.000 postos de trabalho na União Europeia estão dependentes das exportações apenas para o Brasil, enquanto no Brasil 425.000 empregos dependeriam das exportações para a União Europeia. Este número poderia ser aumentado com o acordo. Nos setores industriais em que a União Europeia tem mais exportações para o Brasil, nomeadamente maquinaria, automóveis, quimicos e produtos farmacêuticos, espera-se que a redução dos direitos alfandegários possa trazer ganhos de competitividade significativos já que eles são por enquanto bastante elevados- 35% nos automóveis, 14%-20% na maquinaria, 18% nos quimicos e 14% nos produtos farmacêuticos. No estudo final de avaliação do impato do acordo que a Comissão Europeia tornou público recentemente (Março 2021²) prevê-se que num cenário conservador as

exportações da União Europeia para o Mercosul poderiam aumentar:

► 47% para produtos químicos e farmacêuticos ► 78% para maquinaria ► 98% para automóveis e componentes ► 311% para têxteis e vestuário ► 91% para os laticínios ► 36% para as bebidas (sobretudo vinhos e bebidas

alcoólicas)

Alguns setores Europeus, nomeadamente os produtores de carne de vaca, queixam-se que o acordo vai dar vantagens competitivas adicionais aos produtores do Mercosul que praticam preços muitos competitivos e supostamente não têm os mesmos critérios de qualidade e segurança para o consumidor que existem na União Europeia. Importa clarificar que (a) o Mercosul não vai poder exportar toda a quantidade de carne que quer porque as importações vão estar sujeitas a uma limitação quantitativa e (b) todos os produtos vendidos no mercado europeu têm obrigatoriamente que respeitar as regras sanitárias e de qualidade impostas pela União Europeia, independentemente de haver ou não um acordo comercial com o país de origem. Se há produtos à venda na União Europeia que não respeitam inteiramente a legislação existente cabe às entidades europeias e nacionais da cada país a responsabilidade de realizar inspeções e retirar do mercado os produtos não conformes. Para além da importância económica que é patente nos números acima, há também a importância geo-estratégica que é mais difícil de quantificar. A União Europeia é o primeiro parceiro comercial e primeiro investidor no Mercosul mas a China ocupa o primeiro lugar enquanto fornecedor de mercadorias. O crescente papel da China nos países do Mercosul pode ter consequências importantes no modelo de desenvolvimento na região. Sabemos que a China não opera nos mesmos moldes de economia de mercado da Europa, antes se baseando numa forte intervenção estatal na economia, com um papel determinante dos subsídios públicos e das grandes empresas públicas. Isto cria condições de competição injustas e desiqulibradas face às empresas Europeias a maioria delas PMEs que têm que se bater por ter acesso ao crédito, às vezes em condições muito difiíeis e a preços muito elevados. O que se vem verificando em África e que as empresas portuguesas têm testemunhado é um exemplo a não repetir. Isto vem reforçar a ideia que o Acordo UE-Mer-

cosul é uma oportunidade única para abrir novas áreas

de cooperação entre as duas regiões, garantindo que os países do Mercosul permanecem alinhados com valores essenciais para a União Europeia na área do desenvolvimento sustentável, dos direitos humanos, dos valores democráticos, das regras da concorrência e do comércio leal. Considerando o panorama instável que se vive internacionalmente em muitas regiões do globo, com crescentes tensões nomeadamente entre a China e os Estados Unidos, é ainda mais importante estabelecer mais e melhor cooperação com o Mercosul sobretudo em áreas em crescimento como a economia digital e o combate às mudanças climáticas.

Falando de desenvolvimento sustentável e do

combate às alterações climáticas também neste caso o acordo vai ser benéfico para o Mercosul e para a União Europeia. Em primeiro lugar porque o acordo prevê a obrigatoriedade para os signatários de não baixarem os níveis de proteção laboral e ambiental e também de respeitarem o princípio da precaução na adoção e implementação de legislação quando está em causa a saúde ou a proteção ambiental. O acordo também estabelece que a União Europeia e o Mercosul vão respeitar e implementar o Acordo

2 https://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2021/march/tradoc_159509.pdf

de Paris sobre o Clima, incluindo a redução das emissões de CO2 e o combate à deflorestação ilegal nomeadamente na Amazónia e finalmente que ambos se comprometem a aumentar a cooperação nesta area.

Mas porquê o acordo corre o risco de não ser uma realidade?

Primeiro porque alguns ambientalistas consideram que o acordo não é suficientemente forte em matéria ambiental e que era necessario obter ainda mais compromissos nomedamente por parte do Brasil no que diz respeito ao combate à deflorestação na Amazónia. É verdade que a deflorestação na Amazónia vem aumentando nos últimos anos e este é um problema que preocupa bastante a sociedade civil na Europa tendo em conta o acelarar das alterações climáticas. Mas a questão que devemos colocar é que solução serve melhor a resolução deste problema, ter ou não ter o acordo? Se não tivermos o acordo podemos continuar a levantar o problema e a tentar convencer as autoridades Brasileiras a serem mais eficazes no combate à deflorestação, nada mais. Se tivermos o acordo quer a União Europeia quer o Mercosul têm que respeitar os compromissos assumidos que têm carácter vinculativo. O acordo é um instrumento de pressão na área do desenvolvimento sustentável e se algum dos signatários não cumprir as suas obrigações poderá em última instância ser acusado de incumprimento do acordo com as consequências daí inerentes. O acordo também abre novas portas para mais cooperação entre as empresas da União Europeia e do Mercosul nesta área. Muitas empresas já estão a investir e a inovar para criar bens, serviços e tecnologias mais sustentáveis, nomedamente na área da economia circular e das energias renováveis. O acordo UE-Mercosul vai facilitar ainda mais estas iniciativas já que vai promover trocas comerciais através da redução e eliminação dos direitos aduaneiros e da simplificação dos procedimentos alfandegários. O outro segmento de criticas ao acordo vem do setor agrícola e em particular dos produtores de bovinos Europeus. Por um lado, consideram que o acordo vai provocar perdas de rendimentos para os produtores Europeus que já enfrentam ums situação difícil provocada nomeademente pela redução do consumo de carne na Europa. Alegam ainda que a concorrência do Mercosul é desleal porque os produtores da região não estão sujeitos aos mesmos padrões sanitários, de segurança, qualidade e sustentabilidade que os produtores da União Europeia. Um acordo comercial nem sempre traz benefícios para todos os setores da economia e poderá haver sempre alguns que perdem. Mas neste caso cabe à União Europeia adotar as medidas de compensação necessárias para mitigar o impato negativo sobre esse ou esses setores. No caso particular do Acordo UE-Mercosul os ganhos para a economia em geral são inequívocos. Os setores industriais, dos serviços e muitos dos setores agrícolas vão beneficiar de forma significativa com o acordo. Se há um ou dois setores que podem sair prejudicados tem que se encontrar uma solução mas esta não pode passar pela rejeição do acordo. Uma minoria não pode decidir o destino da maioria. Importa não esquecer que 2020 foi um ano dramático para as trocas comerciais no mercado interno da União Europeia com uma quebra de € 2. 841,7 biliões por comparação com 2019. As exportaçãoes para fora da UE também sofreram uma quebra significativa de quase 10% no mesmo período. Importa assim aproveitar todas as oportunidades que se apresentam de apoiar as exportações e o crescimento económico na Europa e o acordo com o Mercosul é sem dúvida uma delas. Apesar do panorama atual não ser o mais positivo, é fundamental que aqueles que vão beneficiar deste acordo e são muitos continuem a defendê-lo publicamente. É preciso trazer os fatos e a realidade para a discussão. A maioria não pode ficar silenciosa sob pena de se perder uma oportunidade única de beneficiar do maior acordo comercial celebrado até hoje pela União Europeia e que certamente trará muitos benefícios também para Portugal.

This article is from: