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Estratégia

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Investigação

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A NECESSIDADE DE UM POSICIONAMENTO PARA A CERÂMICA PORTUGUESA

por João Gilsanz Magalhães , Partner & Strategy Director da Super. Brand Consultants

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O ano de 2020 foi um ano extraordinário - no sentido de não ser conforme ao costume. A pandemia, e os seus efeitos, fez-se sentir por todo o mundo e deixou uma marca devastadora cujas consequências ainda não somos capazes de perspectivar em toda a sua plenitude. Ainda assim, estes tempos estranhos acentuaram, talvez de forma fria e insensível, a fronteira entre as empresas que demonstraram capacidade de adaptação e as outras. A volatilidade, imprevisibilidade, complexidade e ambiguidade que têm caracterizado o nosso mundo, de forma cada vez mais acentuada, e a quarta revolução industrial que atravessamos, alteraram a forma como vivemos, pensamos, trabalhamos, compramos, aprendemos e nos relacionamos com os outros. A tecnologia está a transformar as nossas vidas, como aliás sempre esteve, mas a uma velocidade muito mais acelerada. Na cerâmica, à semelhança de outros sectores, foram muitas as empresas que foram capazes de repensar os seus processos e eliminar os seus constrangimentos de modo a garantir o foco nas necessidades dos seus clientes e a adaptação às alterações nos seus hábitos. Toda esta transformação do contexto competitivo veio trazer alterações profundas à forma como as empresas gerem os seus negócios - nomeadamente à forma como se relacionam com os seus clientes. Neste contexto, a marca assume uma importância mais relevante do que nunca. Esta afirmação é válida para países, cidades, empresas, ONGs e até pessoas. Criar uma marca é, hoje em dia, um desafio que vai muito para além da criação de produtos. Muito para além de uma identidade consistente e coerente. Na era dos memes e da crescente importância que as plataformas de social media desempenham na vida das pessoas, estas demonstram uma cada vez maior vontade de interagir com as marcas. Os consumidores querem perceber e comentar a posição (ou seja, a perspectiva) das marcas em relação aos assuntos que se relacionam com os valores que eles partilham com as mesmas. As comunidades de consumidores, que se agregam em torno de uma marca, querem interagir com ela, querem identificar-se com ela, projectar-se nela e sentir que a marca também é sua - a marca satisfaz as suas necessidades, os seus sonhos e desejos, e ajuda-os a tomar decisões. Por tudo isto, já não é suficiente pensar numa marca como um nome e um logótipo. Já não é suficiente ter um bom produto (embora seja absolutamente essencial). É necessário ter um propósito e uma personalidade, bem definida, que se traduza numa atitude coerente e numa experiência de marca autêntica, relevante e diferenciadora. Nos dias de hoje, a coerência de comportamento, por parte da marca, sobrepõe-se à necessidade de consistência. Pese embora seja necessário definir níveis obrigatórios de consistência (caso contrário seria difícil identificar a comunicação da marca), a marca deve ter presente que numa economia da atenção como esta em que vivemos, em que somos permanentemente bombardeados por estímulos, as pessoas não querem ver as mesmas coisas vezes sem fim. Por isso, é cada vez mais comum, com a devida conta, peso e

medida, ver marcas que optam pela criatividade em detrimento da consistência. É pois, imperioso para a marca interagir com a sua comunidade (muitas vezes hiper-diversificada e transgeracional) de forma a captar a sua atenção e interesse e a encetar conversas que ultrapassam a vertente transaccional do negócio. As gerações mais novas (Y e Z) têm especificidades e características muito próprias e vincadas: necessidade de perceber o propósito das marcas e de se identificarem com ele, para além de uma grande preocupação com a autenticidade e com a sustentabilidade. Ao mesmo tempo, as pessoas estão cada vez mais dependentes das suas experiências digitais para percepcionarem emoções reais. As experiências digitais (como, por exemplo, uma compra on-line) complementam e condicionam a percepção que as pessoas têm da experiência na “realidade”. Longe vão os tempos em que as marcas apenas tinham que se preocupar com a consistência da sua comunicação - bastava um manual de normas gráficas ou um manual de escrita. Nos dias de hoje, as comunidades (clientes, parceiros, seguidores, influenciadores, etc.) querem fazer parte da vida das marcas, querem interagir e querem, em certa medida, “apropriar-se” delas. Há muito que a marca deixou de ser apenas o logo! Há muito que a gestão inteligente de uma marca deixou de passar unicamente por “gritar” mais alto do que a concorrência ou de colocar o logótipo em todo o lado! Em vez disso, as marcas devem procurar traduzir a sua identidade em tudo o que fazem. Uma marca é uma promessa entregue, definida em torno de um posicionamento claro, relevante, autêntico e diferenciador. Se o posicionamento não estiver bem definido pela marca, dificilmente a marca se consegue livrar do “posicionamento” que o mercado define para si. Por isso, quando pensamos na cerâmica portuguesa enquanto marca, temos que começar pelo óbvio: qual é o seu posicionamento? Ou seja, “que é que os outros pensam de nós”? O mercado pensa naquilo que queremos que pense? O posicionamento da cerâmica portuguesa não é claro - como aliás não é claro o posicionamento da marca made in Portugal. Esta é, sem dúvida, a maior debilidade que uma marca pode enfrentar. Se a marca não se consegue definir a si mesma, como é que os outros o podem fazer? Da abordagem estática e logocêntrica ao mundo visual dinâmico da experiência, o desafio dos dias de hoje consiste em abraçar a velocidade e a agilidade do quotidiano e criar uma marca com a vida e o dinamismo correspondentes. Estar presente e surpreender nos touchpoints certos cria uma conexão emocional com a marca. Assim, a marca ganha significado e valor junto dos seus consumidores. Num mundo com recursos limitados e preocupações crescentes, as marcas não podem simplesmente querer “aparecer para vender”. Como nunca antes, os consumidores esperam que as marcas dêem um contributo para melhorar as suas vidas (para além dos benefícios funcionais, emocionais e sociais). Para tal, é necessário que as marcas compreendam os seus dilemas, dificuldades, necessidades e aspirações e que abordem esses assuntos de uma forma que tenha significado para os consumidores.

Por tudo isto, torna-se óbvio o entendimento de que o poder de uma marca reside na sua capacidade de influenciar as percepções, atitudes e comportamentos de compra dos clientes, potenciais clientes, consumidores, potenciais consumidores, prescritores e influenciadores. Quando uma marca é construída de forma pensada e estruturada, ela será capaz de traduzir-se em benefícios económicos claros e tangíveis, como, por exemplo, aumento do número de vendas, criação de maiores margens, comportamentos mais estáveis em momentos de crise ou maior resistência perante as ações dos concorrentes, entre outros. É neste contexto e com este objetivo que a APICER lança o projeto INTERCER - Promoção da Internacionalização da Cerâmica Portuguesa - uma iniciativa imprescindível no contexto atual e que visa a promoção e a internacionalização da cerâmica portuguesa e a alteração da perceção que os mercados têm da cerâmica nacional - nomeadamente dos sub-setores da ‘Cerâmica Utilitária e Decorativa’ e da ‘Cerâmica de Pavimentos e Revestimentos”. Este projeto pretende, assim, definir e comunicar um novo posicionamento para a cerâmica “made in Portugal”, de forma a alavancar o crescimento sólido e sustentado do sector e respectivas empresas, gerando um valor patrimonial ou de capitalização acrescentado. Definir uma estratégia de marca para a cerâmica “made in Portugal” consiste em formular uma proposta que tenha significado e que acrescente valor a todos os stakeholders. Essa proposta deverá derivar da visão e da estratégia dos diferentes negócios, estar baseada na identidade, competências, habilidades e cultura do sector e remeter à experiência que a cerâmica portuguesa pode oferecer ao mercado e o valor social que pode trazer à comunidade. Desta forma, com vista a melhorar a competitividade do setor, e a par com a definição do posicionamento da marca cerâmica “made in Portugal”, o INTERCER propõe-se, assim, melhorar a comunicação e a imagem do setor nos mercados internacionais através de uma comunicação condicente com o posicionamento desejado, a aumentar a perceção da qualidade percebida dos produtos nos mercados internacionais, através de um conjunto de ações e suportes de comunicação e a reforçar a visibilidade internacional da oferta do setor. Para dar corpo a estes objetivos o projeto irá desenvolver um conjunto de ações, incluindo o desenvolvimento de uma identidade verbal e visual alinhadas com o posicionamento definido, o desenvolvimento de diversos suportes de comunicação, e a comunicação e ativação da marca junto das audiências relevantes nos mercados-alvo de modo a reforçar as exportações do setor. A concretização bem sucedida de todos estes objectivos, que são ao mesmo tempo cruciais e ambiciosos, está também dependente da auscultação das vozes das empresas e da capacidade em percorrer este caminho de forma alinhada, coerente e consistente. É um projeto que se quer das empresas, para as empresas.

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