HUMANIDADES MÉDICAS
Literatura e Memória, um regalo vitalício Betina Mariante Cardoso* Por coincidência, finalizo a escrita deste texto hoje, 23 de abril, Dia Mundial do Livro. E a escrita a seguir é sobre literatura, livros, escritores. E sobre a importância do tema para a Medicina. Nesta, a Psiquiatria. E, finalmente, essa página com a data de hoje é sobre transcender fronteiras da psiquiatria, encontrando novos horizontes em Saúde Mental, tema do nosso Congresso Gaúcho, no próximo outubro. E por falar em fronteiras, aqui abordo aquelas entre Medicina e Literatura, que acabaram por compor, dentro das Humanidades Médicas, a área de Medicina Narrativa.
e, para mim, inesquecível, de uma riqueza cultural ímpar. O momento que gravei e consigo ainda recordar em cores foi quando Dr. Iván Izquierdo falou da grande importância da leitura literária para a memória. Referiu também que, pelo fato de ser necessário construir imagens pelas palavras, é um exercício precioso para o cérebro. Este não recebe a figura pronta da personagem ou das cenas, mas elas passam a existir para cada um como reais, pela transformação da palavra em vida, “alquimia” que o cérebro faz frente ao texto literário.
Essa área nasceu em torno do ano 2000, no que já era a estabelecida união entre as Humanidades e a Medicina, mas o termo em si foi cunhado pela médica americana Rita Charon, que vinha de uma formação específica em Literatura. Charon fundou a Medicina Narrativa na Columbia University de Nova Iorque, promovendo em alunos da faculdade e, hoje em dia, de outras áreas da saúde, o contato com o texto literário e com as Artes de forma geral. Seu objetivo, desde o início, foi promover os princípios da integração entre os campos. A seguir, o porquê.
Por coincidência, na época eu estava justamente lendo o clássico “A montanha mágica”, de Thomas Mann, para ilustrar elementos de um artigo sobre o funcionamento do paciente crônico nas condições médicas. Era então acadêmica do quarto ano da Medicina na PUCRS, atendendo nas equipes do sexto andar alguns dos pacientes que marcaram meu percurso, por sua reação à cronicidade. Mais do que isso: por suas histórias narradas muitas vezes em carne viva, com o peso do tempo, do que não foi feito e do que não será. Narrativas. Os relatos do protagonista do livro, Hans Castorp, que eu já parecia conhecer de vista, se fundiam com o que escutava nas visitas ao leito de cada paciente. E foi naquele momento, enquanto o neurocientista falava em literatura, memória e imaginação, que compreendi a importância que esse tecido de palavras com significado, o texto, tinha para mim como aluna de Medicina: me ajudava a ouvir o paciente nas camadas do seu contar. Eu escutava, imaginava, simbolizava, sentia. Aquilo não
Mas vou começar contando como cheguei a essa história. Foi em novembro de 1999, período de alegria literária em Porto Alegre pela Feira do Livro, que assisti a uma conversa entre o neurocientista Prof. Dr. Iván Izquierdo e o poeta Prof. Dr. Armindo Trevisan. Ambos escritores, falavam de literatura, de memória, de Jorge Luis Borges e de Funes, personagem do conto borgeano “Funes, el memorioso”. A prosa foi longa, 24