ESPAÇO DO SÓCIO
Exercício para um Diário Ana Cristina Tietzmann* Sexta-feira, 04 de dezembro,2020. Acordo antes do despertador mas volto a dormir. Ao som do segundo toque, penso: hoje não posso tirar aquele cochilo fatal que acaba em correria. Não adianta, acabo demorando demais em frente ao guarda-roupa e conferindo o Instagram. Bebo um iogurte e saio em seguida, quase 10 minutos atrasada. O dia está claro, ensolarado, temperatura amena. Sinto que estou confiante. No trajeto, lembro que esqueci de fazer o exercício do diário para a oficina literária de amanhã. É um dia interessante para relatar. Incomum, para a maioria das pessoas. Para observar e sentir o momento, não ligo o rádio. Também preciso me concentrar no trânsito, tentar recuperar aqueles minutinhos perdidos. Por sorte, pego uma “onda verde” nas sinaleiras do bairro, sem precisar parar. São minutos preciosos, preciso chegar até as 7h. Mais relaxada, ligo o rádio para ouvir alguma atualização sobre a situação dos hospitais. Por coincidência, está bem na hora do boletim diário da pandemia: hospitais de Porto Alegre começando a ficar lotados novamente. Moinhos de Vento e Mãe de Deus estão com 100% dos leitos COVID ocupados. Desta vez, fico mais assustada. Há alguns meses não sentia isso. Medo do vírus. Sinto uma ponta de angústia quando lembro que estou indo para o hospital e, entre outras coisas, tenho a agenda cheia. Penso que não falei com a minha mãe nos últimos dias. O que ela deve
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estar aprontando esta semana? Será que está usando a máscara nova que levei para ela? Chego na garagem e estaciono. Desde o início da pandemia, não deixo mais o carro para o manobrista. É mais seguro para todos, já que trabalho em ambiente de risco, exposta. Já peguei o jeito, segundo ele. Lembro que ainda não sei o seu nome, apesar de encontrá-lo todos os dias. Ainda dentro do carro, coloco a máscara N-95. Pego a mochila e saio caminhando em passo acelerado pela avenida Independência. Entro pela porta da Garibaldi para acessar o elevador até o bloco cirúrgico. Satisfeita, vejo que consigo bater o ponto eletrônico às 6:59 e o elevador está aberto. Mais um passo e consigo pegar carona com uma colega, técnica de enfermagem, que já me conhece. Ao entrarmos no vestiário feminino, vejo que a residente já está terminando de se vestir. Coloco a roupa, touca, propés e guardo a mochila. Quando entro no bloco cirúrgico, vários técnicos de enfermagem ainda estão em conversas matinais e a sala de cirurgia ainda vazia. Cheguei antes do anestesista! Quem diria! para quem tinha saído atrasada, uma pequena vitória. A primeira paciente é a mesma adolescente da semana passada. Transtorno Bipolar, 17 anos. Está na quarta sessão. A residente já tinha as orientações da equipe assistente, a paciente estava tranquila pois já conhecia o procedimento. Havia feito no Hospital de Clínicas. O anestesista chega