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5.2 Prova dos Desafios
from Andressa Cunha Miranda - A PRESENÇA DO JOGO E DO TEATRO NA ANIMAÇÃO DE EVENTOS E NA SALA DE AULA...
by Biblio Belas
Na variação, “Estátua maluca em duplas”, dou a instrução de que ela é parecida com a estátua sozinha, mas que, nessa variação, as crianças têm que escolher um amigo. Juntos farão todas as próximas estátuas malucas. Esse jogo, que faço em sala de aula e nos eventos de animação, trabalha a escuta, a consciência corporal e o cuidado com o corpo do outro. E no que diz respeito às regras, elas são seguidas com tranquilidade nos dois ambientes. O que muda é o tempo para evolução do jogo. Na animação, tudo é muito mais rápido e, se uma estátua não foi feita ou teve dispersão, eu continuo a atividade, procurando sugerir estátuas mais interessantes. Em sala de aula, se alguém se dispersa, eu tento, primeiro, buscar algo mais interessante na proposta seguinte, mas, após a segunda tentativa na busca pelo interesse e a participação da criança, já interrompo rapidamente a atividade e converso com ela para compreender o que está ocorrendo e por qual motivo não está acompanhando a atividade junto aos colegas.
5.2 Prova dos Desafios
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Nessa brincadeira, dirijo-me às crianças: Vamos fazer uma fila atrás de mim? Pronto? Quem será o primeiro? Por favor (direcionando-me ao primeiro da fila), fique aqui um segundo para eu montar nossa prova dos desafios. Posiciono cerca de 10 a 12 bambolês, geralmente intercalando as cores, formando uma trilha no chão, na qual as bordas dos bambolês se tocam. Depois disso, digo às crianças: Nossa trilha está pronta. Agora vou falar algumas regras: Vale pisar na borda do bambolê? Eles respondem: Não. Vale empurrar o colega na fila? Não. Vale sair correndo pelos bambolês? Não. Vamos esperar o colega terminar a trilha para que possamos entrar? Sim. Depois de todos passarem pelo primeiro desafio, pergunto: Posso fazer um desafio mais difícil? Geralmente alguns respondem sim, outros não. Em resposta a essa divisão, geralmente repondo: Vou fazer só um pouquinho mais difícil, porque a última vez foi muito fácil e todo mundo conseguiu passar pelo desafio. Começo o jogo indicando às crianças com qual tipo de posição corporal elas podem passar pelos obstáculos, por exemplo, sendo um coelho, depois canguru, sapo, imaginando que os obstáculos formem uma “Amarelinha”, então elas podem pular com 1 pé ou 2. As orientações mudam de acordo com o grupo e de acordo com a evolução e interesse no jogo. Em sala de aula, o circuito dos obstáculos é feito em torno de 3 a 4 vezes por cada criança, em um dia de aula; sendo assim, podemos fazer até 4 personagens ou 4 ações diferentes no dia. Geralmente conseguimos concluir o jogo e as crianças até pedem para brincar mais um pouco e fazer o circuito mais uma vez.
Na animação, passamos pelo circuito dos obstáculos mais de 5 vezes, na maioria das festas, pois as crianças amam executar esses desafios. Entretanto, houve uma festa, cujas crianças se dispersaram e não passaram pelo desafio nem uma vez. Na ocasião em que isso ocorreu, recolhemos os bambolês e trocamos imediatamente de jogo. Se fosse na aula de teatro, eu conversaria com as crianças e tentaria entender o porquê de elas não participarem do jogo. Quando dei aulas de teatro na Escola Infantil Estrelinha Mágica, na minha turma de 1º período havia uma aluna que sempre se queixava de mil dores, falava que estava com medo e demorava a começar a participar das atividades, a Marcela14, de 4 anos. Nossa apresentação de fim de ano foi com tema de abelhas, comecei as brincadeiras com o “Coelhinho sai da toca”, utilizando os bambolês como toca, e, depois, a “Prova dos desafios”, sugerindo que diferentes animais, como coelhos, abelhas, passarinhos, dinossauros, entre outros animais, saíssem da toca e passassem pela trilha com sua diferente corporeidade. Percebi que a Marcela sempre falava que estava com medo, fazia somente os animais que lhe agradavam, como borboletas e passarinhos. Depois de quatro aulas e de conversar com a diretora da escola, sendo orientada por ela, comecei a ter uma postura mais firme com a Marcela, passei a tirá-la do jogo momentaneamente quando ela não cumpria as regras; assim, aos poucos, ela foi mudando seu comportamento. Questiono, então, se o que a deixava com aquela atitude na sala de aula era de fato medo ou se era vontade de fazer somente o que lhe agradava, pois quando o comando era “coelhinho sai da toca”, ela fazia o coelho, mas abelha, cobra ou dinossauro, ela não queria fazer. Quando eu a questionava, ela dizia que tinha medo. Conversei com ela, explicando-lhe que não precisava ter medo, que era uma brincadeira. Ainda não tenho muito claro o que ocorria com ela, mas sei que ela apresentou grande evolução e mudou sua postura durante nossas aulas. Antes, eu sentia que ela era muito tímida e também só queria fazer o que gostava, justificando, possivelmente, com a palavra medo o que ela não quisesse fazer. Ao finalizarmos o ano, Marcela estava menos tímida e fazia todas as atividades propostas em sala de aula. Na animação, sempre faço essa brincadeira e as crianças que têm medo ficam próximas de suas mães e não entram na brincadeira. Quando chamo novamente, insistindo de forma descontraída para que todos participem da atividade, geralmente a mãe ou o pai entram na brincadeira junto com a criança, até que ela se enturme ou perca a timidez. Porém esses pais só permanecem nas brincadeiras até que as crianças fiquem à vontade. E, essa situação é completamente diferente da citada anteriormente, pois os pais não entram no jogo com o
14 Nome fictício. Todos os nomes citados no texto são fictícios.
espírito de competição, mas somente com o intuito de que seu filho possa brincar e participar alegremente das atividades propostas. Ryngaert (2009) afirma que
essa “timidez” difícil de superar impede toda manifestação vocal ou motora, torna desajeitados sujeitos que habitualmente não o são. Ela se manifesta tanto em crianças como adultos e não se explica somente pela cômoda noção de “pânico”. Ela poderia ser resumida por uma hipertrofia do “interno” e uma impossibilidade de abertura para o exterior. O jogador gostaria de ter a possibilidade de não se mostrar, de não falar, de não “ser” (RYNGAERT, 2009, p. 45).
Essa possibilidade de não se mostrar, de não estar em jogo precisa ser respeitada tanto nas animações quanto em sala de aula. Na turma da Marcela, havia outra aluna, a Fernanda, que aparentemente era muito tímida, quase não falava, e quando eu conversava com ela, mesmo muito próxima dela, tinha que fazer um grande esforço para compreender o que ela dizia. Ela pouco falava, mas eu observei que ela fazia as atividades, da maneira dela, sempre mais introspectiva. Fui observando e passei a elogiá-la diante da turma, sempre que havia uma oportunidade, inclusive elogiando o fato de ela estar sempre atenta ao que eu falava, enquanto outros alunos, por vezes, falavam junto comigo, me perguntavam coisas fora tema ou me falavam sobre seus sapatos e laços de cabelo novos.
Ryngaert diz que
A recusa de expressão manifesta ora uma falta de confiança em si mesmo (não sei fazer, não sei o que fazer), ora uma falta de confiança no grupo. Ou ainda, como já foi dito, uma falta de compreensão do que está em jogo. Em todos os casos, o tempo aparece como critério essencial. Deve ser possível reservar para cada um o direito ao retraimento e ao silêncio, o direito a uma expressão mínima (RYNGAERT, 2009, p. 46).
O respeito ao silêncio e à expressão mínima, por parte do adulto, acontece tanto em sala de aula quanto nas animações. Afinal, o momento do brincar, antes de qualquer coisa, é um momento de prazer e não de sofrimento. O animador não deve se tornar um refém das crianças ou dos pais, apesar de o seu trabalho estar ligado à diversão e a lidar com altas expectativas que todo dia de festa tem. Tratase de um momento de alegria e de descontração e, nele, busco que as crianças se divirtam com as atividades e com o momento de alegria na festa, mas sem me tornar refém de suas vontades. Em sala de aula, quando faço adaptações, estas são feitas de forma diferente das realizadas nos eventos. Na festa, o aniversariante guia um pouco como serão as regras e o
andamento das atividades, de acordo com sua personalidade. Em sala de aula, quando é necessário fazer mudanças, estas são guiadas por todo grupo de alunos. Todos eles têm igual poder sobre as modificações. Faço dessa maneira para não gerar favoritismo, o que em aniversários é exatamente ao contrário, pois deixamos claro o favoritismo pelo aniversariante. Nas aulas de teatro acontecem combinados/regras, também, após o início do jogo. Contudo, para que isso aconteça, é preciso que a turma toda ou a maioria dela esteja de acordo. Depois de quase dois anos trabalhando com a mesma turma e os mesmos alunos, fui convidada para animar a festa aniversário de dois deles. A primeira experiência foi na festa do João e, logo em seguida, na da Lara; ambas aconteceram fora da escola. Chegando ao local, todos me conheciam como sendo a professora de teatro, mas sabiam que eu estava lá para animar, fazer pinturas, contar histórias e fazer brincadeiras. Essa foi uma experiência única e muito divertida. As crianças já me conheciam, sabiam meu jeito de trabalhar, afinal, utilizo do meu repertório de animação, também, em sala de aula. Nessa ocasião, fiz algumas brincadeiras que ainda não havia feito com eles, como a Prova do ovo na colher (realizada com bolinhas de ping-pong coloridas) e Corrida de sacos. Um momento interessante dessa experiência foi com a aluna Marcela, que antes demonstrava medo ou receio em algumas atividades propostas, porém nas festas não demonstrou medo ou receio algum, realizando todas as atividades propostas. A sensação que tenho é de que essa disponibilidade dela veio a partir da familiarização com as brincadeiras e também comigo. Percebo a mesma situação nas festas. Quando as crianças já conhecem o jogo, essa familiaridade colabora para o interesse delas nas atividades. E esse conhecimento prévio causa segurança. Uma forma de trabalhar esse sentimento de segurança é com jogos; através deles podemos trabalhar a resposta rápida, autonomia, criatividade, o estar no momento presente, a expressão corporal, a dramaturgia, entre outros, de acordo com cada jogo. A avaliação dos jogos é feita não como certa ou errada, mas como uma constatação do que realizamos, nas festas e em sala de aula. Às vezes, as crianças apontam algo como errado e eu busco explicar que não existe errado nesse caso. Essa explicação de que não há certo ou errado sempre faço em sala de aula e, quando tenho oportunidade, faço-a também nas animações, pois não é sempre que consigo um momento de conversa e reflexão com as crianças nos eventos, mas fico atenta às oportunidades. Destaco abaixo o depoimento de um professor, presente no fichário de Viola Spolin15. Gama diz:
15 Não uso esse sistema em sua íntegra, trabalho com adaptações, usando somente alguns elementos que compõem o sistema de jogos teatrais.
Jovens que tiveram oportunidades de trabalhar com os princípios dos jogos teatrais tornam-se mais seguros e se sentem mais capazes para se aventurar na representação teatral. Pouco a pouco, aprendem a se comunicar no palco e a se relacionar com a plateia de maneira espontânea. O aprendizado teatral é construído ao longo das experiências do grupo (GAMA, In: SPOLIN, 2008, p. 16).
Esse relato do prof. Joaquim Gama, para mim, é o espelho do que aconteceu com a aluna Laura, da turma do 2º período, após trabalhar com jogos teatrais e brincadeiras. Ela, que não falava quase nada e falava sempre muito baixo, com a voz “abafada” pelos outros alunos, logo depois dos jogos e do trabalho com os personagens animais e as coreografias de A Foca e Abelhas, de Vinicius de Moraes, passou a falar mais e a se posicionar diante dos colegas. Sinto que, ao dar a ela mais responsabilidades, como começar as músicas, ser a primeira a começar a coreografia, lembrar aos colegas o que eles se esqueceram de fazer, dei-lhe voz; e depois da nossa apresentação final, tive certeza de que a sua evolução foi realmente grande, ao ponto de receber elogios dos pais. Eles pediram meu contato para, caso eu tivesse uma turma fora da escola, ela pudesse continuar as aulas de teatro, pois até em casa ela estava mais falante e se posicionando mais. Sobre essa evolução na capacidade de comunicação, Spolin (2008), diz:
Jogos teatrais, experimentados em sala de aula, devem ser reconhecidos não como diversões que extrapolam necessidades curriculares, mas sim como suportes que podem ser tecidos no cotidiano, atuando como energizadores e/ou trampolins para todos. Inerente a técnicas teatrais são comunicações verbais, não-verbais, escritas e não-escritas. Habilidades de comunicação, desenvolvidas e intensificadas por meio de oficinas de jogos teatrais com o tempo abrangem outras necessidades curriculares e a vida cotidiana. Ensinar/aprender deveria ser uma experiência feliz, alegre, tão plena de descoberta quanto a superação da criança que sai das limitações do engatinhar para o primeiro passo - o andar! Para além das necessidades curriculares, os jogos teatrais trazem momentos de espontaneidade. O intuitivo [...] gera suas dádivas no momento de espontaneidade. Aqui/agora é o tempo da descoberta, da criatividade, do aprendizado. Ao participar dos jogos teatrais, professores e alunos podem encontrarsecomo parceiros, no tempo presente, e prontos para comunicar, conectar, responder, experienciar, experimentar e extrapolar, em busca de novos horizontes (SPOLIN, 2008, p. 20 – grifo da autora).
As atividades realizadas, tanto na sala de aula quanto nas festas, precisam ser espontâneas, criativas e também geradoras de prazer. Precisamos encontrar em elo entre a experiência feliz, que um jogo pode gerar, e o aprendizado. Larissa Altemar (2016) aponta um outro aspecto: “Não basta apenas brincar com a criança para fazer teatro, mas reconhecer o seu brincar e trazer os signos do teatro, usando das brincadeiras, estabelecendo dessa forma aproximações entre brincar e fazer teatro (ALTEMAR, 2016, pag. 6). Ao aproximar esses dois universos, acredito ser possível ter mais qualidade de trabalho em sala de aula e na animação.