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O que faz o Ponto de Contacto da Rede Judiciária Europeia em Matéria Civil e Comercial?
Em Portugal, o Ponto de Contacto da RJECC (Rede Judiciária Europeia Civil e Comercial) é designado pelo Conselho Superior da Magistratura, de entre os juízes portugueses, mediante concurso, exercendo também funções de Ponto de Contacto, em regime de acumulação, do grupo civil da IberRede e da Rede Judiciária da CPLP.
A RJECC é composta pelo Ponto de Contacto (PC) de cada Estado Membro e pelos seus Membros Nacionais (DGPJ, DGAJ, DGRSP, IRN IP, IGEFJ IP, CJP MJ, ISS IP, CPVC MJ, OA, OSAE e ON).
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Os Membros Nacionais da RJECC colaboram com o PC e participam nas soluções práticas encontradas, o que é essencial para que os pedidos de cooperação entre os tribunais de diferentes Estados Membros possam ter êxito.
Uma das principais funções do PC, e que se concretiza na sua rotina diária, é auxiliar os juízes, procuradores, funcionários judiciais e autoridades que exerçam funções judiciais quer nacionais quer estrangeiras, como, por exemplo, nos seguintes casos: – Quando é pedida a inquirição de uma testemunha, de um relatório social ou de um exame médico ou pericial ao Tribunal de outro Estado Membro e quando surgem dúvidas quanto ao modo de envio do pedido, ao Regulamento ou Convenção aplicáveis, às línguas aceites pelo tribunal estrangeiro, ao formulário obrigatório a preencher, ao direito processual aplicável no outro Estado; – Quando não obtêm resposta ao pedido de cooperação enviado ou é recusado o seu cumprimento; – Quando necessitam de aplicar o direito substantivo estrangeiro e pedem informação sobre o seu conteúdo; – Quando pretendem transferir um processo em matéria de responsabilidades parentais.
Igualmente auxilia as autoridades judiciárias a: localizar pedidos de cooperação; identificar dificuldades no seu cumprimento; sugerir soluções
práticas que possam ser aceites pelas autoridades judiciárias envolvidas; ajudar a ultrapassar diferenças entre os sistemas judiciais e processuais dos vários Estados Membros; pedir (para um juiz nacional) ou fornecer (a um juiz estrangeiro) informações sobre a Rosa Lima Juíza de Direito e Ponto de Contacto de Portugal lei aplicável num determinado caso. Faz parte da sua atividade resolver da Rede Judiciária as dificuldades e facilitar a aplicação Europeia em Matéria Civil e Comercial do direito da União, estabelecendo os contactos informais que julgue mais adequados, seja com o PC de outro Estado Membro, seja com o Tribunal ou Autoridade Central de outro Estado Membro. Cabe, também, ao PC a redação e atualização das fichas de informação que a RJECC disponibiliza, com acesso gratuito, aos profissionais forenses e ao público sobre a legislação nacional, nomeadamente: divórcio, alimentos, responsabilidade parental, mediação familiar, sucessões, insolvência, execuções e juros (https://e-justice.europa.eu/ ejncivil). É o PC que elabora os guias destinados aos cidadãos e aos profissionais, em colaboração com os Membros Nacionais da RJECC e com a Comissão Europeia, com o que se visa reforçar a aplicação eficaz dos instrumentos da União (https://e-justice. europa.eu/content_ejn_publications-287-en.do ou https://bookshop.europa.eu). Por fim, para não me alongar, importa referir que incumbe ao PC organizar as reuniões com todos os seus membros nacionais (por regra – trimestrais), bem assim como participar nas reuniões dos PC da RJECC (cerca de seis por ano), nas dos PC e autoridades centrais da IberRede (cerca de dois por ano) e nas da rede judiciária da CPLP (cerca de um por ano). Esperando ter esclarecido o papel do PC português, convido-os a visitar o nosso site www. redecivil.csm.org.pt, onde podem encontrar informação mais detalhada, ou seguir as nossas contas das redes sociais no Facebook e Instagram.
DELFIM COSTA
De sorriso no rosto e galo de Barcelos ao peito, honra as suas origens e tradições como ninguém. E foi com esse mesmo orgulho que abraçou a Solicitadoria. Hoje, a par da formação e ensino, exerce a profissão de Solicitador na sua terra natal, em Barcelos, e é Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), cargo que encarou com determinação e, mais do que tudo, responsabilidade. Delfim Costa acredita que este é “o momento certo para contribuir para a afirmação dos Solicitadores enquanto classe, composta por profissionais competentes capazes de corresponder aos desafios que lhes são lançados” e mostra-se otimista quanto ao futuro: “A Justiça digital está a caminho e estou certo de que os Solicitadores irão continuar na vanguarda”.
ENTREVISTA DINA TEIXEIRA / FOTOGRAFIA CLÁUDIA TEIXEIRA
Somam-se já 13 anos desde que se inscreveu na OSAE. Fale-nos um pouco do seu percurso pessoal e profissional.
Nasci em Barcelos, no seio de uma família humilde, sendo o segundo de três filhos. Aos 10 anos já pintava peças de cerâmica para ajudar nas despesas de casa. Hoje, parece-nos algo estranho, mas era normal naquela época. Pintar galos de Barcelos, diabos e o Naranjito (mascote do campeonato do mundo de futebol de 1982) até era divertido (risos).
Depois de concluir a escolaridade obrigatória (6.º ano), fiz uma formação como pintor e decorador de porcelanas artísticas, trabalho que mantive até terminar a licenciatura em Contabilidade na Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), pois aos 16 anos voltei à escola como trabalhador-estudante e no regime noturno. Mas a contabilidade não era para mim e, em 2004, ingressei no curso de Solicitadoria da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras do Politécnico do Porto. Confesso que quando decidi licenciar-me em Solicitadoria, o objetivo era ser Solicitador de Execução. Contudo, o Direito do Notariado conquistou-me, muito graças à forma apaixonada com que os meus professores, Dr. Virgílio Félix Machado e Dra. Sandra Brestes Vitorino, me transmitiram o seu conhecimento. A conclusão da licenciatura coincidiu com a publicação do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, pelo que fazer um curso de especialização em Registo e Notariado, com vista à titulação, foi algo natural.
Terminada a dissertação de mestrado, que versa sobre os atos notariais dos Solicitadores, o doutoramento torna-se uma hipótese cada vez mais presente.
Desde sempre tive a consciência de que na Solicitadoria o estudo tinha de ser constante. Este estudo e busca incessante pelo conhecimento levou a que fosse convidado para ser formador da OSAE, bem como para dar aulas no Politécnico do Porto e no IPCA.
Atualmente, a par da formação e ensino, exerço a profissão de Solicitador no meu escritório, sito na cidade de Barcelos.
Hoje, para além de Solicitador, é também Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Como encara este desafio?
Com grande sentido de responsabilidade. Não quero, nem posso, defraudar as expectativas daqueles que confiaram em mim: tanto aqueles que escolhi para fazerem parte da minha equipa e que disseram SIM, como aqueles que me elegeram.
No final desta caminhada, quero olhar para trás e ter orgulho das sandálias gastas. Sentir que valeu a pena!
Quais os objetivos para este mandato?
Os principais objetivos para este mandato são aqueles que fazem parte do nosso programa eleitoral, dos quais destaco o mandato judicial. Iremos continuar a reivindicar junto da tutela a efetivação da intervenção do Solicitador no apoio judiciário. Desde 2007 que a lei prevê a participação de Solicitadores no sistema de acesso ao Direito, fazendo-a depender da celebração de um protocolo entre a OSAE, a Ordem dos Advogados (OA) e o Ministério da Justiça. É inadmissível que, por vontade de uma das partes (OA), este protocolo nunca tenha sido assinado. Continuaremos a pugnar pela possibilidade de o Solicitador exercer o mandato judicial cível até à alçada do Tribunal da Relação, bem como para eliminar do Código de Processo Civil (CPC) a restrição à discussão das questões de Direito por parte do Solicitador e, igualmente, para que o Auto de Constatação seja aceite como meio de prova no âmbito do processo judicial.
Também gostaria que alguns regulamentos fossem alterados, nomeadamente o Regulamento de Publicidade e Imagem, e ver fomentadas sinergias entre os dois colégios da OSAE.
Outra minha ambição é a assinatura de protocolos com os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para que os atos praticados pelos Solicitadores possam ser validamente praticados no seu território.
Se tivesse de descrever o Solicitador, como o faria?
Muitos têm tentado definir o que é um Solicitador, as suas funções e áreas de atuação.
Face à legislação em vigor, o Solicitador é um profissional liberal, com formação jurídica, devidamente inscrito na OSAE e, desta forma, habilitado para praticar os atos próprios da profissão, nomeadamente a consulta jurídica e o mandato forense (além dos atos notariais), com poderes de representação para a prática de atos judiciais e extrajudiciais, em nome e por conta do seu cliente.
Podemos afirmar que hoje o Solicitador é um auxiliar indispensável à boa administração da Justiça.
Como analisa a evolução da profissão de Solicitador ao longo dos anos?
Muito positiva. Sedimentada na busca constante do conhecimento e do saber. Na busca incessante de novas competências e soluções em prol da Justiça e dos cidadãos, aproveitando as novas tecnologias.
Acha que hoje existe uma maior sensibilidade para perceber a profissão de Solicitador?
Entendo que sim, embora reconheça que ainda há algum desconhecimento por parte dos cidadãos das funções e áreas de atuação do Solicitador.
Porém, felizmente, a proliferação da licenciatura em Solicitadoria pelos vários estabelecimentos de ensino tem contribuído para o aumento do número de Solicitadores e, consequentemente, para uma maior curiosidade e vontade de conhecer esta nobre profissão e as suas competências e âmbitos de atuação, que vão muito para além dos registos e da ação executiva.
A Solicitadoria tem dado passos importantes no que toca à criação e utilização de ferramentas tecnológicas. É um caminho expectável?
É inegável que vivemos numa era de transição para o mundo digital e a inteligência artificial e os Solicitadores têm estado na linha da frente nesta evolução.
Apostar nas novas tecnologias tem que ser uma prioridade. A realização de atos através de meios eletrónicos foi o que possibilitou aos profissionais continuarem a trabalhar durante a pandemia provocada pelo coronavírus.
Em Portugal, em 9 de maio de 2021, foi promulgada pelo Presidente da República a “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital”, que prevê os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos no ambiente digital. A Comissão Europeia já havia aprovado, em 20 de outubro de 2020, a “Carta Ética sobre o uso da Inteligência Artificial nos Sistemas Judiciais”, sinais de que o futuro passa pelo digital.
A Justiça digital está a caminho e estou certo de que os Solicitadores irão continuar na vanguarda.
Quais os principais desafios que a atividade enfrenta atualmente? Como podem ser ultrapassados?
Os desafios são muitos e a recente aprovação no Parlamento, na generalidade, da lei que visa introduzir alterações ao regime jurídico das associações públicas profissionais, é prova disso mesmo.
A desformalização e desmaterialização de muitos atos jurídicos trazem novos desafios, potenciando o aparecimento da procuradoria ilícita. Contudo, temos que ter uma postura otimista e tentar encontrar novas oportunidades.
Teremos de apostar fortemente na nossa qualificação. A qualidade do serviço prestado pelos Solicitadores deve ser uma preocupação de todos nós. A busca pelo conhecimento é fundamental para uma classe que quer e deve honrar o seu compromisso para com os cidadãos. Uma classe que se deve impor pelo seu saber, conhecimento e competências técnicas.
Aquilo que vou dizer pode ser mal interpretado, mas teremos de ter consciência de que não adianta reivindicar novas competências se não formos capazes de as desempenhar convenientemente. Necessitamos, enquanto classe, de nos comprometer uns com os outros pela partilha e busca do conhecimento, que vai muito para além da partilha de minutas e ficheiros nas redes sociais. Esta partilha é de salutar, mas insuficiente se não for acompanhada de um estudo sério e comprometido. Estou aqui para dar o meu contributo nesse sentido.
Esteve na linha da frente da proposta apresentada para alteração da norma do Estatuto da Ordem que impõe aos profissionais a inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Após a aprovação desta deliberação, que preocupações ainda restam? O que falta ainda alcançar?
Continuo a defender o que sempre defendi, com o mesmo afinco e a mesma convicção, mas o sentido de responsabilidade que o cargo de Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE em si encerra, obriga-me a ter presente que represento
todos os Solicitadores e que devo defender o interesse de todos, independentemente das suas posições. A verdade é que não me revejo nesta CPAS e, como tal, gostaria de ter a possibilidade de escolher outro sistema de previdência.
A pandemia provocada pela COVID-19 veio revelar a incapacidade da CPAS no apoio social aos seus beneficiários. Preocupa-me a precária previdência dos Solicitadores, pois não temos um verdadeiro regime de previdência e apoio social. Apesar de estar plasmado no Regulamento da CPAS que esta visa assegurar fins de previdência e de proteção social aos seus beneficiários, na verdade o mesmo só garante a conceção de pensões de reformas e subsídios por invalidez. Numa situação de doença, altura em que ficamos privados de trabalhar e de obter rendimentos, qualquer apoio fica pendente das disponibilidades anuais do fundo de assistência e da vontade da direção, mas continuamos obrigados a pagar as contribuições. Não consigo entender como se pode compactuar com esta situação.
Preocupa-me o valor da inflação e a sua implicação na fixação das contribuições para 2023, caso nada seja feito em relação ao indexante contributivo. Preocupa-me que os Solicitadores, ativos e reformados, enquanto beneficiários da CPAS, sejam constantemente excluídos dos apoios públicos do Estado.
Pergunta-me o que falta ainda alcançar. Eu respondo que falta alcançar quase tudo, mas principalmente falta alcançar o direito à livre escolha. Falta alcançar a dignidade e o respeito que todos merecemos, mas que a atual direção da CPAS demonstrou não nos dar e não ter.
Como vê o futuro da profissão?
Há ainda um caminho longo a percorrer para a plena afirmação dos Solicitadores como parceiros indispensáveis na boa administração da justiça, um caminho de desafios que deve ser encarado com responsabilidade, aliando a ponderação e a ousadia.
Quando fui convidado para ser candidato a vogal do Conselho Regional do Porto da OSAE, cargo que exerci entre 2018 a 2022, nunca imaginei ser Presidente do Conselho Profissional do Colégio dos Solicitadores da OSAE. Aceitei este desafio porque entendi ser o momento certo para contribuir para a afirmação dos Solicitadores enquanto classe, composta por profissionais competentes capazes de corresponder aos desafios que lhes são lançados.
Os Solicitadores têm futuro como classe, desde que, como já referi, apostem na sua qualificação e encarem os novos desafios com responsabilidade. Os novos desafios só serão alcançados com o esforço e sacrifício de todos. Os Solicitadores podem contar comigo, pois eu sei que posso contar com eles! Afinal, a nossa máxima é “Labor improbus omnia vincit”!