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Poderes de Representação – Suas Vicissitudes
Telma Afonso
Colaboradora do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Oconceito de representação, e seus efeitos, tem ínsito a realização de um negócio, porquanto o recurso a um “intermediário”, leia-se procurador, para em seu nome praticar atos que, por sua vez, se repercutem diretamente na sua esfera jurídica e têm como premissa a atribuição voluntária desses mesmos poderes, conforme plasmado na conjugação dos artigos 258.º e 262.º do Código Civil (doravante C.C.).
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Todavia, a outorga de poderes representativos terá sempre de estar limitada pela designada ética negocial e, bem assim, norteada pelo princípio da boa-fé (n.º 2 do art.º 762.º do C.C.).
Não raro se verificam diferendos, judicialmente dirimidos, concernentes à validade do negócio jurídico, ora por excesso ou abuso de representação, ora por atuação excluída de tais poderes, e desacompanhada de posterior ratificação (n.º 1 do art.º 268.º do C.C.).
No que importa à representação sem poderes, não se olvida a denominada responsabilidade do representado naquilo que a doutrina referencia por “representação tolerada”, vide Ataíde, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas - A Responsabilidade do “Representado” na Representação Tolerada - Um problema de representação sem poderes, AAFDL, 2008.
Neste âmbito, salienta-se que, em qualquer das circunstâncias, o critério aferidor será sempre o da vontade do representado e, não de somenos, a salvaguarda dos seus interesses, sendo que neste último ponto enfatizam-se os casos de procurações onde sejam conferidos poderes para “em seu nome e representação celebrar negócio consigo mesmo, ficando expresso o seu consentimento ao abrigo do n.º 1 do art.º 261.º do C.C.”.
No que à práxis diz respeito, a assunção de poderes representativos, quando não consentânea com o escopo normativo, poderá inquinar a jusante o negócio, de tal sorte que o mesmo pode vir a ser declarado judicialmente ineficaz, ante o representado e/ou seus herdeiros, se assim for o caso, especialmente quando o objeto negocial é um imóvel, o que sucede na esmagadora maioria dos casos, com repercussões que se poderão vir a refletir no respetivo cancelamento de registo aquisitivo.
Pese embora as vicissitudes que a concessão de poderes representativos possa comportar, não é despicienda a proteção de terceiros que o legislador tipificou, por referência ao teor do n.º 1 do art.º 266.º do C.C., mormente no que tange à tutela de interesses de quem negociou com o representante em período temporal em que a procuração se mantinha válida, subsistindo assim o negócio celebrado por aquele.
Em síntese, a vinculatividade dos poderes representativos tem como limite a salvaguarda dos interesses do representado e de terceiros intervenientes na senda negocial, traduzidos quer na imperativa figura jurídica da ratificação do representado (no caso de inexistência de poderes), quer na inoponibilidade face a terceiros decorrente de eventual modificação ou revogação pretéritas.
De resto, o vulgar recurso à concessão de poderes representativos, usual no giro comercial negocial, requer da parte do representante o ónus do cumprimento do sentido decorrente do instrumento de procuração, posto ser este último funcionalmente dirigido à realização de fins e interesses do representado, sob pena da preclusão da validade jurídica do ato por si celebrado, a fim de obstar à verificação de vícios substantivos, judicialmente sindicáveis, para reposição da sempre almejada legalidade.