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Solicitadores ilustres: Amélia de Jesus Santos

Miguel Ângelo Costa

Solicitador e Agente de Execução

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SOLICITADORES ILUSTRES AMÉLIA DE JESUS SANTOS A PRIMEIRA SOLICITADORA

Atualmente, na Ordem dos Solicitadores e, concomitantemente, Ordem dos Agentes de Execução, o género feminino é muito superior ao masculino. Não sei qual a diferença entre ambos os sexos, mas nem sequer vale a pena contar, porque é mais do que evidente que a décalage continua a aumentar e sempre para o lado feminino.

No entanto, como em quase todas as profissões, principalmente as jurídicas, noutros tempos as mulheres nem sequer eram autorizadas a entrar, havendo, por isso, uma luta constante pela igualdade entre homens e mulheres. Em muitos países, este desiderato ainda não se alcançou e, infelizmente, tarde ou nunca chegará.

Mas quanto à nossa classe, as mulheres, até à Primeira República, estavam impedidas de exercer quaisquer atividades jurídicas, incluindo a Solicitadoria. E foi já no consulado de Sidónio Pais, em 1918, que as mulheres passaram a ter a seguinte possibilidade: “munidas de uma carta de formatura em direito é permitido o exercício da profissão de advogado, ajudante de notário e ajudante de Conservador” (1) .

No ano seguinte, já no Governo de João Canto e Castro, no qual prontificavam o malogrado António Joaquim Granjo (2) como Ministro de Justiça e Leonardo Coimbra como Ministro da Educação, foi retificado o Decreto anterior, pois considerava-se que o mesmo “não acabou com todas as prescrições legais que, no caso do direito privado, ainda eram feitas à capacidade da mulher” (3), pelo que “ficam revogadas as disposições legais que inibem as mulheres de fazer parte das instituições pupilares, ou quase pupilares, de fazer parte dos conselhos de família em processo civil, de ser procuradoras em juízo, de intervir como testemunhas instrumentárias em atos entre vivos ou testamentos e de ser fiadoras” (4), não necessitando a autorização do marido para exercer o mandato judicial (5) .

Foi, pois, com base neste último Decreto e aproveitando ainda alguma indefinição dos governos militares saídos do golpe de 28 de Maio de 1926, que Amélia de Jesus Santos, solteira, de 30 anos de idade, natural de Lisboa, inscreveu-se com base nos artigos 4.º e 5º do primeiro Regimento da Câmara dos Solicitadores de Lisboa (6) , Decreto 17.438 de 11 de outubro de 1929, fixando o seu domicílio na Travessa de São Domingos 9 - 3º, com número e cédula 45. Mais tarde, com a unificação das três Câmaras, em 1944, foi inscrita na Comarca de Lisboa com o n.º 29 e domicílio na Travessa de São Mamede, 24 - 3.º, já casada.

Pelo histórico do seu cadastro, verifica-se que não teria sido fácil a vida profissional de Amélia de Jesus Santos, dado os seus pedidos de cancelamento provisório e reinscrições constantes até ao cancelamento definitivo em 1971, altura em que tinha o seu domicílio na Rua do Ouro, 2.º direito.

Com a instauração e solidificação do chamado Estado Novo, a vida profissional das mulheres foi sendo, passo a passo, coartada, pois o seu mentor – Salazar – idealizava a mulher como “fada do lar, educadora e mãe”, deixando o “trabalho e a rua“ para o homem. Tudo foi fechado às mulheres, desde as repartições públicas, carreiras diplomáticas, magistratura e administração local. Só o sexo masculino tinha esse direito, conforme assim o decretou o Código Administrativo de 1936 e o n.º 2 do artigo 396.º do Estatuto Judiciário (EJ), somente alterado pelo Decreto-Lei n.º 47.139 de 1966, no sentido de admitir aos concursos para solicitadores encartados os candidatos de ambos os sexos.

No entanto, algumas mulheres já licenciadas ou com bacharelato já se tinham, entretanto, inscrito, “fugindo” ao concurso ditado pelo artigo 396.º do EJ, pois bastava a sua inscrição. Mas foram muito poucas. Em 1962, só havia uma inscrita nestas condições (7) .

Por isso, foi somente a partir de 1966 que, pouco a pouco, as mulheres foram entrando na classe, sempre com muito estoicismo e firmeza, vencendo todos os escolhos de uma sociedade feita de homens, formatados na ideia de “Deus, Pátria e Família “.

NOTAS 1 – Decreto-Lei n.º 4.676, de 19 de julho de 1918; 2 – Herói de Chaves, assassinado na chamada “noite sangrenta”; 3 – Decreto n.º 5.647, de 10 de maio de 1919; 4 – Idem artigo n.º 1; 5 – Idem parágrafo único; 6 – Decreto n.º 17.438, de 11 de outubro de 1929; 7 – Bacharel Maria do

Carmo Caeiro.

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