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3. Fabricação de açúcar mascavo
Alguns meses antes do plantio das mudas, recomenda-se fazer a coleta de amostras compostas de solo e o encaminhamento das mesmas para laboratórios especializados na realização de análises químicas. Os resultados obtidos nessas análises indicarão a necessidade de calagem para correção do pH e de fornecimento de alguns nutrientes para as plantas, bem como possibilitarão fazer o cálculo dos fertilizantes necessários para o bom desenvolvimento da cultura.
Com base nas análises de solo e nas condições de clima e ambiente de produção de cada região, será possível a escolha das variedades mais adequadas para cada propriedade, pois algumas conseguem se desenvolver bem em ambientes mais rústicos e outras nem tanto.
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No momento do plantio, a escolha de materiais com diferentes pontos de maturação é muito interessante, pois dessa forma é possível manejar a disponibilidade de matéria-prima por um período mais extenso possível na época da colheita, por meio do uso de materiais com maturação precoce, média e tardia.
As variedades precoces atingem a maturação (alto teor de sacarose) logo no início da safra (maio/junho). As variedades médias apresentam a maturação e o teor de sacarose elevado no meio da safra (agosto/setembro); já as variedades tardias, em outubro/novembro (final da safra).
Geralmente, o plantio da cana-de-açúcar para a produção dos seus derivados nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste do Brasil pode ser realizado no período de janeiro a abril, cuja colheita irá ocorrer após 14 a 18 meses, permitindo que a safra de produção de açúcar mascavo, rapadura e melado ocorra de maio a dezembro.
Após o primeiro corte (primeira colheita), ocorrerá a rebrota da cana e os ciclos seguintes serão de cerca de 12 meses entre rebrota, crescimento, maturação e colheita. Como é uma cultura considerada semiperene, geralmente o cultivo comercial de um mesmo canavial pode durar de cinco a seis cortes anuais. Após, inicia-se o período de renovação do canavial.
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Durante o desenvolvimento entre as colheitas, recomenda-se cuidado em relação ao manejo e aos tratos culturais, como a realização da adubação de cobertura e controle de plantas daninhas.
O controle de insetos que causam danos à cultura também é de extrema importância, seja por meio do uso de controle biológico ou convencional (aplicação de defensivos). As pragas mais importantes são: broca, broca gigante, cigarrinhas, bicudo da cana-de-açúcar (Sphenophorus levis), nematoides, dentre outros, que afetam o desenvolvimento da cultura e deterioram consideravelmente a qualidade da matéria-prima. No caso da broca, o maior problema ocorre em função do desenvolvimento do complexo “broca-podridão”. A broca abre galerias no interior dos colmos, favorecendo a entrada de microorganismos oportunistas, causadores da podridão-vermelha, provocando redução no teor de sacarose e queda de produtividade (Figura 3).
Figura 3 – Colmo de cana-de-açúcar atacado pela broca-da-cana. Foto: Elisangela Jeronimo/Apta.
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Algumas doenças causadas por fungos, bactérias e vírus também podem afetar o desenvolvimento da planta e a produtividade, tais como ferrugens (marrom e alaranjada), carvão, raquitismo-da-soqueira, mosaico, escaldadura e podridão-do-abacaxi. As mesmas podem ser controladas com o uso de variedades tolerantes e manejo adequado.
Diante disso, somente a escolha de variedades altamente produtivas não é garantia de sucesso na produção de açúcar mascavo, melado e rapadura, pois elas também precisam apresentar tolerância às principais pragas e doenças, além de serem adaptadas à região onde serão cultivadas e serem manejadas de modo correto para que possam expressar todo seu potencial produtivo e proporcionar a fabricação de um produto final de boa qualidade.
2.2. Dimensionamento do canavial
Em relação ao dimensionamento do canavial, a área a ser plantada inicialmente está diretamente relacionada à quantidade de açúcar mascavo, rapadura e melado que se pretende produzir anualmente, juntamente com a produtividade média esperada por unidade de área, em função do número de cortes do canavial (Tabela 3). Tabela 3 – Parâmetros para dimensionamento estimado de área de canavial destinado à fabricação de açúcar mascavo, rapadura e melado, em uma agroindústria artesanal de pequeno porte.
Parâmetros Valores estimados
Produção esperada de produtos por dia (açúcar mascavo, rapadura e melado) Produção esperada de produtos por safra (açúcar mascavo, rapadura e melado) Período trabalhado na safra Matéria-prima necessária/safra Produtividade média do canavial (cinco cortes) Área de corte anual
Área de renovação (25% da área cortada) Área total em cana 100kg
15.000kg
150 dias
170 toneladas de cana/safra 70 toneladas/hectare 2,5 hectares
700m2
3,2 hectares
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2.3. Maturação e colheita da cana-de-açúcar
Para que o produtor possa iniciar a safra com o melhor aproveitamento do canavial, a determinação do ponto de maturação da cana é fundamental. A cana para fabricação do açúcar mascavo, da rapadura e do melado deve apresentar o máximo teor de sacarose possível – que é atingido num período de 12 a 18 meses após o plantio, dependendo da variedade –, além de mínimo teor de açúcares redutores (glicose e frutose).
O critério prático empregado para estimar a maturação de um canavial baseia-se no aspecto e na idade do mesmo, tais como desenvolvimento dos colmos, folhas secas, amareladas e caídas e colmos descobertos (Figura 4).
Figura 4 – Cana-de-açúcar em ponto de colheita para processamento e corte manual dos colmos. Foto: Elisangela Jeronimo/Apta.
Outra maneira é por meio da leitura do °Brix, utilizando-se um aparelho denominado refratômetro (Figura 5). O Brix expressa a porcentagem, em peso, dos sólidos solúveis do caldo de cana-de-açúcar, constituído principalmente de sacarose, glicose e frutose, ou seja, na prática, corresponde a um valor próximo do teor de sacarose no caldo de cana.
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Figura 5 – Refratômetro de campo e sacarímetro para leitura do °Brix do caldo de cana. Fotos: Elisangela Jeronimo/Apta.
Como no decorrer do processo de maturação, o acúmulo de sacarose ocorre da base em direção à ponta, a amostragem para a coleta de caldo é efetuada perfurando-se colmos no campo, utilizando-se apenas algumas gotas do caldo para a realização da leitura do °Brix. A primeira leitura é efetuada na base do colmo e a segunda, no ápice, antes do ponto de quebra do ponteiro (também conhecido como “palmito”). Com os resultados das leituras calcula-se o índice de maturação, que é obtido pelo valor do °Brix da base dividido pelo °Brix da ponta da cana, conforme apresentado na Tabela 4.
Tabela 4 – Estágio de maturação e valores do índice de maturação em cana-de-açúcar.
Estágio de maturação Índice de maturação (IM)
Cana verde < 0,6
Cana em maturação Cana madura Cana em declínio de maturação 0,6-0,85 0,85-1 > 1
Outra forma é realizar a medição do °Brix é por meio de um densímetro, denominado sacarímetro de °Brix (Figura 5). Moer uma amostra de 12 a 15 colmos de cana colhidos aleatoriamente no talhão do canavial a ser utilizado
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e fazer a leitura do °Brix do caldo utilizando-se uma proveta de 250mL. Com a mesma amostra de caldo também se pode efetuar a leitura do °Brix com o refratômetro.
A cana-de-açúcar pode ser considerada madura, pronta para o processamento, quando o caldo apresenta no mínimo 18°Brix.
O corte da cana deve acontecer no mesmo dia em que vai ser processada, para que não sofra deterioração (Figura 4). Por isso, os locais de plantio precisam estar o mais próximo possível das áreas de processamento. Os colmos devem ser cortados de forma manual, com o auxílio de um facão, sem a queima prévia do canavial, de maneira a propiciar uma boa rebrota da soqueira, o melhor aproveitamento da cana e a longevidade do canavial. Deve ser feito em forma de bisel (inclinado em formato de cunha), para facilitar a entrada dos mesmos na moenda.
Para que haja uma boa qualidade na fabricação dos derivados de cana, recomenda-se não utilizar a matéria-prima com brotações laterais, com a presença de broca, com ponta ou palmito, secas e murchas. Canas verdes, passadas ou queimadas possuem elevados teores de açúcares redutores (glicose e frutose) e não produzem a cristalização necessária à fabricação de açúcar mascavo, além de resultarem em produto escuro e com menor rendimento, afetando a qualidade do mesmo.
O desponte é um ponto-chave para que ocorra a cristalização do açúcar mascavo e o ponto da rapadura. Devem-se eliminar de dois a três internódios abaixo do ponto de quebra do ponteiro da cana, de modo a evitar a presença de elevados teores de açúcares redutores, isto é, glicose e frutose, que prejudicam a obtenção do ponto final do açúcar durante o processamento, pois esses componentes dificultam a cristalização da sacarose.
O transporte dos colmos até a unidade de produção pode ser realizado por carretas puxadas por tratores, ou até mesmo por animais, evitando-se o arraste de terra e outras matérias estranhas (Figura 6).
Antes da moagem, recomenda-se a lavagem dos colmos, por meio de jatos de água, para retirada de sujeiras grosseiras. Porém é uma operação que pode ou não ser viável economicamente na maioria das pequenas agroindústrias artesanais.
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Figura 6 – Colmos de cana-de-açúcar colhidos, despontados, lavados e prontos para o processamento. Foto: Banco de Imagens – CDRS
A área de recepção da matéria-prima deve ser ampla e coberta, podendo ser aberta ou protegida com paredes. O piso deve ser cimentado ou de outro material que possibilite lavagem e limpeza completa e não permita que a cana entre em contato com o chão. Essas recomendações são uma prevenção contra a contaminação com terra e outras sujeiras.
2.4. Moagem dos colmos de cana-de-açúcar para obtenção de caldo
Tecnicamente, o caldo da cana é considerado uma solução diluída e impura de sacarose. De forma geral, é composto por água (75-82%, médias de 80%) e sólidos solúveis (18-25%). Os sólidos solúveis são os açúcares (18%), os não açúcares orgânicos (1%) e não açúcares inorgânicos (1%).
Os açúcares são compostos por sacarose, glicose e frutose. A sacarose é o componente mais importante para o processo de fabricação de açúcar mascavo, rapadura e melado, pois é a sacarose diluída no caldo de cana que vai cristalizar e formar o produto açúcar mascavo. Os demais açúcares do caldo são representados pela glicose e frutose, também denominados açúcares invertidos, em proporções variáveis (0,6 a 0,4%), dependendo do estágio de maturação da cana e não cristalizam, como ocorre com a sacarose.