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ENTREVISTA: ELSA HENRIQUES (IST)
by CEFAMOL
Quais os aspetos mais importantes a ter em conta quando se fala em Organização da Produção e tendo como objetivo a melhoria dos resultados?
Para começar, gostaria de sublinhar que a Organização da Produção na indústria de moldes sempre foi, e é, um aspeto com o qual é difícil lidar e merecia uma grande atenção por parte da indústria. Quando digo que é difícil de lidar, não estou a querer dizer que a indústria lida mal com essa gestão da produção. Considero, sim, que a gestão da produção no ambiente dos moldes é uma área extremamente difícil.
E qual a principal razão para isso acontecer?
É que a produção não é repetitiva. Portanto, cada molde que aparece tem um circuito, tem um processo, tem tempos, precisa de recursos que são diferentes de todos os moldes anteriores e anteriormente feitos. Pode ser um molde parecido, mas é diferente. E isto significa que gerir a produção numa indústria de moldes é substancialmente diferente e mais complexo do que gerir a produção numa indústria que trabalha de uma forma repetitiva. O que está aqui em causa é o efeito da variabilidade. Portanto, quando temos uma produção que não é repetitiva e onde cada molde é um molde específico, isto significa que tudo aquilo que é o processo de fabrico daquele molde é específico e é diferente do anterior. Ou seja, há uma grande variabilidade no sistema produtivo. E quando temos grande variabilidade, o desempenho do sistema e a facilidade com que esse sistema pode ser gerido é muito mais difícil. Ser difícil não significa que seja impossível de gerir e, especialmente, que não se possa gerir melhor.
De que forma podem as empresas assumir essa melhor gestão?
Frequentemente, as pessoas olham para a gestão da produção como a necessidade de investir em tecnologias ou adquirir um sistema ou equipamento. Hoje, estamos inseridos naquilo a que chamamos a 4ª Revolução Industrial. A digitalização é um fator que está no radar das pessoas, dos líderes das empresas. A digitalização, a informatização e ferramentas que possam mais facilmente gerir a produção são uma necessidade. Mas esta é uma necessidade que tem de ser devidamente pensada. É preciso olhar para os processos de cada uma das empresas e melhorá-los. Caso contrário estamos a informatizar formas ineficientes de gerir essa produção.
Isso significa que não basta, então, a aposta nas novas tecnologias. Que critérios devem ter as empresas neste percurso?
Na minha opinião, não basta essa aposta nas novas tecnologias. Essa é a solução fácil, imediatista e, por vezes, fácil de vender. Em lugar da opção por ferramentas mais simples ou do aproveitamento do conhecimento de uma ou duas pessoas da empresa ou ainda de manter alguma forma mais empírica de fazer, a solução fácil é, por vezes, a decisão de comprar uma ferramenta. É certo que, genericamente, elas são caras mas nem todas o são. Contudo, saem caras se forem compradas sem se pensar em sistematizar procedimentos, formas de organização da própria empresa. Se esta questão não for ponderada, estamos a automatizar e a digitalizar formas deficientes e pouco eficientes de gerir as empresas.
Cada empresa precisa de refletir sobre aquilo que verdadeiramente necessita para uma melhor gestão da produção…?
Sim. Declaradamente, por aquilo que conheço da indústria, não é fácil. Mas o facto de não ser fácil não significa que não se faça. Frequentemente nós dizemos ‘bom, mas a indústria de moldes é tão à medida do cliente: ele é que determina, ele é que sabe. Cada molde é um molde’. Mas frequentemente esquecemo-nos que é possível sistematizar. Não é automatizar, nem fazer sempre igual: é sistematizar procedimentos.
Mas há uma outra coisa que considero fundamental e que é importantíssimo fazer e que é uma luta constante e sistemática àquilo que são os percalços ou os erros da produção. É preciso colocar o foco na produção zero defeitos. Por vezes, não estamos a falar de erros porque, em alguns casos, não era possível, com a informação disponível, perceber que se podia fazer de outra maneira. Mas é imperioso conseguir ter um ataque sistemático àquilo que são as ineficiências, as não conformidades de produção. Isto é fundamental antes de qualquer informatização da própria gestão da produção. Senão, estamos a gerir de uma forma automática aquilo que é uma ineficiência. E a partir daí, se calhar, até nunca mais nos apercebemos dela.
E qual o papel das pessoas em todo este processo?
As pessoas têm uma importância fundamental. E o tempo que as pessoas podem dispensar a pensar nestas problemáticas tem uma importância essencial. Por vezes, temos pessoas ótimas, mas todo o seu tempo disponível está a ser ocupado a resolver problemas e não a pensar como é que aqueles problemas poderiam deixar de existir ou a sistematizar o procedimento, criando regras, criando padrões (não no sentido de normas). Afinal, o molde é sempre diferente, mas também é sempre igual.
Como se integram as equipas nos atuais modelos de produção, tendo em conta a crescente digitalização de processos e os sistemas de Inteligência Artificial?
Fala-se muito da revolução 4.0, da digitalização da indústria. Gosto pouco da palavra ‘revolução’ porque considero que não se trata de uma revolução, mas de uma evolução. Talvez seja mais rápida do que as evoluções a que estávamos habituados nos anos 80 ou nos anos 70. O ritmo do desenvolvimento tecnológico é maior e, portanto, o efeito chega-nos certamente mais cedo do que nós estaríamos a pensar. Mas não consigo imaginar uma fábrica de moldes sem pessoas. Vejo, sim, equipamentos cada vez mais inteligentes, sistemas que nos ajudam a decidir, a sistematização dos dados e da informação. Para isso, são precisas pessoas. Acho que, claramente, é preciso estar atento àquilo que são as evoluções e àquilo que é a possibilidade de recolher dados automaticamente. É preciso pensar que dados é preciso recolher, para não correr o risco de estar a adquirir software ou equipamentos que servem para outras indústrias mas que, se calhar, não estão adaptados às especificidades desta. Agora, também é verdade que essas grandes plataformas são adaptáveis. São ferramentas. Mas é necessário trabalhar sobre elas para as adaptar aos processos de cada empresa. Para isso, é preciso saber e definir quais são os processos da empresa. Se mantiver a forma como sempre foi feito, a empresa estará a sistematizar um conjunto de coisas que não vão assegurar a resposta mais eficiente. É preciso estar atento a esta evolução que é rápida.
Que temas considera que a indústria de moldes, como um todo, deve discutir profundamente nesta área?
Há sempre especificidades dentro de cada uma das empresas. O sector tem um conjunto de organizações de grupo e que são essenciais neste âmbito. São importantes para mostrar o que existe, fazer alguma vigilância tecnológica, ou eventualmente criar um ou outro ‘case study’ apoiado, até, por fundos públicos, para identificar muito bem quais são as dificuldades e apresentá-las com efeito demonstrador. Depois, cada uma das empresas – até porque competem entre elas – vai ter as suas soluções. E esta pode ou não ser a mesma. A discussão faz sentido, sim, a nível de disseminação de soluções, de palestras, de pequenas formações, de alguma série de fornecedores que possam chamar a atenção sobre alguns temas e introduzir as suas ferramentas. Depois, poderia fazer sentido algum projeto demonstrador e criar um grupo de trabalho numa dessas organizações que, de facto, pudesse discutir de igual para igual com alguns fornecedores. Mas a opção final cabe sempre a cada uma das empresas. Não nos esqueçamos que estamos a falar de uma situação nobre e nuclear de cada empresa: a gestão da sua produção.
*Elsa Henriques é Professora Associada do Departamento de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico