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Resistência negra
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Isadora Gomes
Foto: Clarke Sanders/Unsplash
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Em um país racista e machista, ser mulher e preta empreendedora é ultrapassar as barreiras do preconceito
O racismo está presente. Numa fala, num gesto, numa agressão física. O preconceito faz parte do cotidiano, e isso limita as oportunidades profissionais para os pretos. A situação piora quando se pertence ao sexo feminino, mas elas não desistem, resistem. Uma das maneiras de estabelecer essa resistência é o abraço ao empreendedorismo.
De acordo com a Pesquisa do Emprego e Desemprego 2019, da Secretaria de Trabalho do Distrito Federal, a presença dos negros no empreendedorismo no DF passou de 62,7% para 65,7% em comparação com 2018. Entretanto, o estudo também mostra que houve declínio na participação de empreendedores entre 25 e 39 anos e de 60 anos ou mais, de 12,2% para 10,3%. Já na faixa etária entre 40 e 59 anos, houve aumento de 46,3% para 48,1%.
Mesmo estando em grande quantidade, os negros ainda enfrentam dificuldades, a maioria causada pelo racismo. No caso das mulheres, além do racismo, elas precisam enfrentar o machismo, ainda muito presente na sociedade.
Para Tânia Moreira, proprietária do Under Family Studio, “ser mulher negra e empresária é mais difícil do que qualquer outro gênero, pois somos a base. Para eles, mesmo se não tiver tanto dinheiro, têm algo que não temos: ‘crédito’. Quando olham para um homem e mulher negros dizem que temos um salãozinho, mas quando é um jovem branco, dizem que já se tornou empresário, dono de um studio”.
Há mulheres que estão há muito tempo no mercado de negócios que são empresárias e que já conhecem muito esse espaço de diversas dificuldades.
Segundo pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), pessoas pretas são a maioria entre os empreendedores brasileiros: 52%. Entretanto, desenvolvem atividades mais simples, como oficinas mecânicas, manicure, vendas de balas e doces, além de terem menor tempo de
Alex Nemo Hanse/Unsplash
As mulheres, além do racismo, precisam enfrentar o machismo, ainda muito presente na sociedade
Fernanda Pimenta, responsável pela loja Boom Alternativa
escolarização que empreendedores não negros.
Com experiência em micro e pequenas empresas, a analista do Sebrae e fundadora do Afroempreendendo, de Salvador (BA), Fau Ferreira, afirma que os empreendedores negros enfrentam dificuldades que afetam na vida financeira. “Tudo isso interfere diretamente no faturamento dos nossos negócios. Segundo a pesquisa do Sebrae, faturamos em média 50% a menos que negócios de empreendedores brancos. Outra grande dificuldade é o acesso ao crédito. Temos mais dificuldade de ter o crédito aprovado em bancos e sabemos que dificilmente um negócio consegue crescer sem capital para investimento”, esclarece.
Daniela Estevam, formada em Administração, acredita que as maiores dificuldades são de acesso a crédito e oportunidade. Mas acrescenta: “Além disso, há uma ausência de políticas públicas efetivas. Isso acontece por falta de representatividade nos espaços de poder e decisão. E mais: sabemos que existem uma negação da existência do racismo e do preconceito e desconhecimento da própria população dos seus direitos, oportunidades e acessos”.
O desafio é ainda maior quando a mulher preta resolve empreender em espaços considerados dos brancos, como gastronomia e moda. Fernanda Pimenta resolveu encará-lo e é uma das responsáveis pela loja Boom Alternativa. “Acho que a maior dificuldade não é ser empresária, mas ser uma mulher negra em meio a um espaço que sempre foi elitizado e colocado como um não espaço para meu corpo negro. A dificuldade é ter esse processo psicológico de não me deixar levar pelas feridas e pelo retrocesso do nosso país em relação ao racismo”, afirma.
Já Cynthia de Oliveira, uma das proprietárias da confeitaria Delícias da Nega BSB, lembra a dificuldade de acesso da população preta a faculdades de gastronomia. “Os confeiteiros mais famosos são todos brancos. Penso que seja devido ao altíssimo custo das boas faculdades de gastronomia a que a população negra não consegue ter acesso. Então, hoje com a popularização pela internet, a maioria faz como nós: assiste a vídeos no YouTube, paga cursos on-line e vão se
Arquivo pessoal
A fundadora do Afroempreendo, Fau Ferreira, fortalece os negócios de pessoas pretas, auxiliando e promovendo o acesso a conteúdo empreendedores
Tânia Moreira, proprietária do Under Family Studio
profissionalizando como podem, para que um dia consigam ter acessos a outros cursos mais renomados”, explica.
Apoio aos afroempreendedores
Para auxiliar os afroempreendedores no enfrentamento dessas barreiras, há redes de apoio de organizações e startups. Alguns exemplos são: AfroHub, PretaHub, Empregueafro, Banco Afro, Instituto Ponto Chic, Afroricas, Afrotik, Afronte Bsb. Estas iniciativas ajudam com oportunidades de negócio e acesso a crédito, gerando empregos, disseminando a cultura afro, criando representatividade, oportunizam autonomia econômica, empoderamento e independência, tanto financeira como emocional.
O Afroempreendo auxilia e promove acesso à educação empresarial, com cursos, oficinas e palestras, além de promover o compartilhamento de conteúdo nas redes sociais. O apoio é fundamental, especialmente para quem está começando. “O Afroempreendendo
Arquivo pessoal
A proprietária do Under Family Studio, Tânia Moreira, conta que é difícil ser mulher negra e empresária, mas apesar das dificuldades, ela resiste e mantém o seu negócio
promove o acesso aos conhecimentos necessários para o desenvolvimento dos negócios e do próprio empreendedor”, resume Fau Ferreira.
Fernanda Pimenta apoia iniciativas assim. “O empreendedorismo negro tem tido diversas formas de apoio. Digo isso porque já participei de algumas oficinas e de algumas formativas para auxiliar no empreendedorismo negro. Há mulheres que estão há muito tempo no mercado de negócios que são empresárias e que já conhecem muito esse espaço de diversas dificuldades”, avalia.
Fau Ferreira constata que a mulher negra está na base da pirâmide social, elas que sustentam o país, mas são as que mais sofrem violência doméstica e mais têm crédito negado nos bancos. “Somos nós que lidamos com uma sociedade que nos estereotipa e, com um racismo muito cruel, diz que não é possível estarmos em local de destaque”.
A trancista Debora Capistrano reconhece os obstáculos, mas não desiste. “Além de negra, também sou mulher, os desafios são maiores, porém, temos conquistado nosso espaço com o nosso talento e com a nossa busca pelo conhecimento. Infelizmente, nós, empreendedoras pretas, precisamos provar para a mídia e para a sociedade a nossa capacidade de gerir um negócio”, diz.
Adriana Lima, proprietária das marcas Sacoleiros de Luxo e Atêlie Adriana Lima, avalia que é preciso trabalhar a confiança. “Nunca fui a uma entrevista de emprego achando que eu seria reprovada por ser mulher negra. Pelo contrário, acredito que a confiança é algo fundamental na construção profissional. Por isso, percebi o momento, senti que era hora de vestir a camisa do trabalho dos meus sonhos, fui em frente, fui empreender”, recorda a empresária.
Solucionando problemas
As afroempreendedoras sofrem diversos tipos de injustiças e precisam enfrentar muitas batalhas. Entretanto, há soluções
Christina @ wocintechchat.com/Unsplash
Segundo o Sebrae, negros faturam em média 50% a menos que negócios de empreendedores brancos
“Somos nós que lidamos com uma sociedade que nos estereotipa e com um racismo muito cruel que diz que não é possível para nós estarmos em local de destaque na sociedade” Fau Ferreira, fundadora do Afroempreendo
viáveis para essa situação. A principal podem fazer com que haja muitos ganhos trará um pouco mais de igualdade. Assim delas depende muito da sociedade, que é e lucros. não será preciso gritarmos para sermos deixar de lado o racismo estrutural. Além Debora Capistrano avalia que vistos e ouvidos, pois a informação já disso, o investimento em conhecimento e poderia ter mais exposições do conheci- estará bem exposta”, justifica a trancista. em políticas públicas também são formas mento e da valorização da cultura negra, Já Fau Ferreira, do Afroempreendo, de contribuir para o desenvolvimento mais informações que vão além do que acrescenta que são as questões sociais mais dessas empreendedoras. O potencial encontramos na internet, por exemplo. básicas que atingem a população preta. de consumo, o tamanho do mercado, “Um conhecimento vindo diretamente “Enquanto não tivermos igualdade nas organizações inclusivas e a diversidade das negras que realmente vivem a cultura condições de vida, na saúde, na moradia e principalmente na educação, sofrere-
Para os brancos, a taxa de assassinatos é de 34 mortes para cada 100 mil habitantes, já entre os negros é de 98,5 a cada 100 mil habitantes (DataSus) No DF, 57,6% da população é negra (Codeplan) Arte: Miquéias Zuzamos preconceito em qualquer âmbito. São as questões sociais básicas que atingem preferencialmente a população negra e que precisam ser resolvidas para que tenhamos oportunidades iguais”, detalha. Por sua vez, Fernanda Pimenta, do ramo de moda, defende classificar o
Os negros recebem 39,4% a menos que os não negros (Codeplan) negócio como preto, pôr a essência e a cultura pretas no empreendimento. “A partir do momento que eu me entendo 33% das jovens negras entre 19 e 24 anos não têm ensino médio enquanto pessoa negra e crio o meu completo, já entre as brancas, o número é de 18,9% (IBGE) negócio pensado para pessoas negras, sob a estética e a valorização do produto 53% dos micros e pequenos empreendedores nacionais são negros, negro, já é um engajamento e me coloco mas este número corresponde a 75% dos 10% de cidadãos mais pobres enquanto afroempreendedora”. do país e a 67% dos desempregados (Movimento Black Money) Ser mulher e negra é ter de lidar com grandes desafios, ser rebaixada,
Christina @ wocintechchat.com/Unsplash
A presença dos negros no setor do empreendedorismo no DF cresceu de 62,7% para 65,7%
estar na base de uma sociedade cruel e preconceituosa. É ter de vencer uma luta que muitas já perderam tentando. Significa não desistir, persistir perante o retrocesso dos preconceitos presentes no Brasil. Agarrar a essência negra: é ter de gritar que mulheres pretas podem, sim, ser destaque social.
Arquivo pessoal
Mesmo estando em grande quantidade, pessoas pardas ainda enfrentam diversas dificuldades, a maioria causada pelo racismo. “Um conhecimento vindo diretamente dos negros e negras que realmente vivem a cultura trará um pouco mais de igualdade em cada lugar, assim não será preciso gritarmos para sermos vistos e ouvidos, pois a informação já estará bem exposta”
Debora Capistrano, trancista autônoma PRECISAMOS FALAR SOBRE BLACK MONEY O termo black money, ou dinheiro preto, surgiu nos Estados Unidos, por volta de 1989, quando os negros decidiram se organizar para fazer com que o dinheiro deles circulasse apenas entre os próprios negros. Eles tentavam fazer com que o dinheiro passasse diversas vezes por mãos negras, antes de ir para os brancos. Um estudo havia mostrado que no país o dinheiro negro circulava apenas 6 horas de um dia, enquanto em outras comunidades, como a asiática, chegava a 28 dias.
Assim, o black money é a ideia de fazer o dinheiro circular nas mãos de pessoas pretas o maior número de vezes possível, por meio de produtos e serviços realizados de negros para negros.
MAS, POR QUE FALAR SOBRE ISSO?
No Brasil, mesmo sendo a maioria entre os empreendedores, os negros possuem metade do faturamento dos brancos. Os afroempreendedores realizam atividades mais simples, além da dificuldade de crescer no mercado, principalmente pela falta de acesso a créditos bancários.
Nesse contexto, o black money pode ser uma alternativa para mudar o quadro de desigualdade nos negócios e investimentos entre negros e brancos. A ideia é que eles possam fortalecer o povo preto por meio do empoderamento econômico, com serviços, funcionários e consumo.
Ilustração: Freepik
33% das jovens negras entre 19 e 24 anos não têm ensino médio completo, já entre as brancas, o número é de 18,9% (IBGE)