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Sangue do meu sangue

por: Natália Bosco

Foto: Heather Mount /Unsplash

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Como toda prática que é considerada tabu, o incesto acontece às escondidas; relação sexual entre parentes é mais comum do que parece

por: Natália Bosco

“Bagulho absurdo, né?”, indaga Rafael (nome fictício) após contar sua história. “Sou apenas simpatizante”, ele deixa claro. Nunca teve coragem de se envolver com ninguém da família, apesar de sentir atração pela mãe e pela prima. Admite que a consciência pesa depois que o tesão passa. Ele não sabe muito bem como explicar, mas deixa claro que a prática acontece de verdade. “Não é apenas um fetiche de sites pornográficos”, ele diz. E não é mesmo.

Incesto. Palavra forte carregada de tabu. Capaz de assustar, só o som pronunciado dessa palavra pode causar repulsa em muita gente. “Incesto” tem origem do latim incestus, que significa ação contra a castidade. Hoje, porém, o vocábulo representa muito mais. Segundo o dicionário Silveira Bueno, trata-se da “união sexual ilícita entre parentes”. O Aurélio define a prática como “união ilícita entre parentes; torpe; desonesto”. O Google, por sua vez, explica que é a “relação sexual entre parentes (consanguíneos ou afins) dentro dos graus em que a lei, a moral ou a religião proíbe ou condena o casamento; que não é puro, não é casto; impudico, impuro, incestuoso, torpe”. Incesto.

“Eu só não quero me expor e continuar a fazer tudo o que faço com o meu pai em segredo”, explica Marta (nome fictício). “Só isso”. Sua fala demonstra como é simples sua vontade. A jovem iniciou um perfil no Instagram com a descrição “adoro o proibido” com o intuito de compartilhar histórias incestuosas. A ideia surgiu após ouvir relatos de suas amigas que gostam de provocar sexualmente seus pais. “Eu adoro incesto. E fiquei sabendo que muita gente gosta e tem caso”.

E os casos não são recentes, histórias de envolvimento sexual entre parentes são contadas desde a antiguidade. A mitologia grega nos apresenta o incesto pela história de Édipo rei. Na tragédia, Édipo se casa com sua mãe e tem três filhos com ela sem saber de seu laço sanguíneo. Quando descobre, ele se cega e ela tira a própria vida. Seria esse um indicativo de que o incesto sempre foi assunto proibido?

“Eu só não quero me expor e continuar a fazer tudo o que faço com o meu pai em segredo”

Marta, praticante de incesto e administradora de um perfil sobre incesto no Instagram

A antropologia acredita que sim, incesto sempre foi condenado. “Se encontrou que a proibição do incesto era um universal da cultura humana”, conta a antropóloga Aline Sapiens quando fala sobre as primeiras pesquisas dessa ciência social. “A princípio os antropólogos buscavam conhecer esses povos distantes para elaborar um catálogo da diversidade humana e encontrar quais eram os universais das culturas. É aí que surge essa pesquisa a respeito do incesto”. Aline cita como obra importante para essa percepção o livro “As estruturas elementares do parentesco”, de Claude Lévi-Strauss.

“No fundo é como a gente dá conta de ir vivendo com isso”

Fauzi Mansur, psicólogo humanista

188, esse é o número de vezes que a palavra “incesto” aparece no exemplar de Strauss. Escrito em 1949 pelo antropólogo considerado o fundador da antropologia estruturalista, o livro é um estudo analítico sobre as relações de parentesco e a proibição do incesto. Nessa que é uma de suas principais obras, Strauss se esforçou para perceber a passagem dos homens da natureza para a cultura e buscou encontrar uma lógica formal por trás das estruturas do parentesco. Foi assim que reconheceu a proibição da prática incestuosa em diferentes povos considerados primitivos.

“Acontece? Talvez aconteça, mas, em uma sociedade primitiva, quando alguém não cumpre as regras sociais ou ele é banido, ou ele é morto”, diz Aline. A antropóloga lembra que em comunidades simples não há regras escritas, porém, apesar da falta de algo que ateste a proibição do incesto, toda população daquele grupo conhece a norma e a respeita. “Acho curioso que tenham pessoas buscando as exceções e que tenham pessoas querendo legitimar isso, mas, ao mesmo tempo, é compreensível. Quando você está tratando de sociedade complexa, você tem diversos grupos convivendo no mesmo espaço, você tem uma multiplicação de sentidos e, também, o questionamento. Hoje a gente está no pós-moderno, pós-verdade”, avalia.

Na Bíblia, porém, a prática não era condenada no Antigo Testamento. “Adão e Eva povoaram o mundo sozinhos. Como fizeram isso sem incesto?”, pergunta um perfil anônimo no Instagram. A questão aparece em diversos comentários da rede social. Em uma publicação para o blog Esboçando Ideias, o presbítero André Sanchez explica que “no início da humanidade descrita na Bíblia, vemos que Deus criou homem e mulher e ordenou que se multiplicassem. Nesse tempo, a única

Christina Rivers/Unsplash

“Eu via a minha irmã como uma mulher, às vezes nem lembrava que era irmã”

No Brasil, incesto não é considerado crime. A prática, porém, é condenada em alguns países Gabriel, praticante de incesto e administrador de um perfil sobre incesto no Instagram

forma possível de multiplicação da espécie humana era através do casamento entre irmãos, mais tarde entre primos e assim consecutivamente. Nessa época, esse tipo de casamento era permitido por Deus, portanto, não era considerado pecado”.

Muito além dos descendentes de Adão e Eva, em matéria para o site, a Revista Superinteressante lista seis casais incestuoso da Bíblia. “Enquanto algumas uniões foram pacíficas e formaram casais felizes, algumas histórias de incesto do Livro Sagrado são de arrepiar os cabelos”, escreve a jornalista Livia Aguiar. Logo, quando a relação sexual entre parentes passou a ser pecado? “Foi nas leis que Deus deu ao povo de Israel, no tempo de Moisés, que Deus proibiu vários tipos de uniões, entre elas a união entre parentes, que originou o conceito de ‘incesto’, ou seja, um tipo de união ilícita diante de Deus”, esclarece o presbítero André.

“Até o padre que nos casou não se assustou, não”. Carla (nome fictício) oficializou o relacionamento com seu primo na década de 1980. Eles cresceram em cidades diferentes e o namoro engatou de verdade quando Carla se mudou para Brasília para cursar faculdade. “A

família, claro que ficaram assustados”. Ela que é só a gente, mas, na verdade, centenas lembra que, para tranquilizar o pai, ela e de pessoas praticam”, garante. Para Gabriel, o marido, depois de casados, fizeram um sexo entre parentes é normal. “Eu via a teste genético para saber se poderiam ter minha irmã como uma mulher, às vezes filhos tranquilamente. Certificados por nem lembrava que era irmã”. uma universidade estadunidense, o casal E isso acontece porque a irmã de teve dois filhos saudáveis. Carla e o primo, Gabriel é mesmo como qualquer mulher. já falecido, não sofreram preconceito. “As O psicólogo humanista Fauzi Mansur pessoas sabiam que éramos primos e acha- explica que esse tipo de conclusão feita vam normal”. por nós, seres humanos, faz parte do nosso

“Meu casamento até melhorou com lado natural, biológico e do nosso lado isso”. Gabriel (nome fictício) conta que cultural. “É uma complicação danada”, ele parou de cobrar afeto e atenção da esposa depois que começou a se relacionar com sua enteada. Essa, entretanto, não é sua primeira relação incestuosa. “Eu tenho uma irmã e já fizemos na adolescência. Mahkeo/Unsplash Éramos jovens, eu tinha 14 anos e ela, 15. E aí, começou aqueles namorinhos, né? E a gente acabou que brincando, aquelas brincadeirinhas de criança, de pai e mãe, tal. E acabou que rolou. Sexo de verdade”. Ele fala que a única pessoa que sabia do relacionamento dos dois era uma amiga, que acabou virando cúmplice da relação.

Atualmente, Gabriel administra um Em 2015, o Conselho Nacional de Ética da perfil no Instagram que tem como foco Alemanha defendia a relação sexual envolvendo ouvir pessoas que queiram contar seus pais, irmãos e filhos como um direito humano casos incestuosos. “Às vezes a gente pensa fundamental

“Até o padre que nos casou não se assustou, não” Carla, viúva de seu primo

confessa quando fala que a psicologia entende o ser humano como ser biopsicossocial-histórico-cultural.

Eventualmente, na biologia, as relações incestuosas em algumas espécies são possíveis. “Mas o ser humano já saiu da natureza há muito tempo. A grande questão, no final das contas, é que é quase tudo cultural”. Fauzi lembra que a construção sociohistórica-cultural do ser humano é o que vai gerar a noção do certo ou errado, liberado ou proibido. “Eu vejo o incesto, como qualquer outra coisa, como sendo uma construção basicamente cultural”.

Mas não significa que essa seja uma questão fácil para nós entendermos. Toda construção cultural é formada de maneira histórico-cultural e é a base para nosso modo de pensar, do que aceitar, do que reprimir. Fauzi conclui: “‘É tabu, não é tabu’, no fundo é muito mais complexo que isso. No fundo é como a gente dá conta de ir vivendo com isso”.

TABU E PORNOGRAFIA

O site Pornhub, maior site de conteúdo pornográfico da internet, mostra que as palavras “mãe” e “milf” (sigla em inglês para “mães com quem eu gostaria de transar”) estão entre os termos mais buscados desde 2009. O termo “madrasta” se junta aos vocábulos mais pesquisados em 2014.

Em 2016, “irmã postiça” entrou para a lista das 10 palavras mais procuradas no website. Nesse mesmo ano, “madrasta”, “milf”, “irmã postiça” e “mãe” estavam entre os seis termos mais buscados. O ranking se repete em 2017.

No primeiro episódio da série “Explicando… o sexo”, da Netflix, o psicólogo social e pesquisador de sexo Justin Lehmiller apresenta um pouco da sua pesquisa feita com base nas mais de 4.000 entrevistas realizadas com estadunidenses de todo país, dos 18 aos 87 anos, de todos as identidades de gêneros e orientações sexuais. Justin aborda fantasias sexuais e como os termos mais taxados como tabus em uma sociedade são, também, os que mais aparecem em qualquer tipo de conteúdo pornográfico.

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