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Reciclando gerações
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
EDUCAÇÃO
por: Adriely Karina
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Foto: Felipe Barros
Líderes de projetos de educação ambiental acreditam que crianças são multiplicadoras do conhecimento e podem salvar o planeta
“Meu Deus! Enquanto eu tiver energia tenho que jogar esse olhar para essas crianças, porque o planeta é único”. Essa fala demonstra o carinho pela profissão e certa inquietação da professora do curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), doutora Aldíra Guimarães Dominguez. Ela, que também é coordenadora do projeto de extensão Agente Ambiental Mirim, dedica o tempo diário em busca de formar gerações mais sustentáveis.
Em conjunto a professora Vanessa Cruvinel, também do curso de Saúde Coletiva, Aldíra distribui conhecimento em escolas públicas de ensino fundamental do DF, para crianças e adolescentes com idades entre 9 e 10 anos, tudo isso com a ajuda dos próprios alunos da universidade.
Durante uma ação do Recicle a Vida, que é uma associação considerada modelo em cooperativa de reciclagem na usina de Ceilândia-DF, tudo começou a se concretizar. O evento é direcionado às mulheres catadoras de resíduos sólidos, a maioria delas é mãe e leva os filhos para o local das atividades. A oportunidade de tornar real um objetivo internalizado há muito tempo estava frente a frente com a professora Aldíra. Foi quando a equipe da UnB se juntou ao público infantil e realizou oficinas condizentes com o tema. Assim nasceu o projeto Agente Ambiental Mirim.
A consolidação dessa ideia aconteceu somente no segundo semestre do ano seguinte, na Escola Classe 66, do Sol Nascente. O projeto piloto formou a primeira turma de defensores ambientais mirins, em 2016. De lá para cá, cerca de mil crianças tiveram a oportunidade de aprender sobre a conservação do meio ambiente e sustentabilidade, tudo isso de maneira complementar ao que é ensinado nas escolas, normalmente.
Arquivo pessoal
Professora Aldíra Dominguez, de vestido azul, recebe prêmio da Adasa de “Guardiã da água”, em 2016 “O que me faz correr atrás disso é porque acredito que vai valer a pena, sim! Temos que fazer com que essas gerações possam usufruir o mesmo que eu, no que diz respeito aos recursos naturais”
Aldíra Dominguez, coordenadora do projeto Agente Ambiental Mirim
Trabalho de formiguinha
Nágylla Soares, 21, é instrutora no projeto há dois anos. Ela comemora a oportunidade de compartilhar o conhecimento com crianças. “Eu sinto muita satisfação por trabalhar com eles. É como eu digo a gente não só ensina, mas aprendemos muito e é muito legal chegar lá e ver o engajamento daquelas crianças, eles se interessam e levam o que falamos muito a sério”, relata.
Além disso, a experiência trouxe para ela, assim como para outros estudantes da Universidade de Brasília, a oportunidade de se engajar em eventos importantes relacionados ao meio ambiente. “Tive a possibilidade de participar do 8º Fórum Mundial da Água que ocorre sempre em um país diferente e teve aqui em Brasília. Com o passar do tempo eu fui amadurecendo, fui crescendo muito como pessoa”, conta Nágylla.
Outra estudante do curso de Saúde Coletiva na UnB que participa do projeto é Lorranny Xavier, 19. Para ela, aplicar a teoria na prática dentro do Agente Ambiental Mirim é essencial, além da possibilidade de ensinar quem vai um dia cuidar do planeta. “É uma iniciativa que vai incentivando outras pessoas porque o conhecimento é esse, ele nunca para. Ele sempre vai se renovando. Uma coisa que aprendemos hoje e repassamos para outras pessoas e essas pessoas vão repassando para outras, no fim vira um trabalho de formiguinha”, constata.
De acordo com as experiências de Nágilla e Lorranny, no final das contas, o objetivo central das professoras que levam à frente esse trabalho é consolidado com sucesso: o repasse do conhecimento e a esperança de um planeta saudável. Lorrany tira uma lição de tudo isso para a vida: “Nós criamos uma maneira de pensar totalmente diferente do que antes de fazer parte do projeto. A gente começa a ter uma sensibilidade muito maior com as questões ambientais”.
Colhendo o que plantou
Durante seis meses de curso de agente mirim, os ensinamentos são muitos. Eles desenvolvem lições práticas como o uso racional da água, o destino adequado dos resíduos, o combate à dengue, à poluição, ao desmatamento e ao aquecimento global, dentre outros temas que surgem ao longo do tempo.
Após esse aprendizado, os estudantes recebem um diploma considerado símbolo de compromisso com preservação do planeta. A professora Aldíra diz que a formatura acontece na própria UnB: “Fazemos questão de levá-las até lá para mostrar que a universidade é pública, gratuita e está ali. Também para elas se aproximarem desse mundo universitário, pois esperamos que cheguem um dia até lá”.
Em cinco anos, o Agente Ambiental Mirim conquistou um grande espaço de reconhecimentos. Em 2016, a professora Aldíra e uma estudante, na época bolsista de extensão, receberam da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa) o título de “guardiãs da água”. O programa participou
Arquivo pessoal
Formação de mais uma turma do Agente Ambiental Mirim
também do Fórum Mundial da Água, que ocorreu em Brasília no ano de 2018, e fez parte de congressos e outros eventos fora da capital.
O projeto de extensão da UnB tende a se expandir e fechou parcerias com a Adasa e com o programa Bombeiro Mirim, realizado pelo Corpo de Bombeiros Militar do DF, que objetiva complementar o processo educativo. Fora as crianças da escola classe 66 do Sol Nascente e do Recicle a Vida, alunos da Escola Classe 28 de Ceilândia e do Centro de Ensino Fundamental 2 da Estrutural tiveram a possibilidade de participar. Para a coordenadora das atividades, é possível que as ações se disseminem para outros pontos do Distrito Federal, futuramente.
Escola da Terra
A educação ambiental vai muito além de um discurso pró-natureza e está prevista na Constituição Federal por meio da lei nº 9.795/1999. Essa legislação estimula a adesão de valores sociais, habilidades, conhecimentos, atitudes e competências voltadas para a preservação do meio ambiente, de modo individual ou coletivo. Com base nessas informações e na realidade de uma comunidade no Entorno de Brasília, nasceu a Escola da Terra Nicandro Hosano Batista.
Em 2018, a escola, que fica localizada na Cidade Ocidental em Goiás, foi reinaugurada, mas desta vez sob comando do professor de biologia do município, Josiel Barbosa. O então diretor da instituição viu a oportunidade de transformar aquele espaço em uma escola de educação ambiental formal. Hoje, o espaço atende uma média anual de 15 mil alunos, sem contar os produtores rurais.
Aulas sobre preservação do cerrado, fauna e flora, sustentabilidade, e até mesmo sobre práticas rurais fazem parte do
Arquivo pessoal
Josiel Barbosa, diretor da Escola da Terra, no centro da imagem, de camisa branca
E V O L U Ç Ã O N O B R A S I L
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Principais feitos pela educação ambiental no Brasil. Fonte: Ministério do Meio Ambiente
1808 Criação do Jardim Botânico no Rio de Janeiro
1850 A Lei 601 proibia a exploração florestal nas terras descobertas, mas foi ignorada
1961 Governo declara o pau-brasil como árvore símbolo nacional, e o ipê como a
flor símbolo nacional
1977 Implantado o Projeto de Educação Ambiental em Ceilândia
1987 Aprovada a inclusão da educação ambiental nos currículos escolares
1989 Criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
2002 Lançado o Sistema Brasileiro de Informação sobre Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis 1932 Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza
1976 No DF, acontece o primeiro curso de extensão para professores do 1º grau em ecologia.
1981 Lei 6.938, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente
1988 Constituição dedica o Art. 225 ao meio ambiente e prevê a promoção da educação ambiental
1999 Lei 9.597 institui a Política Nacional de Educação Ambiental
Bruno Taitson, analista do WWF-Brasil
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Logomarca Escola da Terra
cronograma de ensino. Essas atividades condizem com a realidade do município, porque boa parte da economia da Cidade Ocidental é movimentada com base nas criações de gado bovino de corte e leite, no plantio de soja e na produção de doces de marmelo. Para Josiel Barbosa, o projeto está disseminando a preservação. “A satisfação que nós temos de ir à cidade e ver a marca da Escola da Terra, os pais e as crianças querendo participar das ações. O retorno é exatamente a prática que as crianças têm em casa sobre o que aprenderam na escola, sobre o entendimento em conservar e preservar o meio ambiente”, conta.
Ação humana
Ações humanas se tornaram um dos motivos mais alarmantes para o meio ambiente ao longo dos séculos. É como se fosse um efeito dominó, um pequeno erro gera um grande desastre e há exemplos muito claros sobre isso. O aumento
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Biologia também faz parte das lições na Escola da Terra Ailton Krenak, ativista e ambientalista exacerbado da população, de indústrias e empresas são alguns dos fatores de intensificação do desmatamento, da poluição da água, do ar e do solo. O estilo de vida insustentável dos seres humanos intensifica o agravamento do efeito estufa e do aquecimento global, com desastres na natureza como resultado.
Nesse cenário, vale lembrar alguns fatos que mudaram o planeta e são resultado da ação humana, como o lançamento de bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Ainda na área atômica, em 1986 houve a explosão do reator em Chernobyl, na Ucrânia, cidade que continua inabitada até hoje por causa dos níveis de radiação. No Brasil, há o inesquecível caso de rompimento das barragens de rejeitos da exploração de minérios em Mariana e Brumadinho, localizadas em Minas Gerais, nos anos de 2015 e 2019, respectivamente.
Para o analista de políticas públicas do WWF-Brasil, Bruno Taitson, foco na educação ambiental é fundamental não somente nas escolas, mas em todos os âmbitos sociais. “Em qualquer faixa etária,
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Lições de biologia com exposição de insetos e animais peçonhentos.
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Equipe educacional faz plantação de novas árvores na escola
em qualquer escolaridade, esse tipo de questão deve ser efetivamente discutida, ensinada, debatida, colocada na agenda das pessoas, na agenda pública. A gente costuma dizer tem a ver com as pessoas terem hábitos mais sustentáveis, quando consumir menos e conseguir com mais consciência, do sentido de também produzirem menos lixo e usarem com inteligência dos recursos naturais”. O analista do WWF também defende escolhas inteligentes nas eleições, com voto em candidatos preocupados com a questão da sustentabilidade.
Sim, a política é importante. O líder indígena e ambientalista Ailton Krenak fez história ao participar da Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Ele defende a melhoria da educação e da proteção ambiental a partir da valorização dos professores. “Se a gente for pensar a educação em termos do Brasil, só houve piora nos últimos anos. Eu não tenho nenhuma satisfação de constatar isso, é triste. Mas, na verdade, é que tivemos uma descontinuidade do Plano Nacional de Educação Escolar. Perdemos recursos que poderiam estar fomentando seminários, congressos, conferências, melhor preparação dos professores e a remuneração destes que continua sendo desprezível. É impossível melhorar a educação com professores que não estão sendo remunerados direito”.
Ainda assim, profissionais como Aldíra Dominguez e Josiel Barbosa estão empenhados diariamente em mudar o lidar com o meio ambiente. Bruno Taitson, do WWF, entende que a educação é a chave de tudo: “Por isso que é de fundamental importância que os jovens, as crianças tenham acesso a esse conteúdo de sustentabilidade. A gente não pode deixar de acreditar que a educação juntamente com as políticas públicas são os grandes fatores que provocam transformações na sociedade”. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Em 27 de abril de 1999 foi criada a lei 9.795/99, que institui o Plano Nacional de Educação Ambiental (PNEA). Conhecida como lei de educação ambiental, surgiu com base nas preocupações de ecologistas e estudiosos em alertar sobre o uso insustentável dos recursos naturais bem como a destruição de florestas, uso excessivo da água e poluição industrial, entre outras ações.
O PNEA visa disseminar informação, conhecimento e tecnologias sustentáveis, aperfeiçoar as metodologias de ensino das escolas públicas e privadas, visando à conscientização de gerações futuras mais sustentáveis, além de outros assuntos pertinentes ao tema.
Apesar de duas décadas do surgimento dessa legislação e das políticas públicas, a prática ainda é desafiadora pelo modo como o assunto é abordado. Quando se fala em direitos do meio ambiente ou da própria educação ambiental logo se assemelha à temática da fauna e flora, ou do processo de educação infantil mais simplificado. Mas o que ocorre é que as ações de todos os indivíduos estão inteiramente ligadas ao ecossistema e isso não pode ser ignorado.
Quando se fala em empresas mais sustentáveis, por exemplo, é preciso uma conscientização contínua em não produzir resíduos perigosos, conforme são classificados. Logo, seguindo a mesma linha de raciocínio, ter empresas futuras mais responsáveis está ligado a gerações de pessoas mais conscientes, daí a importância da propagação mais ostensiva do tema.