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Além do voluntariado
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Alexia Oliveira
Ilustração: Unsplash
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De dentro para fora: movimentos voluntários ganham força em meio ao cenário de pandemia
Solidariedade, irmandade e afeto. Estas são apenas algumas das palavras que fazem parte do novo cotidiano. Mesmo com o cenário de crise em decorrência do novo coronavírus, os brasileiros não deixaram de ser generosos uns com os outros. Seja por meio de trabalho em equipe ou de forma individual, o comprometimento em ajudar o próximo e o interesse em promover a solidariedade têm sido comuns em muitos países.
O Brasil ocupa a 5ª posição entre os países da América do Sul com maior número de voluntários. Os dados são do estudo realizado pela Charities Aid Foundation (CAF), intitulado World Give Index, que tem finalidade medir o nível de solidariedade das nações. O país totaliza um engajamento de 33 milhões de pessoas, o que significa que um em cada cinco brasileiros realiza algum tipo de trabalho voluntário.
Caracteriza-se o voluntariado como expresso nas normas de Lei 9.608/1998, que define trabalho voluntário como atividades não-remuneradas e prestadas por pessoas físicas às entidades públicas, de qualquer natureza, ou a instituições privadas de fins não lucrativos, que tenham objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social.
Existem muitas formas de ajudar. Seja por meio da doação de alimentos, confecção de máscaras, adoção de animais, distribuição de roupas, agasalhos, por consultas gratuitas com profissionais diversos, como psicólogos, conversas com amigos, ou até mesmo com um simples prato de comida, os cidadãos e as instituições estão se unindo por meio da solidariedade. É uma espécie de corrente do bem para ajudar as outras pessoas.
Andresia Matos atua como tera- me deu forças e alegria para continuar. peuta cognitiva e psicóloga, faz parte de Eu descobri uma nova versão de mim”, um grupo voluntário com atendimento afirma Freitas. psicológico gratuito à população. Para ela, embora sejam necessárias mudanças no comportamento dos brasileiros, ainda é possível notar um avanço para que a Laços de Alegria população se torne mais voluntária.
“Acho muito difícil haver uma mudança radical. Mas acredito que a mudança possa vir a partir dos comportamentos, se não com relação ao outro, mas em relação à maior valorização das ações, atitudes e pensamentos a respeito do coletivo”, expressa. Favela Solidária no projeto social Laços da Alegria. O grupo realiza visitas nos hospitais do Distrito Federal “Sabendo que
O coletivo Favela Solidária é responsável por ajudar e levar a esperança para 500 famílias no entorno do Distrito Federal Germano Freitas alia ao voluntariado uma de suas maiores paixões, o teatro. Atua como coordenador de atividades voluntárias no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, em parceria com o projeto social Laços da Alegria, que realiza visitas dentro dos hospitais do Distrito Federal e Entorno. Germano diz que o voluntariado o transformou: “Quando entrei no Laços da Alegria, eu estava passando por momentos bem difíceis. Além disso, sempre fui apaixonado por fazer as pessoas rirem. Sabendo que eu estava mal naquela época, a situação Germano Freitas (à direita) é um dos auxiliares
eu estava mal naquela época, a situação me deu forças e alegria para
continuar”
Germano Freitas, voluntário
Na periferia
Mesmo em tempos de pandemia, que geram incertezas e dificuldades, o amor pelo voluntariado possibilitou que pudessem existir pessoas empenhadas em fazer a sua parte e irem em busca de compartilhar a corrente do bem. É o caso de George Pauher e Matheus Moreira.
Juntos, os dois deram asas para o Favela Solidária, projeto que nasceu em 29 de dezembro de 2018. A iniciativa
Alexia Oliveira começou com apenas duas pessoas e, hoje, 135 oferecem ajuda para 500 famílias nas regiões administrativas do Distrito Federal e no Entorno. “As pessoas nos relatam sobre a falta de oportunidade e capacitação. Um dos problemas que observamos é que eles não têm a informação do que se trata este Os dois jovens Matheus Moreira e George Pauher vírus”, explica Matheus. são os idealizadores do projeto social Favela O grupo tem doado produtos de
Solidária, que ajuda famílias com doações de higiene e de proteção em relação ao vírus. alimento nas regiões do DF e Entorno “Além das doações, nós levamos a eles a informação, e também uma palavra de esperança, para não perder a fé, confiar e acreditar. A ajuda com as doações é
“O que nos move sempre bem-vinda, mas às vezes existem é saber que pessoas que necessitam apenas de uma palavra amiga”, completa George. existem pessoas O Favela Solidária começou com que precisam da um torneio de futebol que arrecadava alimentos como forma de inscrição e hoje nossa ajuda e organiza diversas ações coletivas, definidas por meio de um grupo no WhatsApp. que não podemos Com a Covid-19, as saídas externas estão parar” suspensas. Matheus explica que as ações continuam de forma remota e convida
Matheus Moreira, voluntário quem quer ajudar: “Basta apenas você querer, o primeiro passo é que você nos Favela Solidária conceda o seu número para contato e nome. Em seguida, te colocamos em um grupo para que faça parte do projeto”. Para se inscrever basta mandar uma mensagem para os números (61) 9 8100-4565 ou (61) 9 9364-5246.
Em ação realizada no bairro Céu Azul, em Valparaíso de Goiás, as crianças exibem em seus rostos a alegria em receber as doações de Páscoa, regada a chocolates e doces
Além da crise
Há quem diga que após o cenário da pandemia do coronavírus o mundo ainda possa continuar o mesmo. Por outro lado, existem pessoas que acreditam na possibilidade de mudança por meio dos coletivos e que as pessoas, de modo geral, possam sair desconstruídas ou com uma nova visão depois do contexto atual. De certo há os efeitos em diversas áreas da vida, como no emprego, na saúde pública e na alimentação.
Em todo o mundo, os dados apontam que a economia foi uma das áreas mais afetadas pelo confinamento necessário para conter a propagação do vírus. Na América Latina, 89% da população foi afetada com os danos da pandemia, já na África 83%, na Ásia e no pacífico 73% e na Europa chega a 64% juntamente com a Ásia Central. Os dados são da Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Nos países de baixa renda, a pobreza entre os trabalhadores deve aumentar em 52 pontos percentuais, totaliza 1,6 bilhão da pessoas da classe informal que seriam afetadas pelas medidas de contenção e isolamento. São pessoas que necessitam de maior proteção contra a pandemia, especialmente por questões como desemprego, saúde alimentar e emocional.
A psicóloga Andresia Matos avalia que o momento gera crises de ansiedade e gera adaptação de todos, inclusive sobre a forma de trabalhar – o que também muda para profissionais como ela.
“É uma fase de adaptação para todos nós. No atendimento tudo sobre o paciente é importante e observamos tudo. No método on-line perdemos esses elementos, entretanto, alguns pacientes se sentem mais à vontade”, explica.
Para o sociólogo Eladio Oduber, os brasileiros podem enfrentar danos tanto na saúde, quanto nas questões que refletem a desigualdade de distribuição dos recursos e receitas.
“Em nosso país existem estados que são mais ricos e outros com poucos recursos. O fechamento do comércio leva as cidades marginalizadas, sem teto ou
comida, a dependerem das ações caritativas que a população empenhada aos serviços oferece”.
Nos estudos da sociedade, os especialistas acreditam que o homem se adapta ao meio e se transforma. Partindo desse pressuposto, acredita-se que existam formas de se reinventar no ambiente de trabalho, transformando a crise em oportunidade. Para o antropólogo e professor do IESB Claudio Bull, uma das táticas que têm sido utilizadas são as formas diferentes de se comunicar.
“Observo que as pessoas estão criando novas táticas de entrega via delivery ou novas formas de se comunicar, talvez diferentes do habitual. Outro fator de análise é a economia, um assunto importante de ser debatido, mas a vida ainda é muito mais”, cita o antropólogo.
Claudio Bull, antropólogo
Em tempos difíceis, o voluntariado aparece como uma prática essencial. O ser humano necessita da pessoalidade nas relações. Para grandes pensadores como o Dalai Lama, orar não é apenas o importante, mas é produzir a caridade com obras e o amor, o que vale para todos, mesmo que a pessoa não seja religiosa.
Jorge Recife trabalha como professor de música e produtor cultural, e também pratica o trabalho voluntário. Ele promove atividades culturais em cidades do Entorno no DF, como Valparaíso de Goiás. Para Recife, o voluntariado pode mudar vidas.
“Acredito que se temos uma fé sem obras, a nossa se torna morta. Através do voluntariado que muda a vida de outras pessoas, também nos tornamos capazes de mudar as nossas vidas. Nós nos tornamos pessoas melhores e amadurecemos a cada ação e lição realizada”.
POR DENTRO DA LEGISLAÇÃO
Você conhece os principais pontos que regem o voluntariado? São eles:
• Expresso na Lei 9.608/1998, que fundamenta e regula o trabalho voluntariado, caracteriza-se como trabalho voluntário todo aquele que é exercido por qualquer pessoa física, como atividade não remunerada a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade;
• Expresso pelo ato normativo Nº 226/TST.GP, de 25 de março de 2013 no Art. 8º: “A carga horária de prestação de serviço voluntário deverá observar o horário do expediente, a necessidade e o interesse da unidade em que se realizará o serviço e a disponibilidade do voluntário, e não ultrapassará o limite de 4 horas diárias e um total de 20 horas semanais”.
• De acordo com a Lei do Voluntariado, a idade recomendada para iniciar os trabalhos voluntários é de minimamente 16 anos. Quando o voluntário for menor de 16 anos, é importante lembrar que deva ter o Termo de Adesão e Plano de Trabalho Voluntário que deverá ser preenchido e assinado pelos pais ou responsáveis legais.
Distribuição de comida no Brasil
Segundo dados da FAO e do IBGE
149 milhões de crianças sofrem privação alimentar
7,9 % da população da América Latina e do Caribe sofre de fome e desnutrição
No Brasil são 5,2 milhões de brasileiros que passam fome
2,4% dos brasileiros não tem o que comer todos os dias