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Além do entretenimento

EDUCAÇÃO

por: Victória Côrtes Vasconcellos

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Arte: Victoria Côrtes Vasconcellos

Jogos digitais, antes vistos como distrações do aprendizado, hoje podem ser estratégicos na educação, na saúde e até no marketing, desde que usados com limite

Com a evolução da tecnologia, os jogos digitais têm “É inegável que interativo está mudando o cenário do mercado, sido consumidos em larga os jogos digitais que já comprovou eficiescala no mundo inteiro. Versão mobile, para são importantes ência dos métodos em diferentes âmbitos. consoles, ou computa- para o Hoje, de acordo dor, o número de gamers com os dados apresené cada dia maior. E o desenvolvimento tados na 19ª Pesquisa reflexo para gerações que já nascem inseridas na de habilidades Global de Entretenimento e Mídia, realizada tecnologia não poderia ser cognitivas” pela prestadora de servidiferente: os jogos digitais Rodolfo Medeiros, mestre em ços PwC, o mercado de estão revolucionando o educação jogos no Brasil já é o funcionamento de diver- maior da América Latina, sas áreas além do entretenimento, como e quando se trata do ranking mundial, a educação, a saúde e o marketing digital. o país está na 13ª posição. Além disso, Mas existe um cenário em que o resultado também constatou que, no os jogos digitais são julgados como Brasil, o mercado deve crescer 5,3% até distrações, e muitas vezes são vistos o ano de 2022. A produção de jogos com maus olhos por profissionais da brasileiros, nos últimos anos, também saúde e da educação, como também cresceu consideravelmente. É o que por responsáveis por crianças e adoles- aponta o 2º Censo da Indústria Brasicentes. No entanto, a necessidade de leira de Jogos Digitais, realizada pelo implementar o dinamismo em um antigo Ministério da Cultura (atual mundo cada vez mais digitalmente Secretaria Especial da Cultura), em

“Como qualquer atividade feita por uma criança, é preciso supervisão de um adulto, que regule o tempo e observe se o jogo é adequado”

Rodolfo Medeiros, mestre em educação

Carl Raw/Unsplash

Em diferentes versões, os jogos digitais já são consumidos por 66,3% dos brasileiros

2018. O levantamento revela que de Annie Spratt/Unsplash 2016 a 2018 foram produzidos aproximadamente 1.718 jogos no país, sendo 874 games educativos, número ainda maior do que da produção voltada para o entretenimento, 785. O sucesso do mercado dos jogos educacionais não é à toa. Além de ser muito eficiente usar de uma estratégia que alia a educação e a tecnologia que hoje nasce junto com as crianças, a experiência lúdica proporciona aos alunos a visão de diferentes realidades e mundos. Jogos que utilizam a realidade virtual, por exemplo, podem levar os estudantes a lugares jamais pensados, como ao deserto do Saara, ou até à lua. O interesse, estimulado pelas mudanças nos métodos de ensino, é a chave para que os estudantes sejam desafiados continuamente e desenvolvam novas habilidades. Sendo assim, não só as matérias como matemática e português

Mesmo com tantos benefícios, o período em que são mais bem recebidas pelos alunos, jogos são consumidos por entretenimento devem ter como também a criatividade e o intemonitoria de pais resse pelas artes são aflorados.

“É inegável que os jogos digitais são importantes para o desenvolvimento de habilidades cognitivas”, é o que afirma o mestre em educação Rodolfo Medeiros. De acordo com o professor, para você superar os desafios estabelecidos em um jogo, precisa ter determinado conhecimento, estratégias e soluções, tomando decisões rapidamente. “Pela tentativa de acerto e erro, você vai reconhecendo padrões que funcionam, outros que não, você processa informações, usa a criatividade, como também usa o pensamento crítico. Ou seja, você está fazendo o uso de uma série de habilidades cognitivas no sentido de avançar”, detalha.

Apesar da visão positiva sobre o uso dos jogos na educação, é importante que o consumo seja monitorado e controlado. A preocupação com os vícios relacionados ao consumo exagerado de jogos, principalmente por crianças e adolescentes, portanto, não é descartada pelo mestre em educação. “Há crianças que ficam muito tempo

envolvidas nessa questão do jogo e perdem um pouco a noção da realidade, deixam de fazer algumas atividades importantes do cotidiano”. Ele aponta a supervisão por adultos como o melhor caminho.

Na perspectiva do desenvolvimento, o professor e coordenador do curso de Jogos Digitais no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Felipe Ferreira, abraça a ideia de que a tecnologia facilita o aprendizado e desenvolve o potencial dos alunos. “Por meio dos jogos é mais prático e intuitivo fazer com que um conhecimento

específico seja assimilado. Podemos de forma criativa e divertida fazer com que algo maçante se torne mais fácil”, explica. As estratégias para o desenvolvimento, portanto, devem ser alinhadas com o objetivo principal pelo qual o jogo está sendo criado.

Os jogos também já são estratégias para a área do marketing. Chamado game marketing, muitas empresas têm procurado os jogos como forma inovadora de divulgar produtos. Além de chamarem a atenção por ser uma estratégia nova, os jogos são capazes de proporcionar uma experiência

Christina @wocintechchat.com/Unsplash

Jogos digitais podem aproximar a empresa do público-alvo, quando bem direcionados “Por meio dos jogos é mais prático e intuitivo fazer com que um conhecimento específico seja assimilado. Podemos de forma criativa e divertida fazer com que algo maçante se torne mais fácil”

Felipe Medeiros, coordenador do curso de Jogos Digitais do IESB

RE-MISSION

Criado em 2006, o Re-Mission é o jogo com objetivo de otimizar o tratamento contra o câncer, e é capaz de ajudar pessoas de diversas idades, incentivando a adesão aos tratamentos. Com várias opções de jogos simples e temáticos, os pacientes são estimulados a lutarem contra a doença. Na plataforma, hoje na segunda versão, há opções de games em que a primeira pessoa é o paciente que luta contra inimigos, que representam as células malignas.

A efetividade do game foi comprovada por meio de uma pesquisa realizada pela revista Pediatrics, com 375 pacientes entre 13 e 29 anos em tratamento contra o câncer. O estudo revelou que aqueles que tiveram acesso ao jogo durante o tratamento foram capazes de manter os medicamentos no corpo durante tempo maior do que aqueles que não tiveram, apresentando melhores resultados.

POSI V E R TI S U S VO

NEGATIVO COMPARAÇÃO PELA PSICÓLOGA RAQUEL ÁVILA

Quando bem utilizados:

Jogos educativos podem favorecer a aprendizagem de conceitos matemáticos ou palavras de uma segunda língua

Jogos esportivos podem permitir aos jovens conhecer e seguir regras específicas

Podem favorecer a atenção, orientação espacial, raciocínio lógico e resolução de problemas

Jogos ativos podem encorajar movimentos físicos Quando mal utilizados:

Podem comprometer relacionamentos ou atividades profissionais

Podem causar dependência

Podem ser utilizados como fuga de problemas reais

Podem gerar baixo desempenho escolar única aos consumidores e construir a imagem positiva das empresas.

Sobre isso, o programador e game designer Ricardo Lins explica que as experiências ficam mais leves quando os jogos são aliados das estratégias de marketing. “Temos que levar em consideração as principais propostas das empresas, para assim conseguirmos um resultado, unir tudo e colocar dentro de um jogo de uma forma criativa, deixando as pessoas o mais à vontade possível”.

Saúde eletrônica

Pesquisa realizada pelo Pennington Biomedical Research Center, em Louisiana, nos Estados Unidos, aponta que crianças de 10 a 12 anos acima do peso apresentaram facilidade para emagrecer por meio de videogame. Seja dança, luta, ou tênis, quando se trata das atividades físicas, os jogos fazem sucesso na vida fitness e apresentam benefícios para a saúde. Lucas Palma, estudante de 21 anos, já praticou vários exercícios pelo videogame e relata que a principal vantagem é a flexibilidade de horários. “Eu queria fazer um exercício, eu só ligava o videogame, colocava o jogo e fazia. Eu não precisava, por exemplo, me arrumar, ir até um lugar”, completa.

Quando se trata da área da saúde, a solução é capaz de apresentar resultados impressionantes. Complementando a medicina, os jogos não precisam ser, necessariamente, criados para essa finalidade. Já faz parte do tratamento de muitos pacientes de fisioterapia o uso de consoles para jogos normais que exigem concentração e movimentos corporais. A sensação de ser recompensado não só nos jogos, como no resultado do tratamento, pode motivar os pacientes.

No âmbito da psicanálise, existem diferentes opiniões sobre o consumo dos jogos. Ana Amélia Mansur, psicanalista e especialista em inteligência emocional e técnicas de estudos para crianças e adolescentes, explica que os jogos digitais podem ser benéficos, mas o excesso pode ser prejudicial. “Os jogos, se usados de maneira adequada e equilibrada, podem auxiliar na educação, na interação social. Infelizmente, o que vejo é o uso indiscriminado e excessivo, e aí sim, traz muitos prejuízos”. Entre as consequências do mau uso, a especialista aponta ansiedade, depressão, síndrome do pensamento acelerado e até nomofobia, o medo irracional de ficar sem celular.

A game designer brasileira Thais Weiller é responsável pelo desenvolvimento de Rainy Day, um jogo focado em mostrar aos usuários que os hábitos e a rotina podem estar

indicando problemas psicológicos e que um profissional deve ser procurado. O game tem uma narrativa baseada em fazer com que os usuários tomem decisões para iniciar e dar continuidade às tarefas do dia a dia. Quando o jogador escolhe opções como ir ao trabalho ou à livraria o jogo, que inicialmente é em apenas uma cor, reconhece como opções positivas e fica colorido.

Apesar da longa discussão acerca do consumo dos jogos digitais, as influências positivas têm tomado grandes espaços. Sendo assim, pedagogos e psicólogos acreditam que o bom uso dessa ferramenta pode contribuir para a evolução tecnológica de diversos âmbitos.

“Os jogos, se usados de maneira adequada e equilibrada, podem auxiliar na educação e na interação social”

Ana Amélia Mansur, especialista em inteligência emocional e técnicas de estudos para crianças e adolescentes

Leslie Jones/Unsplash

Alguns jogos têm o objetivo de fazer com que pessoas com depressão e ansiedade procurem por tratamento CUIDADOS A SEREM TOMADOS Confira parte do bate-papo da Redemoinho com o psicólogo Nikolai Sousa sobre a relação da psicologia com os jogos digitais.

Como os jogos podem influenciar a vida dos jovens?

Além da motivação por diversão e curiosidade, há casos de escape também, seja se projetar no personagem para fazer o que não poderia na vida real, ou um distanciamento da realidade vivida que lhe traz um sofrimento em algum ponto.

Como os responsáveis devem regular o uso por crianças e adolescentes?

O que se tem em comum no consumo de diversas mídias é a falta de atenção dos responsáveis na classificação indicativa. Isto é um ponto muito importante a se atentar porque desde cedo a criança é exposta a conteúdos adultos que podem influenciar e prejudicar no seu desenvolvimento social.

Até que ponto o consumo dos jogos digitais é apropriado?

Qualquer coisa em excesso faz mal. Além da parte do conteúdo consumido estar de acordo com a idade, muitas horas diante de uma tela também podem prejudicar a postura e a visão, causando dores no corpo e de cabeça. E é necessário se atentar à possibilidade de gerar uma dependência. Neste caso, o melhor é procurar ajuda profissional.

Sendo assim, quais são os pontos negativos e positivos do consumo dos jogos?

Existem diversas discussões relacionando jogos e violência infanto-juvenil e até adulta, sobretudo do gênero masculino, o que é um ponto bastante problemático e deve ser debatido com cautela porque isenta a responsabilidade da sociedade ao colocar um videogame ou computador como bode expiatório, a única justificativa de tal comportamento. Os jogos digitais também são uma ferramenta de desenvolvimento de comunidade, criatividade e até estratégia. Empresas grandes ou independentes estão cada vez se empenhando mais nos gráficos e em desenvolvimento de histórias, algumas trazem uma abordagem filosófica ou histórica no enredo, até mesmo para falar de saúde mental.

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