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Arte, feminismo e resistência

por: Giovanna Wobeto

Arte: Camilla Siren

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Na luta por reconhecimento e igualdade, mulheres artistas enfrentam preconceito e críticas, mas se consolidam no mercado artístico

Estabilidade financeira, valorização, reconhecimento. Estes são só alguns desejos comuns usados para escolher uma carreira. Agora, imagine o seguinte: uma mulher decide viver da própria arte. Pode não parecer, mas é uma decisão repleta de desafios, obstáculos e barreiras. Isto porque o trabalho de uma mulher é, historicamente, menos valorizado que o de um homem. Em seguida, a arte ainda não é valorizada como deveria no Brasil. Além do mais, faltam incentivos para que a valorização aconteça.

Porém, nada disso intimidou cinco mulheres que você vai conhecer agora. Aliás, não só elas, como tantas outras Brunas, Camilas, Luísas e Nathálias espalhadas pelo Brasil. Antes, um convite para reflexão: O que é arte para você? Já reparou em quantas artistas vivem ao seu redor?

Arte urbana, ilustração, bordado, pintura e mulheres fortes. Essa é a biografia da artista independente Camilla Siren, 23, em sua rede social. Camilla é formada em Design Gráfico pelo IESB e tem uma grande paixão: o grafite. Além disso, é militante pela valorização e respeito às mulheres. Começou a grafitar na adolescência e hoje garante o sustento por meio do trabalho autoral.

“Vem sempre uma descrença das pessoas quando digo que sobrevivo com meu trabalho autoral. Algumas pessoas não acreditam por inocência mesmo, porque, realmente, é um meio muito difícil. Mas também tem outras pessoas que não acreditam pelo fato de não darem o devido valor à arte”, afirma. A artista ressalta que as mulheres se ajudam no mundo da arte, uma apoiando o trabalho da outra, mas cobra reconhecimento vindo de fora.

Bunker Art Lab a minha entrou sozinha no mar. Eu vi aquilo e, nossa, foi incrível, muito intenso, muito à flor da pele, me emocionei”. A história de outra Camila também inspira. É a da tatuadora Camila Corrêa, 35, que veio a Brasília há 10 anos para ser professora temporária de educação física. Após 3 anos, com o contrato prestes a vencer, Camila começou a pensar em mudar de ramo. Apesar de gostar de dar aulas, não procurou emprego em escolas particulares. Trabalhou um tempo em academia, mas ainda não era o que estava buscando. Pegou, então, o dinheiro que havia Camilla luta pelo reconhecimento da arte feminina juntado nos anos de docência e decidiu em grandes festivais investir na arte da tatuagem. Comprou material, começou a treinar em pele de

Foi com a arte que Camilla conse- porco comprada em açougue, depois, em guiu conhecer e colorir vários cantos de si mesma, e, quando se sentiu apta, comeBrasília e do Brasil. Entre seus trabalhos çou a tatuar os amigos, que divulgaram o favoritos está a participação no festival trabalho. Desde então, ganha clientes. As internacional “Além da Rua”, em Forta- resistências foram grandes e ela relata o leza (CE), em 2019. “Cada artista pintou que ouvia dos pais: “Não, não pode, você a vela de um pescador. As velas iam zarpar vai jogar seus 4 anos de faculdade no lixo”. todas juntas, só que o meu pescador atra- Atualmente, eles entendem e admiram sou, então, todas foram e voltaram para a muito o trabalho da filha. areia e, quando o meu pescador chegou, Camila tatua há 7 anos e hoje tem Bunker Art Lab clientela fiel e divide o estúdio com mais três tatuadoras. Também pinta quadros sob encomenda e ama tatuar elementos da capital. “As pessoas gostam e querem tatuar Brasília porque representa quem elas são, onde elas vivem, onde elas nasceram, onde elas se apaixonaram”, explica. Camila Corrêa teve coragem para mudar a sua história, por mais traçada que parecesse estar. Ela não teve medo de encarar a mudança, planejou e, aos poucos, fez acontecer. É uma lição para quem não está verdadeiramente feliz com o trabalho que exerce. Sempre há tempo para aprender e tentar algo novo, “Pintar com spray” é a especialidade de Siren diferente.

Arquivo pessoal Os pais de Luísa são funcionários públicos, mas ao contrário do que seria o comum, foi ela quem os incentivou a Arquivo pessoal seguirem seus passos. Hoje, eles trabalham junto com a filha na confeitaria.

Apesar do sucesso, a artista confeiteira pondera: “O trabalho manual ainda é desvalorizado no Brasil, justamente porque as pessoas não sabem o valor do tempo. A gente senta e fica fazendo uma coisa por muito tempo, trabalhando com as mãos e muita gente não consegue valoOs detalhes fazem toda a diferença no trabalho rizar esse trabalho”. de Luísa

A arquitetura e os monumentos de Brasília são Luísa foi à luta pelo que queria e tema para muitas tatuagens criadas por Camila pode ser um modelo para quem quer ter a empresária, a pessoa que marca tudo, o próprio negócio. Mais, é uma artista, que vai às reuniões, que faz o show, que A arte da confeitaria sempre buscando aprimorar as técnicas monta o roteiro”. Lembra da reflexão acerca do que é e superar a própria criatividade. Para A participação de Nathália no The arte? Não há outra definição para o que quem quer começar na confeitaria, ela Voice Brasil alavancou a carreira, deu a confeiteira Luísa Akemi faz, se não a dá o recado: “Vai fundo, porque dá resul- visibilidade e credibilidade. Ela também de arte comestível. “Eu considero, sim, tado. Você pode começar em casa, não ganhou autoconfiança. Além dos shows a confeitaria uma forma de arte, prin- precisa de um investimento muito grande na noite de Brasília, a cantora gosta de cipalmente a área que sou especialista e consegue ter um retorno muito rápido”. projetos sociais. Em 2019, participou do hoje, que é a parte de Outra artista da Brasília Rosa in Concert, um show femidecoração”, afirma. Ela “Tá, mas você capital sabia, desde nino para apoiar instituições que ajudam fez de cupcakes decorados obras-primas. Os só trabalha com pequena, o que queria ser. E cresceu. É a cantora mulheres com câncer de mama, e do Elas cantam Roberto, evento com o maestro bolinhos personalizados nos mínimos detalhes são isso?” Nathália Cavalcante, 23, que participou do do Roberto Carlos, Eduardo Lages, para apoiar entidades que cuidam de crianças o carro-chefe da doceira, Nathália Cavalcante, cantora programa The Voice carentes. Em janeiro deste ano, o show de que diz entregar o seu melhor em cada encomenda, como se fosse única. A história de Akemi é pura inspiBrasil em 2016. Ela está se formando em Relações Internacionais pela UnB, mas o sustento vem da paixão pela música. Shodo Yassunaga ração. Aos 14 anos, decidiu que faria “Já fui julgada pela minha carreira. cupcakes para vender na escola. Aos 16, Você fala que trabalha com arte, aí a passou em administração na Universi- pessoa fica assim: ‘Tá, mas você só trabadade de Brasília (UnB), cursou um ano, lha com isso?’”, conta. Ela relata que mas não gostou. Depois, aos 18, começou são muitos os desafios de uma cantora a cursar Gastronomia no IESB e, com 20 independente: “É como qualquer outro anos, se formou. Agora, aos 22, Luísa é trabalho que você seja seu próprio conhecida nacionalmente pelos cupcakes chefe, que você não seja uma pessoa impecáveis e pelos cursos que ministra. contratada e que tudo depende de você. Então, eu sendo cantora sou: a cantora, Para Nathália, cantar é sua “cura”

aniversário de Nathália foi destinado a ajudar o abrigo Fauna e Flora, que cuida de animais. surtou. Porque é uma coisa muito inconstante, você depende só de você, não tem como passar para outra pessoa”, recorda Arquivo pessoal Nathália é mais um exemplo de quem seguiu a “Até conseguir Bruna, enfatizando que o desejo da mãe era para ela carreira artística, buscando um nome uma carreira no serviço reconhecimento para seu talento e trabalho árduo. no mercado, público ou na área da saúde. A artista fez cursos Além de viver da música, você ainda para aprimorar e conhe- Bruna se orgulha de cada dos seus trabalhos ajuda outras pessoas por cer mais técnicas para meio dela. É daquelas vai ser muito desenhar letras, e ganhou perceber, existe arte por toda parte, para pessoas que amam cantar desde pequena. Quem desvalorizado” espaço. Entres os trabalhos em destaque, estão os diplotodos os gostos e estilos. A terceira, é que os julgamentos existem e, provavelmente, também descobriu sua arte Bruna Carone, artista mas escritos à mão para a sempre vão existir com quem decida fazer ainda criança foi a artista embaixada da Venezuela. da arte não só um hobby, mas o sustento. Bruna Carone, 28. Porém, Bruna desabafa: “Até conseguir A quarta é que, com esforço e dedicação,

Ainda menina já fazia o que viria a um nome bem forte no mercado, você há possibilidade de viver de arte. ser sua arte, só não sabia que aquilo que ainda vai ser muito desvalorizada”. Por último, e talvez mais imporela tanto gostava era considerado traba- tante, vem o fato de as protagonistas lho artístico, muito menos, que possuía Arte é resistência dessas histórias serem mulheres. Fortes, um nome: lettering. Passou anos estu- Cinco histórias depois, algumas conclu- corajosas, perseverantes e cheias de dando para vestibulares de cursos que sões. A primeira é que ser artista não é atitude. Diferentes uma da outra, porém, não gostava tanto, chegou a iniciar várias nada fácil e demanda muito trabalho e com uma coisa em comum: o amor pela graduações, até que viu no lettering a investimento. A segunda: mesmo sem arte e por tudo que ela proporciona. oportunidade de sustento por meio daquilo que realmente amava.

Precisou passar pela aprovação da QUEM AS INSPIRA? mãe: “Quando eu fui para a área das artes, ainda mais autônoma, sem faculdade, ela Saiba quem são as e os artis- Camila C. (tatuagem): Lincoln desiree.feldmann); Pri Barbosa tas que inspiram o trabalho de Lima (@lincolnlimartist); (@priii_barbosa); Bruna Carone, Camila Corrêa, Victor Octaviano (@victoroctaCamilla Siren, Luísa Akemi e viano); Victor Montaghini (@ Luísa (confeitaria): Nancy Nathália Cavalcante: victormontaghini); Silverton (@nancysilverton) e Christina Tosi (@christinatosi), Bruna (lettering): Cristina Camilla S. (grafite, bordado ambas participam do docuPagnoncelli (@crispagnoncelli); e ilustração): Kelsey Beckett mentário Chefs Table da Netflix, Lauren Hom (@homswee- (@kelseybeckett); Pomb (@ o qual Luísa também indica; thom); Lucas Malta (@ pomb_); Pedro Sangeon (@ lucasabilly); Victor Tognollo (@ gurulino); Magrela (@magma- Nathália (cantora):revela que victortognollo); Jackson Alves grela); Clube do Bordado (@ suas influências são os detalhes (@letterjack); Samuel Lenzi clubedobordado); Brunna que mais a encantam de vários (@samuellenzi); Na Lousa (@ Mancuso (@brunnamancuso); artistas, e cita algumas inspinalousa). Willian Santiago (@willian_ rações: Marisa Monte, Beatles, santiago); Desirée Feldmann (@ Frank Sinatra e Maneva.

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