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A bola é delas

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Além da telona

Além da telona

por: Rômulo Maia

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

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Altos e baixos marcam a história do futebol feminino no Distrito Federal desde 1963

“Começamos numa brincadeira do dia das mães. Fizemos um torneio na rua mesmo e percebi que tínhamos muitas meninas que tinham talento pra jogar”. A história não é do início do futebol feminino brasiliense, mas poderia ser. O depoimento é de Lurdinha, que presidiu o extinto Guarany e relatou acima como foi a criação do time, em 1995.

A história do futebol feminino em Brasília passou por diversas fases, desde as dificuldades constantes no começo até a recente melhora, ainda que não tão avançada, para alguns clubes. Mesmo com tantas particularidades, a capital federal tem sua importância no futebol feminino nacional, tendo inclusive atletas na seleção feminina principal, como Victória Albuquerque. Com apenas 22 anos, a jogadora coleciona sucessos em sua curta carreira.

Em 2018, ainda jogando pelo Minas Brasília, ela foi campeã estadual e nacional da A2, a segunda divisão do futebol feminino, e de quebra foi titular e campeã pela seleção sub 20 no sul-americano. Em 2019, ela continuou a ter sucesso e foi contratada por um dos maiores times do país na modalidade feminina, o Corinthians, e por lá ganhou nada mais nada menos que a Libertadores de 2019. A coroação do grande ano veio quando fez o primeiro gol pela seleção profissional. “Foi um dos melhores anos da minha carreira, marcar como profissional e representar a seleção do meu país é algo que sempre quis e estou muito feliz por todo esse bom momento”.

Outro sucesso que passou pelo futebol candango foi a centroavante Nathane Fabem, artilheira da libertadores e campeã do brasileirão no ano passado pela Ferroviária. Em 2012, ela teve boa passagem pelo Minas Brasília, sendo vice-campeã do DF. “Tivemos uma grande temporada, apesar da derrota na final do candangão”, diz.

Antes do sucesso recente, o futebol feminino em Brasília teve diversas dificuldades. Os primeiros registros de jogos de futebol entre as mulheres no

Jornal do Guará O desafio era grande, poucas mulheres jogavam futebol nos anos 60. Uma das meninas que topou foi Leni Silva, então com 14 anos de idade. “Não era nada fácil a situação, naquela época o preconceito era ainda maior, assim como o apoio (falta dele). Sempre joguei com

Um dos primeiros times de futebol de DF, equipe os homens porque as meninas acabavam Guará FC feminino batendo demais em nós. A carreira não deu certo porque ou era o futebol ou o Distrito Federal aconteceram em meados meu emprego”, explica. Leni chegou a ser de 1963, quando o ex-administrador do convocada para o mundialito feminino Guará e hoje integrante do Ministério em 1986 antes de abandonar o esporte Público do Tocantins Francisco Bernar- para trabalhar. des fez um pedido inusitado à época aos O primeiro campeonato organizado dirigentes do Clube de Regatas Guará: de futebol para mulheres no DF acontemontar um time de futebol feminino ceu no mesmo ano de 1986, quando a para jogar a preliminar do jogo festivo Federação Metropolitana de Futebol do que comemorava os 14 anos da região Distrito Federal criou um departamento administrativa, que seria disputado entre de futebol feminino, algo inédito e inovaGuará e América Mineiro. dor na época. A coordenação ficava com a Diretoria de Futebol Amador. O distrital teve seis clubes: Gama, “Foi um dos Guará, Jardim, São Paulo Júnior, Sobramelhores anos da dinho e Vila Dimas. O jogo inicial aconteceu em Sobradinho, com vitória de minha carreira, 9 a 1 das donas da casa sobre o Guará. O

marcar como profissional e representar a seleção do meu país é algo que sempre quis e estou muito

feliz por todo esse bom momento” Victória Albuquerque, jogadora do Corinthians destaque foi a atacante Veronica, que fez seis gols. O título ficou com a equipe do Vila Dimas, após disputa de um triangular final com o Jardim e o São Paulo Júnior.

Naquele mesmo ano, uma seleção de jogadoras de todos os times foi escolhida para disputar a Taça Brasil, o equivalente de então ao campeonato brasileiro, com a camisa do Vila Dimas. A equipe foi muito bem e conseguiu já na sua primeira participação o vice-campeonato, perdendo para a fortíssima equipe do Radar.

No ano seguinte, a equipe jogou em casa representando o Distrito Federal, mas novamente ficou com o vice-campeonato, em nova derrota para o Radar. Na final que aconteceu no Serejão, estádio que fica em Taguatinga, as brasilienses foram derrotadas nos pênaltis após o empate em 0 a 0 no tempo normal.

Campeões extintos

Até 2019 foram 23 edições do campeonato candango feminino, sendo 11 times campeões. Destes, oito times já não possuem mais a categoria feminina

Maria de Lourdes Silva

Primeira equipe de futebol feminina campeã do candangão feminino, Flamengo Tiradentes

ou deixaram de existir por completo: Flamengo Tiradentes, Aruc, Iate Clube, CFZ, Apollo IV, Luziânia, Asscop e Capital. O maior campeão da história é o Cresspom, clube da Polícia Militar, com sete conquistas, seguido por CFZ, com quatro conquistas, logo após vêm o Minas Brasília com três e o Apolo IV, com dois títulos.

A maior revelação do time com mais conquistas em Brasília é a atleta Dany Helena. Ela foi bicampeã pelo Cresspom, em 2014 e 2015, e é a jogadora que mais vezes foi artilheira do campeonato local, três vezes. Em seu último jogo pelo Cresspom, ela fez quatro dos oito gols da final do último título, conquistado em 2015. No ano seguinte, foi para o Iranduba-AM e na sequência pro Flamengo, virando em pouco tempo a melhor jogadora da equipe, sendo artilheira isolada da série A1 em 2018, e, com isso, conseguindo a sonhada convocação para a seleção brasileira.

“Eu fiquei feliz de ver que aqui em

Brasília nós temos o mesmo tratamento que é oferecido aos atletas do masculino, diferente de outros clubes, aqui somos tratadas da mesma maneira, e isso é importante pra nós”

Keyssiane “Keykey”, goleira do Real Brasília

Lucas Figueiredo/CBF

Victória Albuquerque comemora seu primeiro gol com a camisa da seleção brasileira

Outro time extinto, mas que fez história foi o Guarany, com o recorde de cinco vice-campeonatos locais. A presidente do antigo time, Lurdinha, recorda com orgulho o início da equipe, a partir de um jogo no dia das mães que deu certo: “Sugeri que fizéssemos um time de campo society para poder jogar mais. Fizemos um torneio, com apenas três equipes, pois na época tínhamos poucos times aqui, era uma fase ainda mais difícil, ganhamos, e seguimos empolgadas”. Lurdinha diz que as dificuldades eram enormes, incluindo falta de uniformes.

A equipe do Gama, hoje bem conhecida pelas boas campanhas no masculino, também já teve time no feminino. Marcelo Gonçalo, narrador esportivo e criador do Blogama, site que acompanhava o futebol da região administrativa, explica que o time era uma espécie de terceirização, e não uma prioridade para o Gama. “No começo foi bem difícil, apesar do vice em 99, a equipe levava diversas goleadas que desmotivavam as atletas, mas ai foi melhorando o nível e crescendo, principalmente quando chegou o treinador Célio Lino, que hoje trabalha com o futebol feminino em Portugal, mas nunca mais conseguiu chegar a finais e, após a saída do Célio, em 2019, a equipe se desfez”.

Além das equipes que representam o Distrito Federal, a capital também sempre foi considerada uma das referências quando se trata do futebol universitário

Lurdynha Silva

Guarany comemora título de torneio antes do começo do estadual feminino em Brasília

Ricardo Botelho/Real Brasília E hoje? Jogar no Minas Brasília ou no Real Brasília é, hoje, o objetivo da maioria das jogadoras do Distrito Federal. São as duas equipes mais organizadas, que conseguem pagar salário às atletas e ainda Divulgação oferecem ótimas estruturas. A diferença das duas equipes tem trazido o resultado em campo. Atualmente, os dois times Cresspom, maior campeão candango feminino com representam a capital federal, respecti- sete títulos, comemorando seu último, conquistado vamente, na A1 e na A2, as duas divisões em 2015

Real Brasília comemora seu primeiro título no do futebol feminino nacional. futebol feminino, o Candangão 2020 O Minas Brasília tem condições que uma dívida de gratidão e resolvi voltar”, fazem inveja até a outros clubes grandes diz. do país. A equipe possui dois fortes apoia- A história da equipe se mistura a feminino. Em 2014, foi realizada aqui a dores, o Minas Brasília Tênis Clube, local de Singol Santos, treinador que passou primeira Copa Brasil Universitário de onde elas fazem todo o treinamento e têm oito anos à frente da equipe. Em 2011, Futebol Feminino, a CBUFF. toda estrutura à disposição, e também o enquanto treinador da Ascoop ganhou

Participaram cerca de 700 atletas Centro Universitário Icesp, que oferece o campeonato brasiliense e disputou a de 24 estados. Brasília foi representada patrocínio e bolsas de Copa do Brasil. Com pela União Pioneira de Integração Social estudo para as atletas. “Nós começamos o o fim da Ascoop por (Upis), que chegou à final, mas acabou derrotada pelas representantes de Santa Uma das jogadoras de destaque Guarany em 1995, problemas com bolsas de estudo, Singol propôs Catarina por 4 a 0. Algumas atletas que da equipe é a meia numa brincadeira a criação de um novo estiveram no elenco da Upis viraram jogadoras de futebol profissional no Distrito Rayane Rodrigues, conhecida como do dia das mães. time ao então presidente do Minas Brasília Federal ou em outros estados brasileiros. Robinha. Descoberta Fizemos um torneio Tênis Clube, Wagner em uma escolinha de futsal do Paranoá, na rua mesmo, Gripp. Nasceu assim o Minas Icesp, hoje Minas ela chegou a jogar na Itália, mas voltou e percebi que Brasília. “Foram anos de muito aprendizado Marcelo Gonçalo para o Minas Brasília, segundo ela, por uma divida de gratidão. ”Cheguei ao time na tínhamos muitas meninas que tinham talento pra jogar” e trabalho a frente da equipe, o Minas Brasília foi um dos meus melhores trabalhos como temporada 2017, para treinador, agradeço por um torneio rápido, e Maria de Lourdes (Lurdinha), tudo que passei pela agradei as presidentes presidente do extinto Guarany equipe, as presidentes e fiquei. Desde então, tem feito um grande vi o quanto o Minas Brasília nos valoriza. trabalho ate aqui e merecem colher os Fui campeã do brasileiro série A2 e tive frutos e estar aonde estão”. vários títulos com elas também no futsal. A primeira participação no distrital

Uma das primeiras equipes de futebol feminino do Em 2019 fui pra Itália, foi uma experiên- foi em 2014, e de forma tímida, sem um Gama cia muito boa, mas eu sentia que tinha resultado bom. Nos anos seguintes os

Assessoria de Comunicação do Minas Brasília campos de treinamento. O time feminino usa a mesma estrutura da equipe profissional. A goleira Keissyane, conhecida como Keikei, chegou ao Real este ano e comemora: “Eu fiquei feliz de ver que aqui em Brasília nós temos o mesmo tratamento que é oferecido aos atletas do masculino, o que infelizmente não Cláudio Bispo acontece na maioria dos clubes no país. Aqui somos tratadas da mesma maneira,

Meia atacante Robinha, de azul, que já jogou até e isso é importante pra nós”. na Itália, um dos destaques do Minas Brasília Diferentes das equipes que disputam as competições nacionais, vários resultados foram aparecendo, e a equipe times locais enfrentam dificuldades em conseguiu ser tricampeã de forma conse- Brasília. No Santa Maria, por exemplo, cutiva no candangão feminino, vencendo faltam patrocínio e estrutura. O time de 2016 a 2018. E não parou por ai, em sua sofreu bastante, como conta uma das primeira participação no brasileirão A2, jogadoras e organizadoras da equipe, em 2018, a equipe se consagrou campeã. Amanda Alencar: “Hoje nós não temos Em 2019, a equipe teve dificuldades, mas nenhum patrocínio fixo, temos mateconseguiu permanecer na série A1. riais de treino, mas ainda não é o ideal,

No Real Brasília, que em seu também temos dificuldades com os segundo ano de história já disputa uma uniformes e com os materiais pra usar nos competição em nível nacional, as meninas treinos que são poucos. Só estamos de pé também têm tratamento diferenciado. ainda pra conseguir realizar o sonho das Todas as atletas moram em um hotel na nossas atletas, queremos que evoluam e Candangolândia, que fica próximo aos cresçam no futebol”.

Ricardo Botelho/Real Brasília

Estréia do Real Brasília em uma grande competição nacional, Série A2 feminina

Minas Brasília conquista o título de campeãs do Brasileirão Feminino Série A2, feito inédito no futebol feminino candango

“Só estamos de pé ainda pra conseguir realizar o sonho das nossas atletas, queremos que evoluam e cresçam no futebol”

Amanda Alencar, atleta e dirigente do Santa Maria

DE CEILÂNDIA PRO MUNDO

Victória Guimarães começou jogando na Ceilândia, junto com a família, ainda no futsal, onde também fez uma grande carreira. No futsal também colheu frutos sendo diversas vezes campeã. Dos grandes momentos na carreira, um dos que mais a marcou foi o de atleta revelação da edição 2019 do brasileirão feminino, além da eleição para a seleção do campeonato.

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