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Diversão, arte, saúde
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Catarina Loiola
Foto: Alexandre Salomão
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A prática de rodar bambolê invade ruas, festivais e academias no Brasil desde 1950, além de se misturar com outras vertentes como yoga e pilates
Bambolear. Seja em palcos circenses, em festivais musicais, praças públicas, academias ou no quintal de casa, a palavra tem apenas um significado: balançar o corpo e os quadris em diferentes ângulos. Criado há três mil anos, o bambolê serve exatamente para mexer-se conforme a ginga e a vontade de cada um. A popularização do objeto começou em 1958, nos Estados Unidos, quando o brinquedo foi batizado de hula hoop e mais de 25 milhões de unidades, feitas de plástico, foram vendidas em apenas quatro meses pela loja estadunidense Wham-O.
A aposentada Cecília Abreu, 79, Rio de Janeiro (RJ), viveu parte da explosão do bambolê no fim dos anos 50. “Na minha adolescência era uma febre. Aparecia sempre na televisão e as pessoas andavam para todo lado com o bambolê pendurado no ombro. Todo adolescente queria ter um, era fashion”, lembra. No entanto, a aposentada afirma que era incomum encontrar rapazes praticando. “Naquele tempo era considerado coisa de mulher que queria se exibir, então, de jeito nenhum homem podia usar. Também diziam que bambolê era indecente para moça direita e que suar não fazia bem”.
Aos poucos, a aposentada conta que a onda do bambolê foi diminuindo nas ruas. O objeto voltou à vida de Cecília quando a filha começou a utilizá-lo como ocupação profissional. “No início, eu achava uma loucura trabalhar com aquilo. Mas sempre estimulei. Já com três anos ela brincava com bambolê”, completa. Depois de adulta, a prática de bambolear voltou à rotina de Cecília, que, durante a quarentena causada pela Covid-19, passou a rodar o bambolê para exercitar a coluna.
A filha de Cecília é a bambolista profissional Pitila Hossmann, 43, Recife (PE). “Em 2010, o bambolê começou a surgir como cultura urbana e tomei conhecimento do movimento hooping, em que jovens levavam os bambolês para festivais de música e festas. Isso tava criando uma comunidade”, conta Pitila. A partir de 2011, ela começou a dar aulas e depois a fabricar o instrumento, em sua loja Bambolê Arte.
O movimento bambolista no Brasil foi crescendo a partir de 2008, com a criação de companhias e grupos profissionais. Em 2010, surgiu o grupo Movimento BamBamBam, criado no Facebook, uma comunidade virtual para os praticantes de todo o país. Em 2011, o nome mudou para Bambolê Brasil, hoje são mais de 3,9 mil integrantes. A consolidação do movimento ocorreu em 2012, com o 1º Dia Mundial do Bambolê, em Santa Catarina, em formato de retiro, com aulas e rodas de conversa. A 6° edição teria ocorrido em maio de 2020, em Goiás, mas foi adiada para outubro devido à pandemia do novo coronavírus.
Cecília Abreu, aposentada
De acordo com Pitila, a adesão ao bambolê tem aumentado muito nos últimos cinco anos. “No mercado bambolista tivemos altos e baixos entre 2012 e 2014, mas, do ponto de vista geral, está sempre crescendo e ainda pode crescer mais”, explica. “Hoje em dia tem várias pessoas trabalhando com isso no Brasil todo, e mesmo assim não temos concorrência direta, trabalhamos muito em parceira pra popularizar o bambolê de qualidade”. No grupo Bambolê Brasil há um arquivo com nomes de fabricantes do equipamento de várias localidades do país e no exterior.
O grupo no Facebook foi inspirado no blog Movimento BamBamBam!, disponível na internet desde 2006. A criadora é a podcaster e empreendedora Mariana Bandarra, 39, Porto Alegre (RS). Ela conheceu o bambolê naquele mesmo ano, a partir do filme “The cost of living” (“O custo de viver”, em tradução livre), junto com a amiga Vera Carvalho. Mariana ficou encantada com o bambolê e decidiu criar o próprio. “Criei o blog como sinal de fumaça, porque pensei que deveria ter outras pessoas usando. Não o atualizo desde 2014 e mesmo assim ele é um documento histórico da internet”, constata.
Pouco depois de aprender a criar bambolê, Mariana chamou um amigo para praticar na praça do bairro, evento considerado por ela como o primeiro encontro de bambolês. “Aquilo se tornou uma coisa terapêutica e foi algo que me conectou com meu corpo”.
Fabricação
Os melhores materiais para o bambolê são o propietileno e o polietileno, que oferecem maior resistência e durabilidade. No entanto, também é possível fabricar com mangueiras de água, encontradas em lojas
Arquivo pessoal
Joyce e Julia ensaiam semanalmente e se apresentam em festivais de música eletrônica de Brasília “Hoje em dia tem várias pessoas trabalhando com bambolê no Brasil todo, e mesmo assim não temos concorrência direta, trabalhamos muito em parceira pra popularizar o bambolê de qualidade” Pitila Hossmann, bambolista e instrutora de Hoop Yogini
de materiais de construção. Desde 2012, Camila Rocha, 39, Rio de Janeiro, produz bambolês com o objetivo de ampliar a prática para todas as idades, em sua loja Hoop Rio. “No início, tínhamos que trazer material importado, mas mais caro e demorava quase um mês para chegar. Hoje em dia temos o material disponível nacionalmente”, detalha. A confecção funciona sob demanda, de acordo com os gostos e intenções do solicitante.
Camila, integrante do movimento bambolista desde 2010, acredita que a dificuldade de adesão dos adultos vem da memória de não saber rodar quando criança, já que os aros infantis são menores e mais leves. Segundo ela, quanto maior e mais pesado, mais fácil é rodar. “A minha relação com o bambolê tem muito a ver com essas pessoas, que ainda não descobriram que podem praticar também”, conta Camila, que se apresenta com o instrumento em eventos, oficinas e no bloco de carnaval carioca Mulheres Rodadas.
O bambolê se soma a outras práticas. A junção dele com o yoga recebe o nome de Hoop Yogini, que é a integração do bambolear, hatha yoga e meditação mindfulness. A bambolista Pitila é a primeira e única Instrutora Certificada de Hoop Yogini no país. “A aula ainda está em crescimento no Brasil, e tem procura mais no meio do bambolê do que no movimento do yoga”, conta Pitila. Ao redor do mundo, são entre 150 e 200 instrutores de Hoop Yogini, formados ou em treinamento. Aulas para novos adeptos ou futuros professores podem ser encontradas no site hoopyogini.com.
Jocelyn Gordon, 46, Nova Iorque (EUA), foi quem idealizou a prática, em 2014, quando passou por um processo de redescobrimento e de mudanças. “O objetivo principal é se conectar com seu eu maior e lidar melhor com o caos que existe fora, para acalmar a mente em situações estressantes”, afirma. No Hoop Yogini, o bambolê atua como um acessório, servindo para exercícios de força, de alongamento e de meditação ativa.
O aro também é acessório no Hoopilates, técnica pioneira no Brasil, desenvolvida em 2009 pela artista de circo e teatro Vera Carvalho, 45, Porto Alegre, formada em pilates e praticante precursora do bambolê profissional no país junto com Mariana Bandarra. “O Hoopilates mexe com todas as musculaturas. O foco é no corpo de cada pessoa e na experiência dela”, afirma Vera. A primeira aula completa da prática aconteceu em 2015, no 3º Encontro Bambolê Brasil, em São Paulo (SP).
Arquivo pessoal
Bárbara é conhecida nacionalmente por misturar a dança com o bambolê a outros elementos, como tintas e o próprio cenário
Arquivo pessoal
Monica Imbuzeiro/O Globo
Pitila usa bambolê desde os três anos, conforme recordação da mãe, Cecilia Pitila leciona aulas de bambolê e de Hoop Yogini semanalmente, presencial em Recife ou por chamada de vídeo
Saracura do Brejo, palhaço
Rebolado
Depois da popularização do modelo de plástico na década de 50, o bambolê voltou a ser febre nos anos 90, quando começou a ser usado em festas e raves, em versões com LED e fogo. A cantora e compositora Silvia Machete é conhecida por rodar bambolês em seus shows, enquanto canta e dança. Em 1997, o grupo É o Tchan lançou a música e o brinquedo Bambotchan, sobre a dança com o aro. Foi também nos anos 90 que se começou a comemorar o Dia Mundial do
Monica Imbuzeiro/O Globo
Registro do primeiro encontro de bambolê realizado por Mariana e um amigo, em uma praça pública de Porto Alegre Bambolê, 11 de novembro, com o intuito de incentivar o uso.
No Brasil, a artista circense especializada em bambolês Bárbara Francesquine, 32, São Paulo, foi uma das primeiras a utilizar o aro em festivais, em 2008. Atualmente, ela une o bambolê aos malabares e outras habilidades do circo. “Hoje em dia, tenho muito mais técnica do que antes. Os números que faço são muito mais virtuosos. Me dedico a criações em que eu comunico alguma verdade minha ao mundo”, explica a artista, que integra o cenário e o público em suas apresentações.
Referência no meio, Bárbara considera que bambolear não é rebolado, como se diz popularmente. Para ela, é questão de impulso, que pode ser frontal, lateral ou redondo. “O bambolê se desdobrou em inúmeras possibilidades, que vão desde giros pelo corpo, na cintura, pescoço ou cotovelo, até muita coisa de manipulação, de mão, malabares, jogar para cima”, comenta Bárbara, que ensina bambolê presencialmente ou a distância.
A H I S T Ó R I A D O
BAMBOL Crianças e adultos egípcios brincavam Ê 3000 A.C com bambolês feitos de parreiras SÉCULO XV secas O bambolê é banido da Inglaterra sob acusação de causar ataques cardíacos e problemas de coluna
ANOS 1950 Richard Knerr e Arthur Melin lançaram o bambolê de plástico. Em um ano no mercado, mais de 100 milhões de unidades foram vendidas
ANOS 1960 A popularidade do bambolê diminuiu entre jovens e adultos, mas se manteve entre as crianças
ANOS 1990 Era comum encontrar bambolês em parques e festivais. No Brasil, o grupo É o Tchan lançou a música Bambotchan
ANOS 2000 O bambolê invade academias no mundo inteiro e é reconhecido como instrumento fitness
Fonte: Blog BamBamBam! Arquivo pessaol
Em 2012, bambolistas de todo o Brasil se reuniram em Santa Catarina, no 1º Dia Mundial do Bambolê
Em 2020, Bárbara Francesquine organizou as primeiras três edições do Festival Virtual e Internacional de Bambolês, com caráter social e sem apoio financeiro.
Sem preconceito
Além da presunção de que rodar bambolê é rebolar, existe a crença de que é “coisa de mulher”. Focado em acabar com este preconceito, o palhaço e malabarista Saracura do Brejo, 35, Goiás (GO), se apresenta no meio circense com uma sátira: “No circo contemporâneo o bambolê é praticado sempre por mulheres, pela contorcionista, sempre sendo um número virtuoso e explorador do corpo. Quando comecei a praticar, depois da infância, quis fazer o contrário ao número tradicional”.
Os elementos da crítica sexista são principalmente o uso de paetê, franjas, e do próprio contorcionismo. “Tudo na linguagem do palhaço, uma forma de falar sobre igualdade de gênero sem ser muito militudo”, completa Saracura. “Criei um estilo de movimentação que envolve todo o corpo com gestos ridículos, porque fazer rir é se colocar ao ridículo”. Saracura é o principal organizador do encontro de bambolês este ano, em Goiás.
Como Saracura e Bárbara, outros artistas utilizam o bambolê para passar uma mensagem. É o caso de Joyce Luz e Julia Mendonça, 23 e 21, Brasília (DF), que criaram a Yuna Performance. A dupla tem o objetivo de promover a arte dentro da psycotrance, com foco em mulheres. “A gente se apresenta em festas e festivais, tudo que possa envolver a arte”, explica Joyce, que também é professora de bambolê e dona da loja Luz Bambolês. As apresentações da dupla são coreografadas com base em estilos de música, por meio de passos simultâneos para entrar no ritmo.
Arquivo pessaol do evento alternativo Picnik, Brasília não possui presença forte de bambolistas, sobretudo, pela ausência da prática nos ambientes públicos da cidade. “Para considerar um movimento esperaria mais regularidade. Vejo interesse das pessoas, mas não é um movimento de fato”, opina. Em São Paulo, ações com o bambolê em espaços públicos são comuns, muitas vezes realizadas pela Cia Bambolística,
Saracura é referência do uso de bambolê no meio circense e faz sátira ao preconceito com o uso masculino que desde 2014 promove intervenções e encontros. A integrante Hiari Femi, 24, considera que rodar bambolê nas ruas promove maior integração entre
Joyce acredita que a cena cultural de as pessoas. Para ela, a internet trouxe Brasília relacionada com bambolês está o imediatismo de aprender todos os em crescimento. Assim como ela, outros truques de uma só vez. “Viver a cultura fabricantes do Distrito Federal comercia- do bambolê é estar com outras pessoas lizam bambolês em lojas físicas e virtuais. bamboleando e trocando conhecimentos. No Instagram, a hashtag #bambolebrasilia É sair na rua com ele no ombro e ter a acumula mais de 100 publicações. Porém, certeza de que alguém vai falar com você, na visão de Miguel Galvão, idealizador porque todos se identificam”.
Bárbara Francesquine, bambolista
Arquivo pessaol
Arquivo pessaol
Com referências internacionais, Vera é a única no Brasil a lecionar o Hoopilates
Jocelyn Gordon criou o Hoop Yogini em 2014 e capacitou mais de 150 instrutores por todo o mundo
Lorra Prado/Bloco Planta na Mente
Camila se apresenta com o bambolê em eventos e oficinas, além de participar de blocos carnavalescos
BENEFÍCIOS DO BAMBOLÊ
O bambolê fortalece a coluna vertebral e cria novas conexões neurais, além de estimular a circulação sanguínea e linfática. As vantagens são tantas que na Grécia Antiga já o utilizavam para manter a forma física. Além disso, os bambolês também servem como estímulo de capacidades sensoriais. De acordo com Mariana Mello, terapeuta ocupacional, o bambolê sensorial é indicado para crianças a partir de quatro meses, com ou sem hiper-responsividade, que é a aversão com algo. “Esse tipo de bambolê auxilia no desenvolvimento de aspectos táteis, auditivos e visuais, além de estimular a coordenação fina e viso motora, que é olhar para tal objeto e fazer a ação com a mão”, afirma.
Em cada uma das categorias sensoriais, cada pedaço do bambolê é envolto em algum material diferente, podendo desenvolver mais de uma capacidade ao mesmo tempo. “É preciso que o terapeuta avalie a criança primeiro, para saber o que deve ser melhor desenvolvido. Não se pode usar qualquer coisa no bambolê quando a criança tem dificuldade com aquilo”. Mariana utiliza a ferramenta há cerca de quatro anos, sobretudo com pacientes dentro do espectro autista.