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Virando a noite
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Pedro Ângelo Cantanhêde
Foto: Pedro Ângelo Cantanhêde
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Muito estudo, poucas horas de sono: como a rotina estudantil dos universitários pode prejudicar diversas áreas da vida e até deixar sequelas no longo prazo
São muitos os estímulos que o cérebro do jovem recebe ao longo do dia. Horas em frente ao computador na faculdade, mais horas durante o trabalho ou o estágio, além de longos estudos em casa. Durante os intervalos, redes sociais, jogos e séries no celular. E, não satisfeito, o jovem ainda leva o celular para a cama, a fim de “relaxar” antes de pegar no sono. Estes são alguns dos motivos que podem contribuir para o começo de dificuldades para dormir, que muitas vezes evoluem e se tornam crônicas.
A psicóloga do sono Mônica Rocha Müller trabalha na área há quase 20 anos e explica que, entre seus pacientes de 18 a 26 anos, a patologia mais comum, se tratando do sono, é a insônia. “Nos jovens, nós costumamos observar uma privação intencional de sono, por conta não só de festas, mas principalmente pela dificuldade em controlar os estímulos no período da noite”. Por estímulos, vale traduzir: o celular, a televisão, o computador, o tablet. “Tudo interfere de uma maneira bastante negativa, que gera não só a insônia, mas uma irregularidade nos horários de dormir e de acordar”, resume.
Ana Carolina Alves é formada em publicidade e atua como freelancer em direção de arte. Porém, nos seus anos de estudante, enfrentou problemas e dificuldades para dormir, tanto no colegial, quanto na faculdade.
Tudo começou em 2015, quando ela estava no último ano do ensino médio. A jovem relata que esse foi um ano decisivo, já que precisava escolher o curso da faculdade e enfrentou outras questões: “A principal foi a separação dos meus pais. Este acontecimento foi traumático na época, e isso desencadeou estresse e ansiedade”.
Ao entrar na faculdade, Ana Carolina passou a ter, gradualmente, mais dificuldades em relação ao sono. “Minha mente ficava muito agitada com as coisas que eu estava vivendo. Eu tinha problema familiar, problema de relacionamento”, lembra. A ansiedade fez com que a universitária dormisse poucas horas, e muitas vezes fosse “virada” para a aula. “Eu não conseguia me concentrar de forma alguma durante as aulas, então minha aprendizagem não foi tão positiva”, admite.
Mônica Müller, psicóloga do sono
A ajuda profissional que ela procurou foi de uma psicóloga, mas acabou largando após um mês de terapia. De medicamento, utilizou o fitoterápico Maracugina, que não precisa de receita médica para ser comprado. Ana Carolina conta que a pior consequência de seus problemas para dormir foi no trabalho de conclusão de curso, produzido entre 2018 e 2019. “Eu acredito que, pelo meu potencial, eu poderia ter feito algo muito maior e melhor. Mas foi uma época difícil”, finaliza.
No ano de 2000, época em que a psicóloga Mônica se especializava em sono através de seu mestrado, essa área de atuação se enquadrava dentro da análise do comportamento. Foi apenas em 2017 que a primeira turma de psicólogos do sono do Brasil foi certificada pela Associação Brasileira do Sono (ABS). E Mônica fazia parte dessa turma. Hoje, ela é um nome de destaque dentro da Psicologia do Sono no Brasil, e é membro do Conselho de Psicologia do Sono da ABS.
Ela conta que grande parte de seus pacientes é formada por universitários. E as rotinas vividas por esses estudantes, se não forem bem cronologicamente divididas, podem ser prejudiciais. “Faculdade, estudo e trabalho são muito importantes, eles não prejudicam o sono. Quem consegue fazer tudo isso com sucesso e com bom desempenho é uma pessoa que aparentemente está saudável e dormindo bem. O problema é quando a pessoa não consegue estabelecer um limite para essas atividades”, afirma.
“Um jovem pode estudar bastante durante o dia, mas é fundamental que, mais ou menos uma hora antes do horário de dormir, ele pare de fazer todas essas atividades que são estimulantes, do ponto
INSÔNIA CRÔNICA A insônia crônica é classificada em quatro tipos:
• Inicial: a dificuldade de iniciar o sono, ou seja, a demora para começar a dormir.
• Manutenção: quando a pessoa desperta várias vezes durante a noite.
• Terminal (ou despertar precoce): a pessoa acorda muito antes do horário planejado e não consegue voltar a dormir.
• Sono não reparador: queixa de não se sentir descansado após acordar, mesmo com todas as horas necessárias dormidas.
Valeriy Khan /Unsplashno mais baixo, o nível de má qualidade do sono continua em mais da metade dos estudantes. Victoria Brilhante está no segundo ano da graduação em medicina no Centro “A insônia não é a falta de sono, e sim o excesso
Universitário das Faculdades Associa- de vigília” das (UNIFAE), em São Paulo (SP). É Nonato Rodrigues, justamente no segundo período que neurologista tência médica, da qual uma das principais Segundo ela, isso pode ser evitado, importante (a prescrição de medicamenPesquisa realizada em 2014 por qualidade de sono ruim e 81,6% tinham
os estudantes têm um dos piores níveis Passar noites em claro se tornou parte da rotina de pesquisa da UFPB. A jovem conta que O olhar da neurologia universitários passa grande parte das noites em claro, O neurologista Nonato Delgado Rodriestudando para provas, praticamente gues trabalha quase que exclusivamente de vista cognitivo, que utilizam princi- todas as semanas do período letivo. As com a medicina do sono há 25 anos. Ele palmente o computador e eletrônicos”, consequências não são nada boas: “Passo conta que, entre os pacientes jovens e estuexplica a psicóloga. Para um sono rápido o dia inteiro cansada, devagar, com dantes, um dos problemas mais comuns é e saudável, é importante essa preparação péssimo rendimento. Cansada tanto fisi- a sonolência excessiva diurna, que surge e desaceleração. camente, quanto psicologicamente, como quando eles estão em tarefas monótonas, se tivesse um peso nas costas”. diante do computador, escrevendo ou Medicação Além das consequências físicas e lendo. A causa, em geral, está nas noites Mônica conta que a maioria dos pacientes mentais, a falta de sono afeta a relação não dormidas, quando o tempo é invesjovens já chega ao consultório medicada, com outras pessoas. “Eu fico completa- tido em estudo ou atividades acadêmicas. pois buscou ajuda médica. “As pessoas mente antissocial, sem paciência para Um exemplo dessa situação tão não sabem que existe o psicólogo do sono, dialogar”, afirma Victoria. E, para piorar, comum é Ane Elise Valadão, estudante então, nós temos uma cultura que, em uma noite acordada é “impossível repor, de arquitetura e urbanismo na Univerprimeiríssimo lugar, se busca uma assis- só acumula”. sidade de Brasília. Ela relata que passou características é oferecer uma medicação Qualidade do sono de acordo com que seja de alívio”. o ano de graduação (medicina)
embora, em alguns casos, o medicamento PRIMEIRO ANO seja essencial. “Quando o paciente tem 71,19% dos estudantes apresentam sono ruim um nível de ansiedade muito elevado, é 28,81% apresentam sono bom tos), inclusive para que o paciente se sinta Segundo ano Terceiro ano mais tranquilo para seguir as orientações 74,24% 25,76% 58,82% 42,18% e intervenções”, detalha. sono ruim sono bom sono ruim sono bom
estudantes da Universidade Federal da Quarto ano Em internato Paraíba mostrou que 72,2% dos alunos 83,12% 16,88% 60,98% 39,02% de medicina da UFPB apresentavam sono ruim sono bom sono ruim sono bom de qualidade de sono, de acordo com a sonolência diurna grave. Os números Fonte: Aspectos relacionados à qualidade do sono em estudantes de medicina (Luiza Vieira Gomes Segundo, variam para cada ano do curso, mas, até Bartolomeu Fragoso Cavalcanto Neto, Débora de Araújo Paes, Maurus Marques de Almeida Holanda), 2017
muitas noites sem dormir nas vésperas de entrega de trabalhos. “Isso acontecia mais ou menos uma vez na semana”, diz a jovem de 19 anos. Essas vigílias afetavam não só os dias em que não havia dormido, mas Se tratando de medicamentos, o neurologista explica que os remédios utilizados na maior parte dos transtornos de sono são apenas como “bengalas”, apoios a serem aplicados a curto prazo. “A insônia não é a falta de sono, e sim o Megan te Boekhorst/Unsplash também a qualidade dos trabalhos para excesso de vigília. E o remédio que faz os quais havia sacrificado a noite de sono. dormir não trata esse excesso. Ele vai “Gerou muito estresse, e como muitos tentar mexer na área do sono, que está trabalhos eram manuais, também afetava intrinsicamente normal”, explica. minha criatividade ou minha precisão, e Nonato Rodrigues conta que os aí eu tinha que refazê-los”, recorda. “O remédios são prescritos nos casos em sono é uma coisa que eu priorizo muito, que o paciente já está sofrendo há algum mas por conta disso, já entreguei trabalho tempo: “Para que ele possa suportar um pela metade, ou meio pouco mais facilmalfeito, ou atrasado”. “Eu fico mente o tratamento Dr. Nonato, que é membro titular da completamente de verdade”. No caso da insônia, o trataAcademia Brasileira antissocial, sem mento sugerido por de Neurologia e especialista em transtornos paciência para ele é a terapia cognitiva comportamental, de sono pela Associa- dialogar” que treina o paciente ção Brasileira do Sono, a assumir o controle explica como noites não dormidas podem trazer complicações à saúde do estudante: a privação de sono ativa dois canais de estresse no sistema nervoso central, um agudo (em curto prazo) e um crônico (em longo prazo). “O agudo é a noradrenalina e a adrenalina, que vão fazer com que o coração acelere e com que a pressão suba. É uma resposta aguda ao estresse”, explica, a respeito das consequências mais imediatas.
É ativado, também, o eixo HPA, que libera uma quantidade aumentada de cortisol, o hormônio do estresse crônico. “Tanto o cortisol, quanto a adrenalina, vão ser responsáveis, no longo prazo, por alterações metabólicas, diabetes, aumento da pressão arterial e arritmias cardíacas”, completa.
Victoria Brilhante, estudante de medicina sobre o dormir. Para o atraso de fase de
sono, muito comum entre os jovens que dormem e acordam muito tarde, prescreve-se a melatonina, hormônio produzido durante à noite, para ajudar a regular o sono e a vigília, combinada com a luminoterapia, para reequilibrar a secreção desse hormônio.
PRIVAÇÃO DE SONO
LIBERAÇÃO DE NORADRENALINA E ADRENALINA
CORTISOL
CURTO PRAZO
CORAÇÃO ACELERADO
AUMENTO DA PRESSÃO ARTERIAL LONGO PRAZO
Estímulos visuais, como computador e celular, podem causar dificuldades para dormir e levar à insônia
HIGIENE DO SONO
“Higiene do sono” é um termo utilizado dentro de diversas esferas médicas e comportamentais para descrever o ato de dormir da melhor maneira possível. Para alcançar esse nível, especialistas recomendam algumas regras, como:
• Quarto silencioso, escuro e com temperatura agradável; • Horário uniforme para se deitar e levantar, até mesmo nos fins de semana; • Não realizar exercícios que exijam muito do corpo imediatamente antes de deitar; • Evitar bebida alcoólica ou com cafeína imediatamente antes de deitar; • Evitar o uso do tabaco após o anoitecer; • Não utilizar aparelhos eletrônicos que emitem luzes próximo ao horário de dormir; • Evitar os cochilos diurnos.
A higiene do sono deve ser uma prática diária. Mas é importante destacar que ela não deve substituir acompanhamentos e indicações de especialistas, quando necessário.