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Busca incessante por beleza
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Mariana Fernandes
ilustração: Gil Almeida Art
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A busca incansável pelo padrão de beleza feminino imposto pode gerar sérias consequências para a saúde física e mental
As mulheres estão quase sempre em busca de melhorar a aparência, e isso vem desde a infância. Tentar pertencer ou se encaixar dentro de um perfil que não é o seu, pode ser uma tentativa sem sucesso. A busca incessante pelo corpo ideal pode trazer sérias consequências.
Antes da preocupação estética, a saúde deve ser prioridade. O padrão de beleza imposto pelo mercado pode ser considerado uma ditadura, que asfixia o prazer de viver, e prejudica a autoestima. Além de ser um gatilho para que muitas mulheres desenvolvam transtorno alimentar, ansiedade e depressão.
Juliana Klein, 20, é uma das pessoas que sofreu por causa desse padrão. Ela desenvolveu a bulimia. Ainda na escola, ela se considerava diferente das outras meninas por causa do peso acima do que os outros consideravam o ideal. “Eu sempre era excluída dos grupos, era considerada a gordinha engraçada”. Ela diz que as pressões em casa também podem ter ajudado a desencadear o transtorno alimentar: “Quando eu era criança, pedi para minha mãe me colocar na aula de balé, e ela me disse que não era para mim, que balé era coisa de gente magra. Meu pai sempre se alimentou bem, e praticou exercícios, então me sentia pressionada para parecer com eles, e não me sentir tão diferente”.
Juliana diz que, aos poucos, vomitar virou uma rotina. “Eu comecei a vomitar depois das refeições, duas ou três vezes nas primeiras semanas, depois passou a ser logo depois de comer. Já cheguei a vomitar 15 vezes por dia, doía muito. Eu sentia calafrios, tremor, suava”, recorda. O tratamento começou logo depois que o pai de Juliana descobriu, tanto com a medicina como com a psicologia. “Os episódios ocorrem uma vez ou outra, ainda é difícil dizer se me aceito do jeito que sou. Mas hoje entendo que meu peso não tem relação com minha saúde, todos os meus exames estão ótimos, sou uma pessoa saudável”, afirma.
Juliana Klein, jovem com transtorno alimentar
A psicóloga Keila Brito diz que o transtorno alimentar começa a partir de um gatilho – bullyng nas redes sociais, por exemplo –, e é preciso analisar cada caso, mas em geral a questão começa na adolescência. “Algumas pessoas têm a sensibilidade de saber que é um problema, e muitos são por querer ser aceitos por um grupo, por querer pertencer a um grupo em que, provavelmente, essa pessoa está inserida ou ela quer ser inserida, e isso acarreta um prejuízo na saúde mental e física muito grande”.
A profissional explica que transtornos como a bulimia podem atingir mulheres e homens, mas são mais Gil Almeida Art frequentes nas meninas. Ha uma relação com a autoestima, que tem a ver com a relação da pessoa com o mundo. Neste cenário, se o corpo é a única forma de pertencer a algo, é como se a pessoa fosse reduzida a um único ponto. “A autoestima não nasce com a gente, ela é desenvolvida com o tempo. Crianças que não tiveram uma afirmação, pais tentando ajudar a construir isso, vai fragmentar. A nossa cultura de certa forma é uma cultura que invalida, então, nós vamos ter sim uma autoestima um pouco mais frágil. É necessário construir pilares para desenvolver uma autoestima menos enfraquecida”, constata. Seguir a ditadura da beleza pode gerar transtornos mentais e alimentares
É preciso entender que cada corpo tem uma natureza, um perfil e “Já sofri algumas vezes Padrão de beleza tentar modificar isso sempre vai ser um processo doloroso. Keila sugere: “Evitar quando ia pegar trabalho O belo pode gerar muitas dúvidas quando analisado por diferentes pessoas, há quem comparação ajuda muito, é preciso enten- e não me aceitavam por diga que beleza está nos olhos de quem der que o corpo mais cheinho tem um filogenia que o define, não adianta ter eu não ter um vão entre vê. É uma ideia que oferece uma experiência de prazer e satisfação por meio dos um biotipo com algumas curvas mais as pernas, porque as sentidos. Mas o que podemos considerar arredondadas e querer ficar esguia, slim, porque a característica não bate”. pernas são grossas e como belo ou não? Pesquisa realizada com mais de 7 uma encosta na outra. mil pessoas pela plataforma de comércio Gil Almeida Art E por ter um bumbum grande demais e chamar eletrônico Groupon, em cinco países da América Latina, mostrou que 89% das pessoas estão insatisfeitas com a estética do rosto ou do corpo. De acordo com a mais atenção que a Sociedade Internacional de Cirurgia Plásroupa. Além disso, o tica (Isaps), o Brasil ultrapassou em 2018 os Estados Unidos no ranking de países meu tom de pele já que mais realizam cirurgias plásticas. Em 2018, foram realizados 1.498.327 proceincomodou algumas dimentos cirúrgicos estéticos no Brasil, pessoas, por não ser contra 1.492.383 nos Estados Unidos. O maior incômodo está entre as clara” mulheres. É o que mostra estudo da Busca por um padrão pode ser doloroso e frustrante Gabriela Borges, Miss Distrito Federal 2019 Sophia Minds, empresa especializada
em análises sobre o universo feminino. contra a corrente de padronizar. Cada Depois de ouvir 3.500 mulheres de todas rosto tem uma proporção, e algumas as regiões do país com idades entre 18 e 60 pessoas consideram uns mais bonitos que anos, a pesquisa mostrou que 92% delas se outros. Quando eu trato um paciente, eu sentem incomodadas com alguma parte tento fugir do padronizar. Quando essa do corpo. padronização acontece, você dificulta o
Mulheres crescem ouvindo como processo de embelezamento”. devem se comportar, como manter o O dermatologista avalia que é corpo em forma. Estão sempre sob influ- preciso entender os motivos quando ência de algum padrão, muitas vezes, alguém busca um procedimento estético difundido na TV, revistas, desfiles, redes no consultório. “O papel do profissiosociais, publicidade e até por pessoas nal é questionar se tal procedimento vai próximas. resolver o problema do paciente, porque, Arquivo pessoal muitas vezes, isso pode ser uma fuga de algum outro ponto mal resolvido”, alerta. No consultório, de 20 pessoas atendidas por dia, 15 são para queixas Miss Brasil Be Emotion 2019
Seguir um padrão ou repetir um comportamento com base em outras pessoas, nem sempre é a melhor saída. De acordo com o médico André Moreira, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, é preciso valorizar a beleza natural de cada pessoa. “Eu sempre fui estéticas. O procedimento mais procurado é a toxina botulínica, conhecida pelo nome comercial botox. Doutor André alerta que é preciso respeitar o limite de cada corpo. “Eu trabalho sem excessos, acredito que o natural é o verdadeiro belo. É uma mistura de bom senso com
Miss Distrito Federal, Gabriela Borges no concurso
técnica”, completa.
Moda e ditadura
Para muita gente, a moda passa uma imagem de glamour, fama e sucesso. No entanto, para outras, os padrões estéticos estabelecidos podem funcionar como ditadura da beleza. A indústria da moda é uma referência para muitas mulheres que enxergam nas roupas, maquiagens, modelos, e procedimentos estéticos uma forma de se sentir bem.
Por trás dos bastidores, o cenário nem sempre tem o glamour das capas de revista. Com as exigências de um perfil magro e alto, a cobrança e a pressão além de virem das agências e da indústria, surgem das próprias modelos, que, por vezes, sofrem com transtornos psíquicos e alimentares.
Gil Almeida Art
A auto estima pode ser uma aliada para incentivar mulheres a saírem da ditadura
“A beleza é muito mais que só um corpo, evidentemente precisamos zelar pelo nosso templo, mas não é só casca, é preciso ser conteúdo. Não adianta ser um receptáculo de coisas vazias, e sim de coisas boas. Tem que ter profundidade no ser, sempre buscando evoluir, pessoas melhores consequentemente são mais belas” Bárbara Monteiro, Miss Brasil Plus Size 2011
Arquivo pessoal Nos bastidores nós temos casos de estilistas que não querem dar comida ou água para a modelo não criar barriga para as “A autoestima não fotos ou desfile, não entrar na roupa, ou a roupa ficar folgada, e maus-tratos da nasce com a gente, equipe”, comenta a modelo. ela é desenvolvida tipo de corpo como corpo comum, um corpo mais magro, definido, que fosse como eu era, porque eu queria ser igual às outras”.
No backstage e nos camarins, o tratamento muitas vezes é inadequado e chega até a faltar comida e água. “A verdade é que você fica muito distante da família, amigos, e isso te deixa muito solitária. É uma profissão que, por detalhes, você é deixada de lado, ou não serve mais pra ser modelo. Não recebe bem, principalmente em alguns lugares no Brasil, e
Gabriela avalia que buscar um padrão inalcançável só traz dor e sofri- com o tempo, e alguns mento, e defende a aceitação. “Eu sou feliz com meu corpo e me aceito hoje, teóricos defendem antes não, porque me comparava com que a infância é o pessoas que são totalmente diferentes de mim, e hoje eu aprendi a achar bonito ponto crucial de minhas curvas. A minha dica é parar de desenvolvimento da
Um movimento que reage ao autoestima. Crianças
“Ser uma modelo plus size é ser uma modelo livre de rótulos” diz a Miss Brasil Plus Size, Bárbara Monteiro padrão imposto “magro e esbelto” é o chamado plus size, que abre espaço para corpos mais “cheinhos”. As modelos plus que não tiveram uma afirmação, pais
A miss Distrito Federal 2019, size estão ganhando mais espaço a cada dia, elas vêm com uma mensagem para tentando ajudar a Gabriela Borges, admite que os padrões todas as mulheres não terem vergonha do construir isso, vai da indústria podem gerar sofrimento. Ela recorda que se aceitava bem até os 17 anos, seu corpo, e imperfeições. A modelo e Miss Brasil Plus Size fragmentar” porque se comparava a pessoas comuns. 2011, Bárbara Monteiro, avalia que desco- Keila Brito, psicóloga “Quando me interessei pelo mundo da brir o que é considerado como ideal por moda, e da beleza, eu comecei a ver outro você é a chave para não se abater com as mais alongado. Então, minha realidade se tornou outra, por um momento eu me senti pressionada e não me aceitava Gil Almeida Art
se comparar”. você precisa ter uma rede social bombada. Aceitar o seu corpo como é e não fazer comparações é um caminho para a autoestima
críticas. “Nós precisamos encontrar um limite de bem-estar com nós mesmos, se cuidar. Eu me cuido, tenho 45 anos e sou saudável. Não devemos pensar nos extremos, nem ser magra demais, nem ser obesa. Precisamos encontrar o nosso melhor e nosso limite para estar bem”.
O autoconhecimento e a aceitação pelo que você é te colocam em uma outra posição no mercado. “Nunca fiquei depressiva por querer ser magra, sempre tive uma boa relação com autoimagem. Acredito que isso está muito dentro da gente, da nossa mente. Então, não fico me comparando muito com outras pessoas, eu acho que quando você se compara com outras pessoas, isso faz ter uma cobrança maior sobre você. Eu acredito que cada um tem seu caminho, seu corpo, seu jeito e a gente tem que procurar adaptar nossa vida à gente e não aos outros”, comenta Bárbara.
Ela avalia que o plus size conquistou espaço e mostra que qualquer mulher pode alcançar o que deseja, se aceitando da forma que é. “Ser modelo plus size é ser uma modelo como qualquer outra, só que uma modelo mais livre de rótulos. Uma modelo natural, uma pessoa como qualquer outra, que veio mostrar para sociedade que podemos ser todos representados”, comemora.
A moda está em constante evolução, e sempre disponível para atender o mercado e as mudanças que acontecem de acordo com cada estação. Os estilos se reinventam a cada dia, e o que é ultrapassado são os julgamentos, o padronizado, e a ideia de que somente um biotipo é considerado ideal. Ninguém é igual a ninguém, e os diversos formatos de corpo representam a diversidade do ser humano. O diferente é o que há de bonito em cada um. Se aceitar, se amar, e se cuidar, são as maneiras mais significativas para descrever o que é belo. Enquanto você não se aceita, o mundo não vai te aceitar, solte sua voz, seja verdadeira, seja você.
Gil Almeida Art
Bárbara Monteiro, Miss Brasil Plus Size 2011
DICAS PARA ACEITAÇÃO
O processo de aceitação pode ser uma tarefa muito difícil para algumas mulheres. Para isso a psicóloga Keila Brito dá oito dicas de como agir para driblar a sensação de não pertencimento a um padrão imposto pela sociedade:
• Não querer alcançar uma realidade que não é a sua • Evitar comparações (principalmente nas redes sociais)
• Desenvolver autoconhecimento
• Fazer terapia e se autoquestionar
• Buscar ajuda psiquiátrica
• Desenvolver pilares (identificar os gatilhos que o levam as comparações)
• Evitar as redes sociais em excesso
• Desenvolver autoestima