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Depois do câncer

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A bola é delas

A bola é delas

por: Willian Rodrigues

Foto: Annie Spratt/Unsplash

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Para se restabelecer, recuperadas do câncer enfrentam barreiras invisíveis para a sociedade, principalmente no retorno ao trabalho

Medo e apoio são palavras que surgem quando o assunto é o câncer. Medo da doença, do tratamento, de como a sociedade irá tratar aquele que passou pela doença e a venceu. Por outro lado, o tratamento sempre passa pelo apoio – dos médicos, da família, dos amigos. Segundo o Inca, Instituto Nacional do Câncer, a previsão é de que o Brasil tenha 625 mil novos casos no ano de 2020. Sendo assim, como ir além da doença? E quais iniciativas dão suporte para quem enfrentou o câncer?

“Não foi fácil quando eu descobri. Eu tinha um ritmo de vida já delimitado. Você faz planos e de repente tudo muda, da noite para o dia”. Luzeni Silva de Lima, técnica em enfermagem, foi diagnosticada com câncer de mama em 2017.

O Inca estima que no ano de 2020, quase 30% dos casos de câncer em mulheres serão nas mamas. A blogueira Micheline Ramalho enfrentou a doença e admite que a primeira sensação é muito difícil: “Foi um baque muito grande, o câncer. O primeiro contato que você tem te gera aquela sensação de morte”.

De fato, a primeira impressão traz um impacto forte para o paciente. O Instituto Hospital de Base do Distrito Federal (IHBDF) conta com apoio psicológico para mulheres com a doença por meio da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília (RFCC) desde 1996. A instituição acolhe, informa, dá apoio emocional e material, motiva para o tratamento e integra a equipe médica para o melhor atendimento dos pacientes. Todo o trabalho realizado pela RFCC é voluntário.

O apoio é fundamental na recuperação das pacientes, todas mulheres.

As demandas são diversas. “É “Encontrei Volta ao mercado o medo de deixar os filhos, a questão da autoestima, de pessoas Se a descoberta do câncer é traumatizante, perder o cabelo, de perder a que vivem o o retorno ao trabalho mama, são questões que atravessam a vida delas”, observa mesmo dilema apresenta-se como um desafio, como conta Fernanda Gontijo, psicóloga que eu, que Luzeni. “Eu não podevoluntária da rede. Luzeni ria parar de trabalhar, foi atendida e faz parte da estão vivendo até porque o trabalho RFCC. “Encontrei pessoas que vivem o mesmo dilema a mesma funciona como uma terapia. Chegou a hora que eu, que estão vivendo realidade” de voltar, e eu fiquei me a mesma realidade, entrei Luzeni Silva de Lima, preparando um mês nesse grupo e fui me forta- técnica de enfermagem antes. Preparando meu lecendo”, recorda. psicológico. É como se

O apoio da RFCC começa logo estivesse indo para o primeiro dia de aula. quando as atendidas iniciam o trata- Era ansiedade, era medo”. mento, que é agressivo. Para ajudar as A recepcionista Maria de Fátima mulheres, que muitas vezes se sentem Oliveira ainda cita um dos principais mutiladas devido à retirada das mamas, motivos de conflito entre empresas e a rede conta com diversos projetos funcionários nessa volta. “Você não tem para resgate da autoestima, associados disponibilidade igual antes. Você precisa à costura, ao artesanato e à produção ir numa consulta, fazer exame, fazer de perucas. Todos são ligados a um fisioterapia. Eu não tive tanto tempo. trabalho com psicólogas que atuam As empresas não são compreensivas na terapia em grupo. “Nós, psicólogas, (quanto) a isso, então, a dificuldade ajudamos as pacientes a ressignificarem maior é que você continua em trataesse momento”, detalha Fernanda. mento”. Ela faz parte de uma ONG de Arquivo pessoalapoio a mulheres em tratamento do câncer, a Vencedoras Unidas. O paciente de câncer pode se afastar pelo INSS, conforme a necessidade, de acordo com o laudo do médico. Mas muitos optam por voltar ao trabalho devido às perdas financeiras geradas pelo auxílio doença da Previdência Social, que é menor em relação ao salário original. Além disso, é consenso entre as entrevistadas que a rotina de trabalho acaba se transformando em ferramenta terapêutica. Ainda assim, adaptações são necessárias, porque A blogueira Micheline Ramalho busca ser muitos pacientes não conseguem inspiração e dar visibilidade à luta contra o câncer desempenhar as funções como antes.

Outra psicóloga da RFCC, Ana Paula Fernandes, explica: “Muitos dos “É necessária uma pacientes tem dificuldades para retor- conexão forte entre nar. Alguns, devido à debilidade do tratamento, outros devido à necessia capacitação e a dade de se ausentar do trabalho para empregabilidade” consultas. Alguns pacientes conseguem José Rogaciário dos Santos, presidente do aposentadoria. O retorno ao mercado Instituto Cooperforte de trabalho depende de como foi todo o tratamento. Alguns pacientes recebem voltou ao trabalho dois anos após o alta do tratamento, mas não contam diagnóstico inicial. com tantas oportunidades de emprego”. Há também o medo de ser

As adaptações precisam ser consi- demitido depois de um longo períderadas para um retorno adequado, já odo ausente. Saaranh Souza do Lago, que o tratamento prossegue em muitos recepcionista, passou por isso. “Voltei, casos. “Você não volta no mesmo ritmo. estava muito ansiosa, querendo trabaA sua mente não trabalha como antes, lhar, muito tempo parada, um pouco porque o tratamento deixa a gente um lenta. Foi um tratamento muito barra pouco mais lento”, relata Luzeni, que pesada, mas eu fui pegando o ritmo. Arquivo pessoal Logo voltei ao normal. Eu até pensei ‘poxa eu vou ficar aqui, daqui um tempo ela (a empresa) vai me mandar embora’. Lembro como hoje, o gerente responsável pela empresa falou para mim ‘não se preocupa, você sempre foi uma excelente funcionária’”, relata. Saaranh ficou pouco mais de dois anos afastada. Apesar das dificuldades, Maria de Fátima, Luzeni e Saaranh venceram o câncer e conseguiram voltar ao trabalho.

Luzeni durante o tratamento

Já a blogueira Micheline Ramalho optou por outro caminho. Ela conciliava a paixão do trabalho nas redes sociais como influenciadora digital e um emprego convencional. “Trabalhava no Ministério da Educação antes de tudo isso acontecer. Eu tive que ser aposentada devido às complicações do tratamento. Não foi uma decisão minha, trabalhar só com as redes sociais. Eu fiquei muito triste, sabe, porque quando você fala ‘aposentadoria por invalidez’, bate aquele desespero. Só que eu quis dar a volta por cima. Mostrei nas minhas redes sociais o quanto eu tenho serventia pro mundo”, avalia.

Ela viu nas redes sociais a oportunidade de gerar empoderamento para

Arquivo pessoal

Fátima encontrou apoio na ONG Vencedoras Unidas

Dados do Instituto Nacional de Câncer / Ministério da Saúde

Rede Feminina de Combate ao Câncer de Brasília O presidente do instituto, José Rogaciário dos Santos, avalia que é preciso não só valorizar a empregabilidade, mas promover transformação social. “Vamos atender uma necessidade de trabalho demandada por um mercado ou por uma localidade, mas as pessoas que ingressarem nos projetos, têm que ser envolvidos por uma capa de consciência crítica. A proposta do instituto sempre foi de revestir de técnica, do

Mulheres da RFCC recebendo próteses mamárias desenvolvimento humano, do cuidado mulheres no meio da moda. “Tinha com o ser humano, da formação de uma pessoas que tinham passado pelo câncer consciência crítica para dar a ele uma e simplesmente se resguardaram, não nova visão de mundo”, detalha. quiseram mostrar que estavam com Entre os projetos apoiados pelo câncer. Eu falei, ‘gente, eu preciso instituto, estão os de capacitação em mudar isso’. Eu acredito muito em Deus, sabe, “Alguns pacientes corte e costura, em massoterapia e em eu acredito que a minha recebem alta rotinas adminiscura veio para alcançar vidas e dar testemunhos”, do tratamento, trativas. Todas as atividades têm finaresume. Micheline conta mas não contam lidade de encurtar o com apoio de diversas marcas locais e nacionais com tantas caminho de volta ao mercado de trabalho e comemora: “Quando eu comecei o meu trataoportunidades de e atuar no empoderamento e melhoria mento, há 3 anos, eu emprego” da autoestima. “Não tinha 10 mil seguidores. Ana Paula Soares Fernandes, adianta se capacitar Hoje, eu tenho 24 mil”. psicóloga da RFCC e não ter onde exercer essa capacitação. Busca por emprego É necessária uma conexão forte entre As dificuldades do acesso ou retorno ao a capacitação e a empregabilidade”, trabalho motivaram instituições dispostas destaca o presidente. a trazer novas possibilidades. O Instituto No ano de 2019 foram 52 iniciatiCooperforte é uma dessas entidades que vas apoiados pelo Instituto Cooperforte, apoia e financia projetos sociais para capa- sendo um deles voltado para o apoio ao citar jovens, pessoas com deficiência e recuperado do câncer, em São Paulo. outros tipos de fragilidade social, como o Assim como o instituto e a RFCC, recuperado do câncer. O instituto é uma diversas organizações oferecem apoio organização social ligada a uma coopera- por meio de programas com funções tiva de crédito, a Cooperforte, criado há terapêutica e de capacitação. Vencer o 17 anos com foco em capacitação para o câncer é mais um passo de uma jornada mercado de trabalho. que continua.

Rafael Nakaoka e Fernando Beagá/SORRI-BAURU

José Rogaciário, presidente, discursa em um dos projetos apoiados pelo Instituto Cooperforte

FIQUE ATENTO

Pessoas portadoras ou que tenham dependentes com câncer têm direito a sacar o FGTS. Podem ser efetuados saques enquanto houver saldo até o valor total. Para efetuar o saque na Caixa Econômica são necessárias as seguintes documentações:

1) Documento de identificação;

2) Carteira de Trabalho;

3) Número de inscrição PIS/PASEP/NIS;

4) Atestado médico com validade até 30 dias;

5) Laudo do exame laboratorial que serviu de base para elaboração do atestado médico;

6) Caso tenha cargo de diretor de empresa em fim de mandato, além da documentação acima, deve-se apresentar uma cópia autenticada das atas das assembleias que comprovem a eleição, eventuais reconduções e término do mandato;

7) No caso de ter dependente em situação de câncer, também é necessário o comprovante de dependência.

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