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Jovem é político, sim!
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Maria Luiza Farias
Foto: Daniel Lacerda
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Pesquisa mostra que os jovens são o segmento com maior interesse em participar da política, seja disputando eleição ou assumindo cargos públicos
Já dizia o filósofo Edmund Burke: “Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”. A frase, escrita no século XVIII, nos remete aos dias atuais, quando a polarização domina o cenário político brasileiro. As divergências presentes na sociedade a divide em extremos, e em grupos de direita ou de esquerda.
A organização Latinobarômetro é responsável por uma pesquisa anual de opinião pública feita em países da América Latina. Os dados mais recentes, de 2018, mostram que 41% dos brasileiros acreditam que tanto faz viver ou não em uma democracia, sendo o 2º pior resultado entre os países. Cerca de 25% dos brasileiros deixaram de acreditar que a democracia é o melhor sistema de governo em apenas 5 anos.
A descrença na política e no sistema governamental acontece e se perpetua, com agravamento a cada 4 anos, justamente quando acontecem eleições para os principais cargos eletivos do país, presidente, governador, senador, deputado federal, deputado estadual e deputado distrital. A confiança no sistema e nos governantes só piora graças à corrupção e fraudes no poder e mesmo entre os partidos políticos.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 31,3% dos brasileiros não compareceram para votar em 2018. Essa é a maior soma de votos em branco e nulos registrados desde 1989.
Fomos instituídos em uma república no ano de 1889 por Marechal Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente do Brasil. Somente em 1945, após o Estado Novo de Getúlio Vargas, o Brasil teve a sua primeira experiência democrática real. Foi também a primeira vez que as mulheres votaram para presidente democraticamente.
“A educação política deveria ser praticada pelos partidos políticos que recebem esses recursos pelo fundo partidário” Antônio Testa, cientista político
Afinal, o que é democracia?
Muito se fala em fazer democracia, exercer a democracia, progredir democraticamente, afinal, o termo democracia vem da junção, no grego, de demo (povo) e kratos (poder). É um sistema exercido pelo povo, tendo livre escolha dos seus governantes, voto, liberdade de expressão, respeito às minorias e equidade, e garantia de acesso à informação. Tudo isso é um conjunto de conceitos que precisa ser vivenciado na sociedade e é previsto na constituição, fazendo assim um país democrático.
Na opinião do cientista político e sociólogo Antônio Testa, o sistema democrático e republicano é funcional. “Funciona, desde que as instituições cumpram suas missões organizacionais e ajam tecnicamente. Os órgãos de Estado devem agir tecnicamente. A política deve se restringir ao parlamento e órgãos conexos. Porém, o Brasil vive uma situação difícil porque o Estado está ideologicamente aparelhado em vários escalões’’, constata.
Segundo o Datafolha, em 2020, apenas 62% dos brasileiros concordam que a democracia é a melhor forma de governo. Para 22%, tanto faz uma democracia ou uma ditadura e, para 12%, em certas circunstâncias uma ditadura é melhor que um regime democrático. Comparando os dados do Datafolha com os do Latinobarômetro, de 2018, a maioria dos brasileiros acredita que a democracia é extremamente importante para o bem comum.
Ainda em 2018 o Datafolha fez uma pesquisa e constatou que os jovens são o grupo com maior interesse em participar da política, seja disputando eleição ou assumindo cargo de governo. Organizações e movimentos são criados para entender, ajudar e combater esses altos índices da nossa política.
Mudanças jovens
Organizações e movimentos sociais têm o poder de influenciar nas mudanças graduais e constantes que a sociedade precisa, propondo soluções e melhorias. Neste cenário, a ONG Politize tem como missão formar uma nova geração de cidadãos atuantes e comprometidos com a democracia, por meio da educação política.
Arquivo pessoal
Gabriella Prado mobilizadora do grupo Politize em Brasília
A instituição foi criada em 2014 por plural e apartidária, levando a educação Diego Calegari na esteira das manifesta- política para todas as pessoas em todos ções de rua que aconteceram em todo o os lugares’’. Brasil em 2013. Diego percebeu o inte- Na opinião da jovem, o projeto resse do público jovem se manifestando significa esperança. “Para mim, é a espepela primeira ativamente. Diego notou o rança em um futuro em que os jovens grande interesse dos jovens pela política, conheçam e entendam o seu papel na mas percebeu que faltava informação política, para que nosso país seja cada qualificada. vez menos desigual. É importante que as A ONG tem como princípio levar “É uma rede que pessoas tenham acesso e conhecimento sobre o conhecimento sobre se dedica única educação política, para política de forma mim o Politize repreapartidária, fácil, e e exclusivamente senta uma esperança para todas as pessoas por meio da intera propagar a para o futuro”, conta Mariana. net. Hoje, a iniciativa educação política Ao total a instituiestá presente em 127 municípios, com 26 e proteger a ção tem 26 embaixadas espalhadas por 14 estaembaixadas espa- democracia’’ dos mais o Distrito lhadas pelas cidades Federal. Gabriella Prado, brasileiras. O projeto Gabriella Prado, mobilizadora do 25, é mobilizadora do consegue alcançar Politize grupo em Brasília e quase 25 milhões de lembra ter buscado se usuários pelo portal politize.com.br. informar mais depois das eleições de
Na opinião do cientista Antônio 2018. “Estava extremamente cansada e Testa, a educação política começa na frustrada depois das eleições de 2018, escola: “Na educação formal a educa- e me sentia sozinha por não torcer por ção política deveria ser cidadã, isenta nenhum dos lados, sempre gostei de de tendências políticas. Deveria formar debater sobre política. Entrei no Politize cidadãos, direitos e deveres. Se esse fosse por eles tratarem de forma apartidária, o foco seria possível ter uma sociedade levando conhecimento e informação para mais harmoniosa e racional’’. as pessoas”, diz.
Mariana Fernandes, 24, é responsável pela comunicação do Politize e explica Direita x esquerda como o grupo atua. “O Politize existe para Na opinião do antropólogo Cláudio que a democracia na política faça parte Ferreira, a polarização entre as ideias de da rotina dos jovens. Acreditamos que o direita e de esquerda começou na Revopreparo para democracia e para a polí- lução Francesa, no século XVIII, e foi tica é o que há de mais democrático no consolidada ao longo do século XX com Brasil. Levamos conteúdos e experiência a divisão do mundo em dois blocos, o de qualidade para as pessoas entende- socialista, liderado pela União Soviética, rem sobre política, buscando passar uma e o capitalista, com os Estados Unidos mensagem de uma forma descomplicada, à frente.
“A população não superou essa ideia e estamos muito arraigados a esses termos. A tradição ocidental é pautada numa religião que trabalha com a ideia do bem e mal, tendo uma tradição muito forte dentro do maniqueísmo e do cristianismo e isso foi levado para a integração do cotidiano. A partir disso as ideias são construídas dentro desses discursos políticos”, explica o antropólogo.
Em termos históricos, no Brasil essa divisão se intensificou na ditadura militar iniciada em 1964: os considerados de direita apoiavam o golpe e os de esquerda, defendia o regime socialista baseado nos ideais de Karl Marx. Porém, com passar do tempo e a mudança cotidiana na
política outras divisões foram “O jovem é mente para qualquer criadas e a forma de identificação é livre e individual. fundamental debate, e sabemos que a política é feita de
O termo ‘’direita’’ repre- para entender debates sobre diversenta um posicionamento sos assuntos. Acredito político, partidário e ideoló- a importância fielmente que a demogico. O posicionamento de direita é marcado por caracda democracia cracia é o melhor sistema de governo, terísticas mais conservadoras e da luta pela mesmo que isso em relação aos aspectos sociais do governo. Defende também liberdade e possa servir de base para algumas atitudes que o poder do Estado seja igualdade no “antidemocráticas”. limitado sobre o funcionamento e regulamentação dos Brasil” O termo ‘’esquerda’’ é usado setores da sociedade e apoia Luiza Almeida, professora para denominar um o livre mercado, com menos posicionamento políregulação e participação estatal. tico, partidário e ideológico que tem como
Rafael Emery, 22, formado em principal objetivo a defesa de interesses de ciências políticas, tem ideais de direita grupos sociais e de igualitarismo. Significa e conta que é importante a participação que concorda e compactua com os posida população nas principais decisões cionamentos ideológicos deste espectro do país: ‘’Sou conservador, acredito na político, que defende uma atuação mais preservação dos costumes e valores que intensa do Estado em defesa da sociedade. a humanidade conservou até a consoli- O publicitário Victor Marques, dação da sociedade civilizada, baseada 33, faz parte do grupo social e político no ocidente cristão”. Roda de Homens Negros em Brasília, que Arquivo pessoal aborda diversos temas políticos, sociais e da consciência negra. Ele tem visões políticas alinhadas com a esquerda. “O melhor sistema que temos hoje é a democracia, mas acredito que ainda pode ser melhorada. Me preocupa a ascensão da extrema direita aqui no Brasil e no mundo inteiro, pautas conservadoras que podem pôr em risco anos de conquista dos movimentos sociais”, relata. A professora Luiza Almeida,40, é ativista do Rosas pela Democracia e também se considera de esquerda. Acima
Rafael Emery participou das manifestações em de tudo, ela defende a democracia: “Ela favor do presidente Bolsonaro nos permite denunciar as coisas que estão
O técnico em informática Weudes erradas e a resistir e defender nossos direiSantos, 26, se considera de direita, sem tos enquanto cidadãos. A liberdade de extremismo. “Extremismo fecha sua expressão, tão elementar ao exercício
Arquivo pessoal
O publicitário Victor Marques defende o movimento Roda de Homens Negros em entrevista à TV Brasil de várias profissões, como o jornalismo e a docência, só é possível por meio da democracia”.
O Brasil ficou em 50º lugar no ranking das democracias do mundo, segundo a pesquisa feita pela Democracy Index publicado pela Unidade de Inteligência do The Economist. O antropólogo Cláudio Ferreira diz que, enquanto pesquisador e professor, nunca tinha notado a população tão engajada e envolvida com os debates políticos como agora. “O processo democrático vai depender muito da atuação dos jovens, da conscientização e da participação e do engajamento juvenil”, resume. Andressa Morais/Arquivo pessoal
Luíza Almeida defende a educação política como a chave de mudança