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Qual o PAPEL da BIBLIOTECA numa FAMÍLIA?

Os livros como objeto de estudo e as estantes como reflexo de gerações passadas e idealistas do futuro.

a nossa família, em que tanto o pai quanto a mãe são professores, as paredes da casa denunciam uma presença bastante forte: a dos livros. Se pararmos para pensar, vamos concluir que o livro hoje em dia é um objeto bem paradoxal. Muitos gostam de exibir que têm livros, de preferência muitos livros, em sua sala ou escritório. Isso parece estar relacionado com a ideia de que o seu dono seria um sujeito culto, muito sabido ou até erudito. É por isso que existe gente comprando livro “a metro” (chegando num sebo e dizendo, “quero dois metros de livro, com capas bonitas”) para preencher as estantes da sala. Seria a função do “livro ostentação”. Mas se há aqueles que cultuam os livros, ainda que do jeito errado, há cada vez mais aqueles que mantém distância deles. E aqui não se fala daqueles que se orgulham e exibem a sua própria ignorância, como se fosse um troféu. Aqui se fala do contexto do mundo atual em que parece haver uma onipresença de mídias como vídeos (tik-tok), imagens (instagram) e textos curtos (twitter) compondo um padrão de comunicação que faz o livro parecer ser coisa do passado.

Será mesmo?

Umberto Eco, numa obra que tem como título sugestivo “Não contem com o fim do livro”, disse o seguinte: “o livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. (...) O livro venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que o próprio livro”. Umberto Eco era um amante dos livros e das bibliotecas e sabia das coisas. Ele sabia que os livros jamais irão morrer. E vão sobreviver não para a função de enfeitar paredes, mas porque o livro traz algo que nenhum outro objeto traz.

Em nossa casa, o diálogo sobre o tema livros sempre esteve presente. E não só como acontece em boa parte das famílias, para tentar fazer com que os filhos sejam leitores aplicados e criem hábitos de leitura. Mas também para mostrar que os livros têm dois atributos importantes: eles podem mostrar com certa clareza uma história de vida; e podem também representar a dimensão dos desejos. Ou seja: podem dizer algo sobre o passado (a história) e o futuro (as prospectivas).

Para mostrar como uma biblioteca é a representação de uma história o argumento é este: uma biblioteca ou um conjunto de livros conta de fato uma trajetória e um percurso cultural que foi sendo traçado. Mas para além de objetos organizados numa certa ordem e dentro de um certo sistema, os livros, se olhados com cuidado, mostram algo mais: quais eram os maiores interesses de leitura do leitor quando era estudante, quais permaneceram, quais evoluíram para outros interesses, quais foram abandonados e até quais interesses foram renegados. Que tipo de temas, discussões e teorias já o inspirou e quais ainda o inspiram. Se há livros de línguas estrangeiras, dá para suspeitar que houve uma relação com a cultura daquele país; se os livros estão desmanchando de tanto uso, é sinal de que eles foram importantes demais em algum momento; se estão empoeirados, é sinal de que já foram deixados de lado faz tempo; se estão novinhos em cima da mesa, pode ser sinal de que estes temas são os temas mais interessantes do presente. Em suma: livros são pistas (às vezes pistas muito claras) que podem contar uma história longa, até de décadas, de um caminho que foi sendo construído por uma pessoa (ou por uma família). Se olhado com atenção no dia a dia do convívio doméstico, livros podem contar as preocupações que foram abandonadas pelo caminho, as paixões literárias, até mesmo as esquisitices que um dia o leitor já teve. Num certo sentido, uma biblioteca é uma biografia, ou uma rede de biografias. Pode ser um guia para decifrar muita coisa do passado daquele que é seu dono. Biblioteca não pode ser vista, portanto, como um amontoado de objetos sem alma: ela é uma experiência viva, única, que é um espelho de tudo o que um dia lhe tocou o interesse, a imaginação ou a curiosidade.

Mas, como dito acima, biblioteca não conta só uma história de vida e não se volta só sobre o passado daquele que por alguma razão acumulou livros; ela também fala sobre o futuro, sobre o desejo que o dono da biblioteca tem de um dia ainda ler algo que ele não leu, mas que está logo ali, à sua disposição e disponível a alguns passos. Algo que um dia foi comprado para um momento de folga que ainda não chegou, ou livros de um autor que precisa ser saboreado quando houver mais tempo sobrando. Quem melhor definiu isso foi o escritor italiano Italo Calvino, que escreveu que a biblioteca ideal é aquela que “deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar. Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais”. Ou seja, a biblioteca é o lugar para os prazeres que ainda virão, para realizar alguns desejos (de leitura) ainda não realizados, para saborear algumas coisas apetitosas que estamos deixando para depois, como uma sobremesa pela qual desde agora já salivamos.

Quando observadas de um modo atento, as bibliotecas –coleções de livros – são, portanto, muito, muito preciosas: elas comente este artigo: comunicacao@colegiomedianeira.g12.br

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