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Projeto Lyrics: o estudante no centro do processo
o estudante no centro do processo PROJETO LYRICS:
Com o intuito de promover o intercâmbio entre conceitos da Língua Portuguesa e da Língua Inglesa, proposta multidisciplinar e multinível revela aptidões dos estudantes
O projeto Lyrics originou-se em 2017, durante a aplicação de atividade multidisciplinar e multinível no estudo colaborativo do contraturno, quando começamos a pensar em algumas propostas que unissem os componentes de Literatura – um braço da Língua Portuguesa – com a Língua Inglesa, dados os pontos de contato curriculares, bem como similaridades entre práticas metodológicas com resultados produtivos em sala.
Além da oportunidade, consideramos também a onipresença da língua inglesa no cotidiano dos nossos estudantes, como língua de integração com produtos culturais internacionais. Falamos, aqui, de músicas, filmes, séries, livros e games que representam uma parte indissociável de suas vidas. Pareceu, então, natural abrir espaço para esse sistema de referências, convidando-os a assumirem o protagonismo em um trabalho de manejo linguístico.
O projeto Lyrics se insere, portanto, na convergência entre texto lírico, componente programático de Literatura, e a versão e tradução, abordadas pelo componente de Língua Inglesa. Enfatizamos que todos os conteúdos abarcados, no que representa a linguagem poética ou conotativa, são uma constante nos dois componentes, sendo evocados no trato cotidiano com a competência leitora. Em um nível prático, na Literatura, o trabalho de manipulação de canção se encaixa perfeitamente na abordagem do texto poético, lidando com reconhecimento de padrões sintáticos, semânticos, rítmicos, ao mesmo tempo em que trabalha com camadas de leitura, pensamento abstrato e linguagem poética. O componente da Língua Inglesa se utiliza da língua materna e todas as suas características fonéticas, semânticas e lexicais para vivenciar de forma similar, mas em menor escala, o trabalho com o pensamento abstrato e a linguagem poética naquela língua.
Valendo-nos dessas interseções, em três anos de prática, os estudantes foram organizados em grupos heterogêneos, com integração multinível, para fomentar a troca e o aprendizado tanto em termos cognitivos quanto em termos socioemocionais. Sua primeira responsabilidade é sugerir três opções musicais de seu repertório e preferência, compostas na língua de partida (em 2017 e 2018 fizemos a versão do inglês para o português e, em 2019, o contrário), para estabelecer uma negociação com as educadoras. Assim, podemos intermediar a melhor opção em termos de complexidade e desafio que cada letra representa. ofensiva ou discriminatória, e que sua versão represente um desafio para o grupo. Sob esse aspecto, a atividade prevê a possibilidade de modulação de sua dificuldade, pois, como cabe aos estudantes a escolha de sua música, eles podem tanto optar por uma letra complexa e por um ritmo rápido (um exemplo seria um rap do Eminem ou dos Racionais MCs, dado seu grau de complexidade); ou optar por uma letra simples, predominantemente literal, dentro de um ritmo lento, como o reggae ou um rock balada. De toda forma, qualquer nível de complexidade é válido, mas é importante que os grupos articulem o trabalho, considerando suas capacidades, habilidades e limitações.
Após essa etapa, seguimos para o trabalho com a letra da canção. Nesse momento, precisamos nos assegurar de que os estudantes dominem o nível semântico da
O combinado é que todos os ritmos e procedências sejam válidos, desde que a letra não seja
letra, sendo capazes de compreender desde a mensagem geral até as expressões idiomáticas, ou demais conotações. Tão somente com esse conhecimento é possível que aconteça a tradução e a versão, do contrário, corre-se o risco de operar com uma tradução literal, que se perderá dentro do contexto lírico, por não estabelecer conexões próprias com a intenção original da composição e não será capaz de passar uma mensagem coerente na língua de chegada.
Analogamente, seria o equivalente a confiar no Google Tradutor para uma tradução da música “Hit the road, Jack” de Ray Charles, sobre uma discussão de casal em que Jack é mandado embora. Ao utilizar a ferramenta de tradução do Google tão somente como fim, que por sua barreira de parâmetros funcionais considera as palavras de forma isolada, e não dentro do contexto em que estão sendo usadas, obtemos: “acerte a rua, Jack”, algo vazio de significado dentro do contexto da letra. Nesse caso, para que fizesse o sentido devido, a expressão precisaria ser transformada em algo reconhecível pelos falantes brasileiros, tal como: “vá embora, Jack”, “sai fora, Jack” ou, ainda, “vaza, Jack”, dependendo da comunidade de chegada. Obviamente, a habilidade de utilizar recursos virtuais e tecnológicos como auxílio para efetivar a aprendizagem no contexto educacional é também trabalhada nessa etapa, ou seja, o Google Tradutor ou qualquer outra plataforma/aplicativo de tradução serve como ferramenta no processo de construção do conhecimento e não como recurso fim. A proficiência em língua estrangeira também diz respeito à capacidade de compreender expressões dentro da semântica e da pragmática.
A etapa tradutória é iniciada com a busca pela manutenção do sentido da letra, pressupondo alterações e adaptações, para ser palatável ao público. Por exemplo, na música de Vanessa Carlton, “Thousand Miles”, no trecho em que ela canta sobre a distância que poderia percorrer pela pessoa amada “Cause you know I'd walk / A thousand miles/ if I could/ just see you/ tonight”, a milhagem teria que virar uma quilometragem hiperbólica o suficiente para fazer sentido imediato em português (mil milhas são 1.609,34km, mas compreende-se que é apenas um número absurdo para ser percorrido a pé, então não é a quantidade que importa, mas o impacto gerado por ela): “pois você sabe que eu andaria/ mil quilômetros/ se pudesse/ só te ver/ hoje”.
Nesse momento, contamos com a participação do educador Diego Zerwes, pesquisador e tradutor do músico Leonard Cohen, para conversar com os estudantes sobre seu trabalho, mostrando escolhas que precisou fazer para manter a mensagem ou a forma das letras originais e, também, demonstrar, com canto e violão, o produto final de uma das suas traduções. Essa participação foi fundamental para que os estudantes observassem, na prática, como se utilizar dos meios disponíveis para efetivar a tradução/versão da canção escolhida.
Depois da mensagem recuperada e vertida para o português, ocorre a etapa técnica de manutenção da estrutura poética, tendo em vista que repetições, rimas ou outras sonoridades são consideradas elementos propositais e, portanto, devem ser respeitados, considerando as peculiaridades fonéticas da língua de chegada. O grande auxílio vem da própria melodia da música, que determina a quantidade de sílabas que cabem em cada verso. Seria impossível fazer a frase “ops, eu fiz novamente” caber no tempo do refrão de Britney Spears. É necessário, pois, substituir palavras, reorganizar estruturas sintáticas e lançar mão de
outros recursos linguísticos para que a letra vertida possa ser cantada de maneira harmônica, como se fosse a música original.
O projeto é entregue em forma de vídeo clip, produzido e editado de acordo com as habilidades técnicas do grupo. Já, para a avaliação, utilizamos como critérios a manutenção do significado e da forma, tendo em vista a comunidade de chegada e levando em consideração toda a complexidade e apanhando de escolhas feitas pelos estudantes-tradutores ao longo do percurso.
É provável que a principal aprendizagem desse projeto seja a escolha. Os estudantes escolhem o nível de complexidade e o aspecto da letra original que irá predominar: o sentido ou a forma. Essa também é uma escolha que se faz, levando em consideração o conjunto de habilidades dos integrantes do grupo, que podem optar por se manterem em sua zona de conforto, ou podem extrapolar seus limites, buscando dominar outros aspectos técnicos. É válido destacar que as habilidades adquiridas no processo do Lyrics são, sem dúvida, utilizadas durante a progressão acadêmica dos estudantes, uma vez que é fomentada a capacidade de ressignificação dos resultados formatados, obtidos por ferramentas de estudo, e de adaptar escolhas em busca da aprendizagem completa, que começa a se efetivar produtivamente em cada estudante envolvido no projeto.
Anna Carolina Legroski é doutoranda em Letras, pela UFPR e mestra em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela UFPR. Mestra em Traduction Littéraire et Édition Critique, por Lumière Lyon 2, bacharela em Estudos Literários Franceses e graduada em Letras-Português pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente, é professora de Literatura no Ensino Médio do Colégio Medianeira (CuritibaPR). Pesquisa e trabalha com leitura, mediação de leitura, letramento literário.
Michele Maria Nasser Cavalheiro é graduada em Licenciatura Português / Inglês pela Universidade Federal do Paraná (2000). Trabalhou como Redatora Bilíngue Plena na Companhia Paranaense de Energia por 4 anos (2008-2012). Atualmente, é professora de Inglês para Ensino Médio no Colégio Medianeira, é também é Sempre-Aluna.
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