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A liderança jesuítica: uma história de inovação

A LI D E R AN Ç A JESUÍTICA:

uma história de inovação Das origens de uma Companhia com visão única sobre o conceito de "líder" às ambições do mundo corporativo

Por Priscila Murr

Osingular, relativo a quaisquer feitos humanos, não está ligado à novidade, que se apresenta por meio de determinado contexto, mas sim pela qualidade relacionada ao fato. Quão extraordinário pode ser o amor para com o próximo? De que maneira a humanidade qualifica seus feitos? Que tipos de talentos regem a experiência humana no mundo? O que ordena a presença individual em detrimento de uma coletividade integrada? Como cultivar o lar onde habitamos? Esses são os questionamentos presentes na narrativa de Chris Lowney, no livro “Liderança heroica: as melhores práticas de uma companhia que há mais de 450 anos vem mudando o mundo”.

Ex-seminarista da ordem jesuíta, escritor, orador público e consultor de liderança, que nos dias de hoje atua na Catholic Medical Mission Center – maior organização de saúde sem fins lucrativos dos EUA, voltada para mulheres e crianças –, Lowney (2015) aborda

a temática da “liderança”, permeando amplas áreas dos estudos sociais e políticos a fim de comprovar que ser líder não se configura como um privilégio para poucos, pois está para além de uma conceituação: é um modo de vida que pode ser escolhido por qualquer pessoa. Lançado em 2003, originalmente na língua inglesa, sob o título “Heroic leadership”, é o primeiro dentre os oito livros publicados pelo autor até o ano de 2020. Traduzido para o português por Ricky Goodwin, foi reimpresso pela Edições de Janeiro, em 2015.

Liderança. Li-de-ran-ça. L-i-d- -e-r-a-n-ç-a. Quatro sílabas, nove letras. O que será que essa simples paroxítona é capaz de fazer? Estaria sua raiz ligada a um mundo perfeito? Ou será que isso tudo não passa de um lugar-comum?! De fato, as respostas para essas perguntas vão ser muito diferentes para você e para mim. Cada indivíduo a enxerga de uma maneira singular. É uma questão de ponto de vista, de concepção existencial... É um misto de historicidade e lugar social, gerando interpretação única. É mais que um estudo sob a ótica da gramática normativa. É subjetividade, interiorização de uma crença, um modo de vida, como alega Lowney (2015).

A liderança não deixa de figurar no hall da multiplicidade. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS, 2010), o sentido denotativo do substantivo feminino “liderança” aponta para “espírito de chefia” e “posição ou característica de líder”. Portanto, liderança remete ao estímulo de se estar à frente, orientando as atitudes, sistematizando os passos. Essa objetividade tem reflexos com relação aos critérios do discurso dentro de uma multiplicidade à vista. Porque as coisas do mundo são múltiplas, Lowney (2015) orienta seu olhar ao objeto em questão sob um ângulo definido: sua própria vivência. A partir de conceitos e preceitos comprovados por premissas registradas, o olhar acurado do autor demonstra sua experiência.

“A liderança não é definida pelo tamanho da oportunidade, mas pela qualidade da resposta”

(LOWNEY, 2015, p. 29).

Tendo como pano de fundo as práticas da Companhia de Jesus ao longo de seus mais de 450 anos, Lowney (2015) evidencia seu diagnóstico acerca das marcas perenes deixadas pelos jesuítas mundo afora. Apresentando uma análise inovadora, com base num estudo histórico minucioso, desmembra a conceituação e a aplica às práticas da Companhia. Como que numa aula magna, destacando os valores originais e atemporais dos jesuítas (autoconsciência, inventividade, amor e heroísmo), traça um panorama geral sobre a história da Companhia, e aponta lições variadas à vida pessoal, familiar, política e empresarial. O resultado: um livro para pessoas de qualquer crença, agnósticos e ateus.

Assim, dando destaque à fonte rica de liderança relativa ao grupo de amigos que há 474 anos se juntou para fundar uma nova “empresa”, demonstra o sucesso. Em pouco mais de uma geração, passavam de mil jesuítas atuando em quatro continentes, configurando o empreendimento religioso mais bem sucedido do mundo - e indiscutivelmente a companhia mais bem-sucedida de sua época. Foram pioneiros e foram desbravadores (LOWNEY, 2015, p. 285- 286). O autor ainda revela que, utilizando princípios que vão contra os estereótipos frios e autoritários das lideranças contemporâneas, os jesuítas têm como pilares a autoconsciência, a inventividade, o amor e o heroísmo para liderar com máximo aproveitamento.

Ao longo de 320 páginas, Chris Lowney monta uma cronologia a partir do exame histórico com relação a uma companhia multicentenária e, fundamentando sua obra nas particularidades dos jesuítas, expõe o contexto por

meio de passagens descritivas, narrando os acontecimentos a fim de transportar o leitor à realidade desvelada.

“Os jesuítas fundadores lançaram sua companhia em um mundo complexo que, provavelmente, mudara mais nos últimos cinquenta anos do que nos mil anteriores. Soa familiar? Eles falam conosco não como peritos em lidar com um cenário antiquado do século XVI, mas como especialistas em extrair das pessoas desempenhos confiantes apesar de cenários mutantes e incômodos, em qualquer século” (LOWNEY, 2015, p. 20).

Além dessa análise com relação aos feitos e ao sucesso dos primeiros jesuítas, Lowney (2015)

evidência a relação entre tal sabedoria e as pessoas/organizações que desejem aprender a praticar a liderança de maneira completa e efetiva. Então, explorando detalhadamente os quatro valores únicos na criação de uma liderança com substância, autoconsciência, inventividade, amor e heroísmo, completa um mosaico de ganhos e perdas, pois, como frisa Lowney (2015, p. 20), “Mesmo os grandes tropeçam, e os tropeços dos jesuítas foram particularmente espetaculares”.

“Em pouco mais de uma geração, os jesuítas haviam se tornado o empreendimento religioso mais bem-sucedido do mundo, indiscutivelmente a companhia mais bem-sucedida de sua época" (LOWNEY, 2015, p. 287).

Desmistificando estereótipos, o ex-seminarista analisa a contribuição dos jesuítas para a sabedoria sobre a liderança. Frisa que a postura deles com relação a isso sempre foi clara: em vez de discutirem liderança, vivem-na. Afinal, a liderança é processo contínuo que surge de dentro. Tem a ver tanto com quem se é, quanto com o que se faz no mundo. Portanto, não se configura num ato, mas na vida, num modo de viver ao qual estamos todos intrinsecamente ligados o tempo todo, para o bem ou para o mal (LOWNEY, 2015, p. 20).

Embora os jesuítas não sejam conhecidos popularmente como peritos em liderança, seus métodos, sua visão e sua longevidade os colocam num patamar de líderes. E têm destaque por serem capazes de “compreender suas forças, suas fraquezas, seus valores e sua visão de mundo”; “inovar com confiança e se adaptar para abarcar um mundo em transfor

mação”; “engajar os outros com uma atitude positiva e amorosa”; “energizar a si mesmos e os outros através de ambições heroicas” (LOWNEY, 2015, p. 37).

Rápidos, flexíveis e abertos a novas ideias, o grupo seguidor de Inácio de Loyola, conforme Lowney (2015), encara o mundo de forma confiante, como que imbuídos de talento, dignidade e potencial de liderança. E, descobrindo esses mesmos atributos em seus semelhantes, comprometem-se com paixão a honrar e destravar quaisquer potenciais que encontrarem nos outros e em si mesmos, criando, portanto, ambientes energizados pela lealdade, afeto e apoio mútuo.

Sob a inspiração de Inácio de Loyola, um militar que virou líder político, dono de uma história que “se desenrola com a previsibilidade dos dramas sobre a adversidade: a juventude dissoluta, a crise pessoal, a experiência intensa de conversão” (LOWNEY, 2015, p.

50), e com jornada para a lideran

amor, engajando as demais pes

ça que provoca reflexões sobre os reais atributos para um líder, a Companhia de Jesus prepara seus membros para atuarem em quaisquer ocupações que contemplem o ajudar das almas. Criada do zero, sem produto, grife ou plano de negócios, a Ordem dos Jesuítas, exclusivamente masculina, enfatiza a tradição em valores e a prática no reflexo de tais valores no trabalho diário.

Eis o ponto determinante: são líderes de si mesmos. Mais que uma companhia, os jesuítas compõem um modelo improvável de liderança exemplar por meio do soas com apoio e positividade. Esse padrão, aplicado ao mundo corporativo, bem como às mais simples atitudes cotidianas de cada um de nós, conduz a resultados sólidos, provenientes de paixão e envolvimento espontâneo dos que trabalham em prol de um ambiente inspirador, no qual seja possível visualizarmos os resultados de nossas atitudes. E isso acontece tão somente por conta de a doutrina jesuítica formar mais do que líderes melhores, mas indivíduos melhores.

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REFERÊNCIAS:

LOWNEY, Chris. Liderança heróica: as melhores práticas de uma companhia que há mais de 450 anos vem mudando o mundo. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2015.

HOUAISS, Antônio. Minidicionário da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.

Priscila Murr é Jornalista, graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), e mestra em Estéticas Contemporâneas, Modernidade e Tecnologia – com bolsa Capes/Fundação Araucária – pelo programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (PPGEL) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Atualmente, é jornalista no Colégio Medianeira.

Indicações

Uma história dos jesuítas: de Inácio de Loyola a nossos dias | John W. Malley

Esta obra preenche uma lacuna: dar uma visão completa da história da Ordem Jesuíta em toda sua riqueza e complexidade. É a primeira síntese escrita sobre essa época na qual a companhia atravessou zonas de turbulência que jamais tinha visto até então.

Paixão e glória: história da Companhia de Jesus em corpo e alma | Ignácio Echaniz, S.J.

"Paixão e glória" é uma galeria de mais de cem jesuítas que exerceram funções importantes na história da Companhia de Jesus. Dividida em quatro, apresenta, no Tomo I, as realizações de mártires, santos, missionários e eruditos.

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