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Projeto João de Barro: uma formação socioambiental aliada à prática acadêmica
Por Eliane Barreto Maia Santos e Rafaela Batista dos Santos
Projeto João de Barro nasceu das discussões, nas aulas de ciências, sobre os impactos das ações humanas no ambiente, pensando na necessidade de transmitir, aos estudantes, informações acerca da importância de se reparar danos socioambientais, tendo como foco central a sustentabilidade. O
A ideia surgiu a partir da experiência da bióloga e artesã Ângela Feijó, idealizadora do Espaço de Reutilização Artesanal – ERA, que utiliza resíduos plásticos e caixas de leite para confeccionar paredes. Isso porque, em 2016, um grupo de educadoras do Colégio Medianeira fez um curso no qual aprendeu essa técnica.
Os estudos e as discussões, durante as reuniões pedagógicas sobre o trabalho de Núcleo de Ciências Naturais e Matemática do 5º ano, no qual o ponto central é a ideia da sustentabilidade, oportunizaram um projeto em que a construção das paredes pudesse viabilizar um trabalho pedagógico. Tal trabalho aliaria perfeitamente os conteúdos dos componentes de Ciências e de Matemática, desenvolvidos no decorrer do ano letivo com os estudantes.
Portanto, pelo fato de que o Colégio Medianeira trabalha o desenvolvimento sustentável como uma das questões mais importantes na atualidade, as ações cotidianas da bióloga figuraram como uma proposta real para a redução dos impactos ambientais gerados pelo consumo e pelo descarte de lixo e resíduos, que representa um dos problemas mais graves que o nosso planeta enfrenta na atualidade. O consumo e o descarte, por sua vez, estão ligados a problemas globais e locais da sociedade, nas mais diferentes ordens: sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais.
O resíduo reaproveitável, em suas variadas formas, com destaque para os resíduos plásticos, tem um impacto ambiental expressivo na contaminação do solo e da água, caso não tenha a destinação correta no seu processo de reciclagem.
Como parte do projeto, nos anos de 2016-2017, todos os estudantes do 5º ano visitaram a Usina de Reciclagem para que pudessem visualizar como acontece, na prática, a seleção e a destinação de parte do descarte produzido na cidade de Curitiba. Ademais, ele oportuniza às educadoras explorarem, com os estudantes do 5º ano, a aplicação de vários conteúdos do componente de Matemática, como cálculos envolvendo as quatro operações com os números naturais e decimais; média aritmética, expressões numéricas, geometria (perímetro, área, ângulos, formas no plano bidimensional e tridimensional), entre outros.
Embora o desenvolvimento do projeto João de Barro esteja em processo constante de qualificação, as crianças que estão em contato com as discussões acerca da sustentabilidade, bem como com as temáticas que envolvem resíduos plásticos e logística reversa, já estão familiarizadas com as abordagens do Núcleo de Ciências Naturais e Matemática.
Em uma pesquisa informal, descobrimos que o volume de embalagens plásticas descartadas nas casas é alto. Até mesmo materiais de construção, como tijolos, vêm envoltos em plásticos, fato que reforça a necessidade de propor ações com maior consistência, possibilitando experiência mais significativa e efetiva na vida de nossos estudantes.
O Projeto alia a ideia do reaproveitamento de um volume considerável do lixo plástico produzido nas casas dos estudantes e educadores, além da mobilização de mais pessoas que ajudem na coleta dos resíduos para a compactação e produção dos “tijolos”, formando construções que possam colaborar para algo significativo com possibilidade de uma “obra sustentável”. Uma experiência de elaboração sincronizada à realidade circundante
No ano de 2015, por exemplo, dentre os estudos realizados está a Encíclica Papal Laudato Si, que fala sobre o Cuidado da Casa Comum, na qual o Papa Francisco aborda as relações do consumismo e do desenvolvimento impensado e desenfreado que a humanidade vem revelando, por lidar mal com os recursos do Planeta Terra, que são esgotáveis.
Além disso, o documento entrelaça as preferências da Igreja Católica às da Ciência, simbolizando um convite do Papa à transformação e à unificação global das ações para repensar e combater a degradação ambiental e as alterações climáticas. O apelo do pontífice resgata
a ideia da tomada de consciência por parte de todos, e o posicionamento cidadão frente às questões ambientais.
Em consonância com o Projeto Pedagógico do Medianeira e da Rede Jesuíta, o projeto João de Barro se configura como uma proposta de aprendizagem significativa atrelada à alfabetização científica, apresentando-se como um processo pedagógico que engloba as diferentes funções da cidadania, que oportuniza o repensar, o refletir e o reelaborar de novas práticas cotidianas que lidem com soluções para problemáticas que envolvam a todos. Com base no PEC número 25:
“[...] a proposta pedagógica dos colégios jesuítas está centrada na formação da pessoa toda e para toda a vida, trabalhamos para realizar uma aprendizagem integral que leve o estudante a participar e intervir autonomamente na sociedade: uma educação capaz de formar homens e mulheres conscientes, compassivos, comprometidos e coerentes."
Essas discussões, por conseguinte, desafiaram os educadores à materialização nas salas de aula do 5º ano. Nos últimos anos, as turmas demonstraram forte preocupação com o descarte de resíduos no ambiente, além de estarem motivadas a agir.
Logo, os anos de 2016 e 2017 foram marcados por significativas reflexões, concretizadas no Núcleo de Ciências Naturais e Matemática. Das discussões acerca dos resíduos plásticos, foi construída a Casateca. Essa construção foi uma proposta de edificação de um espaço, uma pequena casa no pátio central, voltada para os estudantes que quisessem ler, e para que ficassem mais próximos dos demais colegas, sem precisar necessariamente se deslocar até a biblioteca, afastando-se inteiramente daqueles que desejassem brincar. Dessa forma, a edificação da Casateca reutilizou piso, telhas, portas e janelas disponíveis na marcenaria do Colégio. Nela foram utilizadas 808 caixas de leite e 161kg de resíduos plásticos. Essa experiência demonstrou que o Projeto João de Barro tem um potencial de agregar aprendizagem significativa, cidadania e sustentabilidade.
Em 2018, houve o pedido de uma turma da Educação Infantil, que tinha o desejo de construir uma casa na árvore. Nasceu, assim, a ideia do Casulo em formato hexagonal, demandando pesquisas sobre a estrutura e sustentação da casa. Nessa obra foram utilizadas 660 caixas de leite e 132kg de resíduos plásticos.
Em 2019, com o desejo de edificar algo além dos muros do Colégio e realizar uma ação para a Comunidade na qual o Medianeira está inserido, planejou-se, junto à instituição escolar municipal vizinha, a Escola Noely Simone de Ávila, uma parceria para a construção de uma Casa de Brincar, oportunizando a integração de estudantes das duas escolas, que teriam muitos momentos de trabalho em comum, além de dar destino adequado a centenas de quilos de resíduos plásticos.
O Colégio, por excelência, exerce uma função social importante no trabalho formativo de seus estudantes, no sentido educativo- -formativo para além de uma abordagem pedagógica estritamente teórica do conhecimento científico das questões ambientais. É fundamental que, ao longo dos anos escolares, aconteça a vinculação com atividades práticas que levem os estudantes a realizar experiências reais de situações vinculadas ao exercício da cidadania efetiva. Situações que extrapolem, inclusive, os espaços das salas de aula e dos muros da escola, que possam contribuir de fato para a transformação da sociedade. Ao se pensar a educação socioambiental, ainda encontramos discursos errôneos e reducionistas ao relacioná-la apenas com ecologia, desvinculando- -a de outros componentes curriculares e de aspectos formativos importantes de serem tratados de maneira mais inter, pluri e transdisciplinar. O Colégio não pode se furtar de trazer, via currículo, os principais aspectos ligados à sustentabilidade e à preservação da casa comum. Logo, é urgente a formação das novas gerações em prol de se tronarem cidadãos ambientalmente competentes, éticos, críticos, reflexivos e observadores amparados nos conceitos, tanto no sentido teórico quanto prático, em experimentações de suas descobertas, num processo inicial de cientificidade, ligada ao desenvolvimento de ações práticas.
Enfocando as características de uma pessoa cientificamente instruída, Hurt (1998) aponta que estas não são ensinadas diretamente, mas têm esse desenvolvimento de forma embutida no currículo escolar, em momentos nos quais os estudantes são chamados a solucionar problemas, realizar investigações, desenvolver e experienciar projetos. Tais atitudes podem ser observadas na tessitura da proposta pedagógica do Colégio Medianeira, na medida em que se considera um enfoque na e pela formação de indivíduos competentes, humanos e academicamente inseridos em seu tempo, através de dinâmicas interativas que permitam a transformação social.
É nesse sentido que o Projeto Educativo Comum (PEC) da Rede Jesuíta desafia suas instituições ao desenvolvimento de pessoas conscientes, competentes, compassivas, comprometidas e coerentes, perpassadas e permeadas por discussões sobre alteridade, sensibilidade e solidariedade para com uma sociedade democraticamente justa e emancipada.
Etapas do projeto:
• Definido o projeto de construção (em 2016/2107 construímos a Casateca, em 2018 o Casulo, em 2019 a Casa de Brincar), fazer esboço da planta baixa e das paredes para definir o formato e tamanho das placas (estrutura de madeira que fixam as caixas de leite).
• Solicitar às famílias dos estudantes algum Engenheiro Civil ou Arquiteto que possam elaborar o projeto utilizando programas como Autocad, definindo, com exatidão, as medidas das paredes.
• Solicitar à marcenaria a construção de moldes de madeira, que podem ser quadrados, retangulares, triangulares, conforme as exigências do projeto a ser executado.
• Orientar os estudantes a recolherem, em suas casas, embalagens de feijão, arroz, pão..., materiais como canetas, apontadores (fora de uso), além de caixas de leite vazias e limpas com as medidas: 16,5cm x 6,3 cm x 9,5cm.
• Acomodar as caixas dentro do molde de madeira para que os resíduos possam ser compactados no interior da caixa sem que esta perca o formato.
• Observar que as placas de 1m² utilizam 55 tijolos inteiros e 10 meios-tijolos.
• Revestir as placas com duas camadas de cola branca e tiras de jornal. Depois de seca, a placa recebe duas camadas de tinta emborrachada, conhecida como “batida de pedra” e utilizada também em carros para promover proteção contra pedras e umidade.
• O telhado pode ser intercalado com telhas e telhado verde que garante um ambiente interno mais arejado. Na Casateca, um lado do telhado foi composto de reutilização de telhas de amianto e com telhas de garrafa pet para garantir maior luminosidade interior. • Todas as etapas de construção são acompanhadas pelos estudantes, que são protagonistas nos momentos de definir o formato da casa, a identidade, finalidade da construção e a disposição das portas e janelas. Durante conversa com as turmas, vão nascendo as ideias, as professoras apresentam para as demais turmas que validam, complementam ou refutam as sugestões.
A biblioteca sustentável já foi tema de matéria nos sites: Associação Nova Escola (https:// bit.ly/2IKBP3N), Catraca Livre (https://bit.ly/2rLhPXp), Porvir (https://bit.ly/2EMsfuL), Xalingo (https://bit.ly/2IPkKZo) e Colégio Medianeira (https://bit. ly/2vjiP7i).
comente este artigo: comunicacao@colegiomedianeira.g12.br
Em 2019, o Projeto João de Barro foi agraciado com o Prêmio Conectando Boas Práticas. Selecionado entre 2.600 trabalhos inscritos, ficou entre os mais bem avaliados no concurso, recebeu uma placa especial de reconhecimento.
Eliane Barreto Maia dos Santos é graduada em matemática. Professora desde 1992, tem experiência de atuação no Ensino Fundamental, com foco para a questão do ensino-aprendizagem na primeira fase do EF. Atualmente, é professora de Matemática no Colégio Medianeira.
Rafaela Batista dos Santos é graduada em em Pedagogia pela, Universidade Federal do Paraná (2015). Tem experiência na área de Educação e, desde 2008, trabalha com foco em alunos com distúrbios de aprendizagem, possuindo experiência com tutoria de alunos com necessidades especiais. Atualmente, é professora do Ensino Fundamental, no Colégio Medianeira.
Indicações
Sustentabilidade: o que é - o que não é | Leonardo Boff
A sustentabilidade representa, diante da crise socioambiental generalizada, uma questão de vida ou morte. O autor faz um histórico do conceito desde o século XVI até os dias atuais, submetendo a uma rigorosa crítica os vários modelos existentes de desenvolvimento sustentável.
A cultura no mundo líquido moderno | Zygmunt Bauman
Um dos mais brilhantes e influentes pensadores da atualidade, Zygmunt Bauman rememora os deslocamentos históricos do conceito de cultura e examina seu destino num mundo marcado pelas novas e poderosas forças da globalização, da migração e da coexistência bélica de populações.